Versos de Clarice Lispector
Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.
O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e no entanto não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal.
Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade. E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo.
(...) nada te posso garantir – eu sou a única prova de mim (...)
A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta, é a glória própria de minha condição. A desistência é uma revelação.
A dor parece uma ofensa à nossa integridade física.
Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.
O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros.
Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu.
É porque estou muito nova ainda e sempre que me tocam ou não me tocam, sinto – refletia.
Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: Meu coração está espantado.
Farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas...
Dá uma vontade de não ser, exatamente quando se é com toda a força.
Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava.
Para compreender a minha não-inteligência, o meu sentimento, fui obrigada a me tornar inteligente.
Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há de melhor que expô-lo ao sol.
Melhor assim. Não quero mais depender de ninguém. Quero é o "Danúbio Azul". E não "Valsa Triste" de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.
A desistência é uma revelação. Desisto, e terei sido a pessoa humana – é só no pior de minha condição que esta é assumida como o meu destino.
Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada. Não tivesse eu, logo depois de nascer, tomado involuntária e forçadamente o caminho que tomei – e teria sido sempre o que realmente estou sendo: uma camponesa que está num campo onde chove.