Versos de Clarice Lispector
Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.
É que "quem sou eu?" provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?
Meu anjo da guarda acaba de me dizer que eu tenho que fazer tudo por mim mesma – e foi embora.
O segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia da primavera elas se abrem e se dão ao mundo.
Nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo.
Quando começa a ficar muito bom eu ou desconfio ou dou um passo para trás.
E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.
O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar: sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.
Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem.
Fui até onde pude, mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim... já são os outros?
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido.
O mundo me parece uma coisa vasta demais e sem síntese possível.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo.
Em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença.
Tenho em mim, objeto que sou, um toque de santidade enigmática. Sinto-a em certos momentos vazios e faço milagres em mim mesma: o milagre do transitorial mudar de repente, a um leve toque em mim, a mudar de repente de sentimento e pensamentos, e o milagre de ver tudo claríssimo e oco: vejo a luminosidade sem tema, sem história, sem fatos. Faço grande esforço para não ter o pior dos sentimentos: o de que nada vale nada. E até o prazer é desimportante.
Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos.