Uma Verdade Inconveniente
Já que tenho de salvar o dia de amanhã, já que tenho que ter uma forma porque não sinto força de ficar desorganizada, já que fatalmente precisarei enquadrar a monstruosa carne infinita e cortá-la em pedaços assimiláveis pelo tamanho de minha boca e pelo tamanho da visão de meus olhos, já que fatalmente sucumbirei à necessidade de forma que vem de meu pavor de ficar delimitada – então que pelo menos eu tenha a coragem de deixar que essa forma se forme sozinha como uma crosta que por si mesma endurece, a nebulosa de fogo que se esfria em terra. E que eu tenha a grande coragem de resistir à tentação de inventar uma forma.
Eu trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estou viva.
A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte. Eu sempre estivera em vida, pouco importa que não eu propriamente dita, não isso a que convencionei chamar de eu. Sempre estive em vida.
Eu, corpo neutro de barata, eu com uma vida que finalmente não me escapa pois enfim a vejo fora de mim – eu sou a barata, sou minha perna, sou meus cabelos, sou o trecho de luz mais branca no reboco da parede sou cada pedaço infernal de mim – a vida em mim é tão insistente que se me partirem, como a uma lagartixa, os pedaços continuarão estremecendo e se mexendo. Sou o silêncio gravado numa parede, e a borboleta mais antiga esvoaça e me defronta: a mesma de sempre. De nascer até morrer é o que eu me chamo de humana, e nunca propriamente morrerei.
O grande castigo neutro da vida geral é que ela de repente pode solapar uma vida; se não lhe for dada a força dela mesma, então ela rebenta como um dique rebenta – e vem pura, sem mistura nenhuma: puramente neutra.
Mas uma guerra sem razão
já são tantas as crianças
com armas na mão
mas explicam novamente que
a guerra gera empregos
aumenta a produção.
Existe alguém que está
contando com você
prá lutar em seu lugar
já que nessa guerra
não é ele quem vai morrer.
O índice de poluição dos rios é alarmante.
Não entre nessa.
Ponha uma margarida na sua fossa.
Ou
O asfalto ameaça o homem e as flores.
Cuidado.
Use uma margarida na sua fossa.
Ou
A alegria não é difícil.
Fique atento no seu canto.
Basta uma margarida na sua fossa.
Coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não.
Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma ideia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.
Uma viagem bem longa, para bem longe daqui, talvez resolvesse, se é que há mesmo algo para ser resolvido. Mas talvez a solução esteja na paisagem interna, não na externa. Talvez eu possa modificar aquela sem modificar esta. O que eu queria era modificar a duas, de uma só vez. Queria ter o que ver, quando olhasse dentro ou fora de mim.
Não gosto de ser chamado de Elvis Pelvis. É uma das expressões mais infantis que já ouvi vinda da boca de um adulto. Mas se quiserem me chamar assim não posso fazer nada, sou obrigado a aceitar.
Ela se afasta fazendo uma trancinha nos cabelos escorridos. Nunca nunca nunca sim sim, canta baixinho. Aprendeu a trançar um dia desses.
Fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, (...) faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, (...) faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta (...)
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: "cê tá boa?" Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.
O que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.
Talvez eu não deixe aqui uma boa estória
ou um bom exemplo a seguir.
Talvez eu nunca tenha contribuído para melhorar
de forma significativa a realidade do lugar onde moro,
ou de meu país.
E talvez eu não deixe bens ou fortuna
com a qual alguém possa fazer bom uso.
A única coisa que deixo com certeza
são essas minhas poucas palavras
E elas podem ser muito simples, mal colocadas, e não muito sábias
- Mas são palavras deixadas com o coração –
E uma palavra salva...
A influência exercida sobre a nossa alma, pelos diferentes lugares, é uma coisa digna de observação. Se a melancolia nos conquista infalivelmente quando estamos à beira das águas, uma outra lei da nossa natureza impressionante faz com que, nas montanhas, os nossos sentimentos se purifiquem: ali a paixão ganha em profundidade o que parece perder em vivacidade.
Todo o homem tem uma porção de inépcia que há-de sair em prosa ou verso, em palavras ou obras, como o carnejão de um furúnculo. Quer queira quer não, um dia a válvula salta e o pus repuxa.
Hoje uma pessoa disse que está apaixonada por mim. Quem diria? Alguém gosta de mim. E o mais louco de tudo nem é isso. O mais louco de tudo é que eu também acho que gosto dela.
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