Trechos Clarice Lispector
Não, nunca fui moderna. E acontece o seguinte: quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E quando estranho a palavra é aí que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é que começa a vida.
Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Eu poderia resolver pelo caminho mais fácil, matar a menina-infante, mas quero o pior: a vida.
Não, quem tem razão é este meu coração indireto, mesmo que os fatos me desmintam diretamente.
O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.
Andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria a esperança.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.
A primavera me dá coisas. Dá do que viver. E sinto que um dia na primavera é que vou morrer. De amor pungente e coração enfraquecido.
Nem sempre esmiuçar demais dá certo.
Se eu ficar sozinha demais procurarei o nosso Consulado. Para rever brasileiros e poder de novo usar a nossa difícil língua. Difícil mas fascinante. Sobretudo para se escrever. Asseguro-vos que não é fácil escrever em português: é uma língua pouco trabalhada pelo pensamento e o resultado é pouca maleabilidade para exprimir os delicados estados do ser humano.
Na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome.
E que eu não esqueça, nessa minha fina luta travada, que o mais difícil de se entender é a alegria. Que eu não esqueça que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria. E que por isso e aquilo é que menos tem cabido em mim: a delicadeza infinita da alegria. Pois quando me demoro demais nela e procuro me apoderar de sua levíssima vastidão, lágrimas de cansaço me vêm aos olhos: sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir. E não consigo, nesse adestramento contínuo, me apoderar do primeiro regozijo da vida.
O medo era vertical demais no tempo para deixar vestígios na superfície.
O que não será jamais elucidado é o meu destino.
À medida que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme.
Milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade.
Detesto que esperem por mim. Não é por delicadeza ou por medo de desapontar. É que alguém esperando por mim é um medo de não se estar só.
Fiquei de novo diante de mim, boba. Não sei o que fazer. Que sou? Realmente, não posso nem de longe escrever como escrevo. Ou deixo definitivamente de escrever ou escrevo de outro modo. Não posso ficar em arabescos. Se eu não tenho mais nada a dizer, que eu morra.
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