Trechos Clarice Lispector
Antes do aparecimento do espelho a pessoa não conhecia o próprio rosto senão refletido nas águas de um lago. Depois de um certo tempo cada um é responsável pela cara que tem. Vou olhar agora a minha. É um rosto nu. E quando penso que inexiste um igual ao meu no mundo, fico de susto alegre. Nem nunca haverá. Nunca é o impossível. Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Que há entre nunca e sempre que os liga tão indiretamente e intimamente?
Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim.
A caça pode ferir mortalmente o caçador.
Eu quero o pensar-sentir hoje e, não, tê-lo apenas tido ontem ou ir tê-lo amanhã. Tenho certa pressa em sentir tudo.
Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração.
Eu acho que, quando não escrevo, estou morta.
Viver é extremamente tolerável, viver ocupa e distrai, viver faz rir.
E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça. Farpa incrustada na parte mais grossa da sola do pé.
Ah, e a falta de sede. Calor com sede seria suportável. Mas ah, a falta de sede.
Não havia senão faltas e ausências. E nem ao menos a vontade. Só farpas sem pontas salientes por onde serem pinçadas e extirpadas.
Que alívio. Felicidade, meu bem, é alívio.
Resignou-se pois. A resignação era doce e fresca. Nascera para ela.
A esperança também não tem número. Perder uma coisa é inefável: nunca sei onde as coloquei. (...) Ser é de um provisório impalpável. (...) Juro que preciso de soluções. Não posso ficar assim completamente no ar.
Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo.
Perder-se significa ir achando e nem saber o que fazer do que se for achando.
Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana. Não sei se terei uma outra para substituir a perdida.
Até que por horas desisti. E, por Deus, tive o que eu não gostaria. Não foi ao longo de um vale fluvial que andei – eu sempre pensara que encontrar seria fértil e úmido como vales fluviais. Não contava que fosse esse grande desencontro.
Muitas vezes antes de adormecer – nessa pequena luta por não perder a consciência e entrar no mundo maior – muitas vezes, antes de ter a coragem de ir para a grandeza do sono, finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono. E quando mesmo assim não tenho coragem, então eu sonho.
É preciso não ter medo de criar.
Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.
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