Trechos Clarice Lispector
E todos os dias ficarei tão alegre que incomodarei os outros.
O verão está instalado no meu coração.
Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
Pois há um tempo de rosas, outro de melões, e não comereis morangos senão na época de morangos.
Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Mas não há paixão sofrida em dor e amor a que não se siga uma aleluia.
Quando de noite ele me chamar para a atração do inferno, irei. Desço como um gato pelos telhados. Ninguém sabe, ninguém vê. Só os cães ladram pressentindo o sobrenatural.
É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas.
Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo.
Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre. E, como se sabe, sempre não acaba nunca.
Às duas horas da madrugada, enfim, nasceu ela, a ideia.
Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade.
(A bela e a fera – trecho da crônica Gertrudes pede um conselho)
E depois ando meio bonita, sem o menor pudor: vem do bem-estar.
(A descoberta do mundo – trecho da crônica Facilidade repentina)
Minhas ideias são inventadas. Eu não me responsabilizo por elas.
A fé – é saber que se pode ir e comer o milagre. A fome, esta é que é em si mesma a fé – e ter necessidade é a minha garantia de que sempre me será dado. A necessidade é o meu guia.
A verdade não faz sentido, a grandeza do mundo me encolhe.
Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto.
