Textos Monteiro Lobato

Cerca de 10 textos Monteiro Lobato

– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...]
A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre?, perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?

Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
- Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
- Qual? – perguntou o leão.
- O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.

Erro Tipográfico

A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar.

A Rã e o Boi

Tomavam sol à beira de um brejo uma rã e uma saracura. Nisto chegou um boi, que vinha para o bebedouro:
- Quer ver-disse a rã-como fico do tamanho deste animal?
- Impossível rãzinha. Cada qual como Deus o fez.
- Pois olhe lá!-retorquiu a rã estufando-se toda-Não estou "quase" igual a ele?
- Capaz! Falta muito amiga.
A rã estufou-se mais um bocado.
- E agora?
- Longe ainda...
A rã fez um novo esforço.
- E agora?
- Que esperança...
A rã, concentrando todas as forças, engoliu mais ar e foi-se estufando, estufando, até que, PLAF!, rebentou como um balãozinho de plástico.
O boi, que tinha acabado de beber, lançou um olhar de filósofo sobre a rã moribunda e disse:
(Moral) - Quem nasce para 10 réis não chega a vintém.

A assembleia dos ratos

Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios pelo telhado, fazendo sonetos à lua.
– Acho — disse um deles — que o meio de nos defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto foi aprovado com delírio. Só votou contra, um rato casmurro, que pediu a palavra e disse — Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Moral da estória: falar é fácil; fazer é que são elas.

A INFÂNCIA QUE LOBATO SONHOU

Subindo na goiabeira
Tomando banho no igarapé
Disputando corrida na trilha
Empinando pipa no céu
Brincando de pira-se- esconde
Tomando banho de chuva
Ouvindo as histórias de Visconde
Ao brilho da linda lua
Eita que sonhou bonito
A infância
Seu Lobato, sim senhor!
Menino rodava pião
Menina brincava no chão
Eram tão felizes não conheciam tristeza não!
Se hoje Lobato chegasse numa casa na capital
Não iria entender,
- Cadê as crianças do quintal?
Tão dentro de casa seu Lobato
No tablet e, no computador
Assistindo TV a cabo
Brincando no celular
- Como assim? Cabo ou taco?
- Não, TV a cabo!
Desnorteado começa a falar:
O meu sonho de infância acabou...
Num pesadelo moderno se tornou.

No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério (pois sinto uma nostalgia profunda ao vê-los — sinto uma saudade do que eu poderia ser se me casasse com a pintura) arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo da literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras.

Monteiro Lobato
A Barca de Gleyre: quarenta anos de correspondencia literaria entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel
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Portas escritas

Minhas calças curtas
De travessuras, de caçadas
E aventuras, Monteiro Lobato
Minha filosofia Suassuna
E meus olhos cegos, Saramago
Nas minhas borboletas mortas, Baudelaire
Na minha angustia, Florbela Espanca
Uma rosa sem perfume
E em sua dor, Augusto dos anjos
Beija sem ciúmes
Um beijo tépido no silêncio
Mortes, chagas, visões, infernos de Dante
Minhas mãos Machadianas escrevem versos de Quintana
Em uma ensolarada tarde, e as horas passam, voam
Ninguém vê Virginia Woolf
E Drummond com cara de bom, olhando o céu ao lado de Bandeira
De bobeira, soltando pipas no ar, sentados na areia
Na Villa dos lobos, um Tom toca Vinícius
Eça de Queiroz iça seus anzóis com palavras de ternura
Usando toques de Neruda
Eu ando pela Baker street mas não encontro Conan Doyle
Nem Jô Soares, e na corrida do ouro, Allan Poe corre
Apressado com os corvos enquanto Mary Shelley tranca seu monstro no armário
No corredor, Crowley vê Levi, e Bram Stoker carrega um bebê vampiro nos braços
Fernando pessoa visita o salão filosófico de Platão
Enquanto meus olhos de Byron naufragam num mar revolto...............

Inserida por kreturiano

⁠A cumbuca de ouro

Eram dois vizinhos, um rico e outro pobre, que viviam discutindo. O rico gostava de pregar peças no pobre. Um dia, o pobre foi à casa do rico propor um negócio. Queria que ele lhe arrendasse um pedaço de terra que servisse para a plantação de uma roça de milho. O rico imediatamente pensou num pedaço de terra que não valia coisa nenhuma, por onde nem formigas passavam. O negócio foi fechado.
O pobre voltou para sua casinha e foi com sua mulher ver a tal terra. Lá chegados, descobriram uma cumbuca (espécie de vaso).
— Chi, mulher, está cumbuca está cheia de moedas, venha ver!
— E de ouro! — disse a mulher. — Estamos feitos!
— Não — disse o marido, que era homem de muita honestidade. — A cumbuca não está na minha terra e,portanto, não me pertence. Meu dever é contar ao dono da propriedade.
— Bem — disse o dono da propriedade — nesse caso desmancho o negócio feito. Não posso arrendar terras que dão cumbucas de ouro.
O pobre voltou para sua casinha, e o rico foi correndo tomar posse da grande riqueza. Mas, quando chegou lá, só viu uma coisa: uma cumbuca cheia de vespas terríveis.
— Ahn! — exclamou.
— Aquele malandro quis trapacear comigo, mas vou pregar-lhe uma boa peça.
Botou a cumbuca de vespas num saco e encaminhou-se para a casinha do pobre.
— Ó compadre, feche a porta e deixe só meia janela aberta. Tenho um lindo presente para você.
O pobre fechou a porta, deixando só meia janela aberta. O rico, então, jogou lá dentro a cumbuca de vespas.
— Aí tem compadre, a cumbuca de moedas que você achou em minhas terras. Aproveite esse grande tesouro — e ficou rindo.
Mas assim que a cumbuca caiu no chão, as vespas se transformaram em moedas de ouro, que rolaram. Lá de fora o rico ouviu o barulhinho e desconfiou. E disse:
— Compadre, abra a porta, quero ver uma coisa.
Mas o pobre respondeu:
— Não caia nessa. Estou aqui que nem sei o que fazer com tantas vespas em cima. Não quero que elas ferrem o meu bom vizinho. Fuja, compadre!
E foi assim que o pobre ficou rico e o rico ficou ridículo.

Monteiro Lobato
Histórias de Tia Nastácia. São Paulo: Brasiliense, 1995.
Inserida por Shayene_Splash

“Monteiro Lobato deixou em envelope lacrado e sem comunicar a ninguém, uma ‘senha’ com o Dr. Godofredo Rangel (diretor dos jornais ‘O Dia’ e ‘A Noite’, do Rio de Janeiro), e mais uma ‘senha’ com Dona Ruth Fontoura, de São Paulo (Biotônico Fontoura): ‘Se eu puder me comunicar, colocarei a senha; se ela não aparecer, é falsidade do médium’. Chico Xavier (e outros médiuns) psicografou como se fosse Monteiro Lobato, mas não apareceu nenhuma das duas senhas...”⁠

Inserida por TURATTI