Textos da Grandeza do Senhor

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⁠Eu sou burro, dizem. Não sei me posicionar, não sei me calar na hora certa, não aprendi a jogar o jogo. Nunca entendi o valor de um elogio falso, nem a importância de um aperto de mão estratégico. Não sei fingir respeito, não sei sorrir com o fígado amargo. Nunca aprendi a ser hipócrita — e isso me custa.

Enquanto outros sobem, eu permaneço. Enquanto fazem alianças por interesse, eu perco oportunidades por lealdade. Enquanto moldam a voz ao que o outro quer ouvir, eu falo o que penso, mesmo que doa, mesmo que afaste. Eu não me adaptei. Não consegui. Há quem chame isso de orgulho, de teimosia, de burrice mesmo. Eu só sei que não consigo ser outro pra agradar. Só sei ser eu — e isso, hoje, é visto como falha.

Não é que eu goste da solidão. Nem que me orgulhe da minha margem. É que a conta que me pedem pra pagar pra caber no mundo — ela custa minha alma. E isso, não. Prefiro perder, prefiro errar, prefiro andar só. Mas durmo. Durmo sem vergonha. Durmo em paz com o homem que carrego dentro. E isso, talvez, ainda seja o que me salva de virar o que todos esperam.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Nada me inspira mais do que a raiva. Não essa raiva histérica, superficial, que grita sem saber por quê. Falo da raiva que nasce do abuso, da injustiça cotidiana, do silêncio imposto aos que ainda têm alma. A raiva que surge quando vejo gente boa sendo engolida por um sistema que premia a mentira, que endeusa o disfarce, que trata a hipocrisia como virtude social.

A indignação me dá vida. Me acorda. Me empurra pra escrita. Não sou movido a paz interior, nem a frases de autoajuda. O que me move é o desconforto. O que me guia é a vergonha de ver o mundo como está e fingir que está tudo bem. Eu não me adapto, não consigo. E não quero.

Escrever, pra mim, não é florescer: é rasgar. É reagir. É cuspir de volta o que me enfiaram goela abaixo. Minha arte não é gentil — é necessária. É a forma que encontrei de não enlouquecer. Porque se eu me calar, se eu aceitar, se eu sorrir junto, aí sim estarei perdido. A raiva me lembra que estou vivo. A indignação me prova que ainda sinto. E enquanto isso durar, ninguém vai me domesticar.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Entre Salomão e Nietzsche, a Senda do Poeta

Ser poeta não é ser um sábio, embora o poeta caminhe com os olhos cheios de mundo.
Ser poeta é, talvez, saber desviar dos abismos do saber.

Salomão provou de tudo: da carne e do vinho, da justiça e da insônia. Escreveu provérbios como quem grava cicatrizes em pedra. No fim, chamou tudo de vaidade. Mas errou — não porque ousou saborear o mundo, mas porque se esqueceu de manter acesa a lâmpada interior. A sabedoria sem direção vira labirinto. E o poeta não pode se dar ao luxo de se perder.

Nietzsche, por sua vez, levou a lucidez até os ossos. Arrancou o véu de todos os ídolos, inclusive o de Deus. Mas pagou um preço alto: foi vencido por aquilo que desejava superar. Ficou só, dentro da própria mente — uma caverna onde ressoavam apenas os gritos do seu gênio cansado.

Eu não quero ser como Salomão, que confundiu sabedoria com impunidade divina.
E também não quero ser Nietzsche, que confundiu liberdade com exílio da alma.

Quero escrever versos que me mantenham de pé.
Quero uma poesia que não apodreça, que não me transforme num profeta vencido pela própria visão.
Quero a palavra como caminho — não como cova.

Porque a verdadeira maturidade não está em saber tudo, mas em saber o que deixar de lado.
E a verdadeira poesia não nasce do delírio nem da vaidade — mas do silêncio que vem depois de ver demais.

Inserida por EvandoCarmo

⁠O Alter Ego e o Labirinto

Na literatura, o alter ego do autor raramente é um só.
Ele se desdobra, se infiltra em múltiplos personagens, e por vezes se oculta no que não é dito, no que se evita.

Em Labirinto Emocional, meu primeiro romance, publicado em 2005, meu alter ego se dividiu em dois homens: Valter e Paulo.

Valter é jornalista, alcoólatra, devastado por uma perda que o tempo não cura — um filho perdido na Europa, tragado pelos rastros da guerra.
Ele carrega o peso da memória e do fracasso, mas também da lucidez crua de quem já viu o mundo pelo avesso.
É um homem que já foi centro, mas hoje gira em torno de um vazio.

Paulo é músico da noite, filho da boemia carioca.
Conhece Valter em Copacabana, num tempo em que os bares tinham alma e a amizade era vício raro.
Paulo vê em Valter um espelho trincado — e, talvez por isso, não foge dele.

Eles criam uma amizade intensa, marcada por silêncios, desconfianças e lealdades tortas.
Enquanto Valter afunda nas suas crises, entre surtos e lapsos, Paulo se aproxima de Rute, a filha única de Valter — a mais bela, a mais viva — e casa-se com ela.

Não há escândalo. Há destino.
Paulo se torna o cuidador de Valter, quase um herdeiro não nomeado.
É ele quem permanece quando o mundo se vai.

Talvez o alter ego não esteja só em Valter. Nem só em Paulo.
Está no abismo entre os dois.
Na fronteira tênue entre decadência e continuidade.
Na pergunta silenciosa: quem somos quando os outros começam a cuidar do que um dia foi nosso?

Labirinto Emocional é isso.
Não é apenas um romance sobre amizade, amor, decadência e lucidez.
É um romance sobre o artista diante do espelho:
partido entre o que viveu e o que ainda insiste em escrever.

Inserida por EvandoCarmo

FARDO

⁠Deixe eu lhe dar só um pouquinho do meu prazer.
Se eu lhe der tudo de mim, serei um fardo pra você...
Se eu lhe der tudo de mim, serei um fardo pra você.

Diz o poeta, com razão:
Que amor demais dá combustão.
Acende o fogo da paixão,
Mas toda chama, um dia, apaga.
E todo amor, meu bem, um dia acaba...

Deixe eu lhe dar só um pouquinho do meu prazer.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Desde cedo ouvimos que, se trabalharmos duro, estudarmos e "formos pessoas de bem", o sucesso virá naturalmente. Essa é a promessa da meritocracia. Mas muitos — especialmente aqueles que nasceram em contextos de exclusão, pobreza ou violência — sabem, na pele, que essa promessa não se cumpre para todos.
E porquê? Pierre Bourdieu, sociólogo francês, dá-nos uma resposta desconfortável, mas verdadeira: a sociedade está montada para que "o mérito" beneficie sobretudo quem já nasceu com as cartas certas na mão.
O conceito de habitus, criado por Bourdieu, ajuda-nos a perceber porque, mesmo quando tentamos "fazer tudo certo", sentimos que não pertencemos. O habitus é o conjunto de marcas invisíveis (forma de falar, estar, reagir, sonhar) que trazemos da nossa origem — e que o mundo interpreta como "adequadas" ou "inadequadas" sem dizer nada.
Ou seja, o habitus também inclui relações de confiança que se adquirem ao longo do tempo. Por exemplo: um adito em recuperação, mesmo estando limpo há algum tempo, continua muitas vezes com pensamento criminoso. Ou seja, sabe os atalhos para conseguir o que quer de forma rápida, sem ter que passar — ou sequer experimentar — o percurso dito "normal". O habitus está tão enraizado que nem se lembra das consequências, pois o mais importante é o prazer imediato. Aliás, até refaço o que acabei de dizer: sim, lembra-se das consequências, mas já está habituado à dor dessas consequências.
Para Bourdieu, não é só o dinheiro que dá poder. Há outros capitais: o cultural (saber o que dizer, como se comportar), o social (quem conheces que te pode abrir portas), e o simbólico (o valor que te é reconhecido pela sociedade).
Muitos têm talento, coragem e conhecimento, mas não têm acesso a essas redes, a esses "sinais" que a sociedade valoriza. E assim, fica-se preso no mesmo lugar — fazendo tudo certo, mas com o jogo sempre inclinado contra nós.
A escola diz: "Estuda que chegas lá". Mas como dizia Bourdieu: "A escola reproduz as desigualdades sociais enquanto finge neutralidade". Quem já vem das classes médias ou altas já chega à escola a falar a sua "língua", com acesso a livros, apoio, espaço para errar. Já quem vem da exclusão, chega a correr atrás de tudo — e muitas vezes, sozinho.
É por isso que tantos desistem. Não por serem fracos, mas por o sistema nunca ter sido feito para eles.
Isto é um facto, mas não uma certeza ou um ato final.
Bourdieu explica como "isto" está montado, mas cabe sempre ao ser humano ser — ou não — capaz de desmontar a "coisa".
Aqui, e apesar desta estrutura, há duas hipóteses:
Aqueles que vão usar isto para continuarem onde estão e passarem a vida a culpar tudo e todos — o sistema, os outros, o mundo. Acham-se rebeldes por o fazerem, mas a verdade é que isso é um ato de submissão inconsciente. Contraditório, não é? Pois de facto, esta contradição é aquilo que eu chamo de luta interna perpétua. O indivíduo gasta o seu tempo a comparar-se aos eruditos, a ressentir-se deles, e no passado até os chamavam de "betinhos". Acabam por gastar a energia nesta auto-piedade sem fim, que só leva a comportamentos destrutivos e perpetuação da baixa autoestima.
Depois há aqueles que saem do RASI e começam um caminho de reinvenção. Em vez de ressentir os eruditos, começam a gerar um novo pensamento: "Eu um dia serei um deles! O que tenho que fazer para lá chegar?". Assim, em vez de estarem em auto-piedade contra o sistema, começam a trabalhar na sua mobilidade social, chutando para canto cada pedra que aparece no caminho. Eu até acho que esta é uma das mais belas construções que existe: quando o indivíduo agarra no seu passado e se auto-constrói no meio do sistema. Bem aplicado, estes indivíduos que trazem experiência passada conseguem ter uma visão que vai para além dos manuais escolares. Muitos deles são resilientes porque têm tolerância à dor emocional, então, em vez de desistir, continuam em frente.
Compreender estas dinâmicas é libertador. Nomear o habitus, os capitais, a violência simbólica... é como acender a luz num quarto escuro onde sempre nos disseram que a culpa era nossa: "não nasci em berço de ouro; fui excluído; não tive esta ou outra realidade" — sim, é um facto. E agora? O que se pode fazer com isso? Nada! Mas pode-se transformar em mais-valias.
Ao estudar Sociologia, ao falar sobre isto, ao escrever a nossa história — transformamos dor em consciência, e consciência em ação. Porque "fazer tudo certo" não basta, mas saber como o sistema funciona dá-nos força para o desafiar, mas de forma construtiva, trazendo valor para a sociedade e para aqueles que mais necessitam em vez de desgraça. Não estamos só a construir o nosso bem-estar social, estamos sim a construir o bem-estar social da sociedade.
Eu, há dois anos, fui fazer voluntariado para o Refood. Não sei porquê, metiam-me sempre a lavar loiça — e eu lavava, por que não? Quando chegava a hora das pessoas chegarem, eu voava para a linha da frente para estar a falar com cada pessoa que ia lá buscar comida. Queria saber as suas histórias, trazia brinquedos para oferecer às crianças de forma a minimizar uma possível vergonha que elas pudessem estar a sentir ao ir ali com os pais. Era suposto dar X de comida a cada pessoa e eu dava o abecedário todo ah ah ah. Os meus colegas olhavam para mim como se eu fosse um alien (algo normal, já estou habituada), não compreendiam tanto envolvimento da minha parte. Eles saíam de lá com a tarefa cumprida e eu saía de lá riquíssima com cada história que ouvia. As pessoas saíam de lá com comida e com a sensação de que foram ouvidas e que não eram invisíveis.
Agora, Comte.
Cada vez que vejo um vídeo no YouTube, falam dele de forma breve, quase tocando no irrelevante em comparação com os outros sociólogos famosos.
Comte é o pai da Sociologia e o fundador do positivismo. Ele acreditava que a sociedade devia ser estudada com o mesmo rigor das Ciências Naturais (como a física, a biologia ou a química). Por isso, tentou aplicar o método científico ao estudo da sociedade: observação, experimentação, leis, previsões.
Comte fundou uma ciência social (a Sociologia), mas inspirada nas ciências naturais, porque achava que o mundo social também tinha leis objetivas e universais, como a natureza.
Frase típica do pensamento dele: "Conhecer para prever, prever para agir." Ou seja: estudar a sociedade para prever comportamentos e controlar melhor a ordem social.
Para mim, este sociólogo tornou-se a minha base neste novo mundo académico que entrei.
Começando pelas ciências naturais: Dois irmãos, vindo do mesmo pai e mãe — uma noite, os dois experimentam drogas. Um continua nas drogas e o outro não gostou da experiência e nunca mais repete.
Genética – apesar de irmãos, não são geneticamente iguais (a não ser que sejam gémeos verdadeiros). Um pode ter uma maior predisposição biológica à dependência de substâncias (há genes relacionados com o sistema de dopamina, por exemplo).
Neuroquímica – o cérebro de cada um reage de forma diferente à droga. Um pode sentir euforia intensa (reforço positivo), o outro pode sentir mal-estar (reforço negativo).
Saúde mental e personalidade – pode haver diferenças hormonais, traços como impulsividade, sensibilidade ao risco, ansiedade — tudo isso tem bases biológicas.
Agora vamos ao "Conhecer para prever, prever para agir."
Neste momento, o mundo ignorou este ensinamento de Comte e eu passo a explicar porquê:
Com o surgimento das redes sociais, surgiram os influencers, que têm milhares de seguidores devido ao poder carismático que exercem sobre os outros.
Nota: Isto até se torna interessante de ver como o curso de Ciências Sociais se completa com estas UCs.
Ligo a televisão para ver as notícias e vejo uma data de comentadores muito surpreendidos com o porquê de aquele partido ali e de além, daquele país e deste país, estarem a escolher aquele ou o outro partido.
Em vez de: "Conhecer para prever, prever para agir", ficam ali em opiniões tolas e até já chegaram a dizer que quem vota em X ou Y é porque não tem muitas habilitações literárias.
Acho que o mundo ainda não entendeu que o surgimento das redes sociais e influencers originou um novo poder: o poder carismático.
Pior que isso, recusam-se a assistir a esta nova era.
Eu vou muitas vezes ao TikTok para ver as LIVES, não porque quero falar, mas para analisar as dinâmicas do que vou vendo — o que dizem e como os seguidores respondem nas mensagens.
Quem do grupo tem poder carismático é quem tem mais pessoas a gostarem dele(a).
Aqui dá-se uma outra previsão que ninguém ainda está a falar:
Nestas LIVES, o que se vê mais são mulheres e homens adultos que passam horas a fio nisto.
Por vezes, passa-me pela cabeça perguntar-lhes: “Boa noite, tudo bem? Olha, onde estão os teus filhos? No quarto? A fazer o quê e a falar com quem?”
Em julho vou fazer esta experiência — vou-me meter nas LIVES todas e perguntar: "Estás aqui há horas, o que sabes acerca dos teus filhos e com quem eles estão a falar na internet no quarto deles? E o que estão a ver?"
Ah ah ah. Claro que vou ser maltratada, mas darei o remate final com: “Arranca e não faças pó.”
Se estão horas nas LIVES e nada sabem do que os filhos estão a fazer do outro lado da casa... como podem conhecer, para prever e poder agir?
Porque há hoje em dia tantos jovens com comportamentos desviantes?
Não nasceram assim. De certeza que quando eram crianças e lhes perguntaram o que queriam ser quando fossem grandes, nenhum disse que queria ser bandido, mas sim polícia, bombeiro, Spiderman, etc...
Então, afinal, o que se está a passar? Será só a estrutura da sociedade ou algo novo está a acontecer?
Se há algo de novo que esteja a acontecer, então está na hora de um update e upgrade. Ir à procura desse "algo novo", inserirmo-nos nele, analisar e prever de forma a conseguir fazer uma intervenção eficaz.
Comte acreditava que a sociedade progride quando abandona superstições e adota o conhecimento científico para organizar a vida social. Isso só é possível quando vamos para o terreno, seja ele qual for, e em vez de estar a tentar adivinhar ou criticar, vai-se lá ver as dinâmicas envolvidas e o porquê delas estarem a surgir.

Ivone Vale

Inserida por ivone_morgado

⁠Era uma vez um homem que acreditava caminhar só... não por falta de passos ao redor, mas porque havia se tornado prisioneiro de muros erguidos dentro de si. Vivia entre palavras guardadas, olhares desviados e silêncios pesados como correntes. Até que um dia, como um raio de sol que ousa atravessar as frestas da cela, apareceu ela: uma amiga que não se intimidava com o seu estranho jeito de existir.

Ela o chamou de amigo, mesmo quando ele dizia que não sabia ser. Disse que ficaria, mesmo que o mundo partisse. E prometeu que, se um dia os dois se encontrassem sós no destino, ficariam sozinhos... juntos.

Ele a questionou, como quem duvida da própria liberdade, e ela o respondeu com leveza, como quem não tem medo de cuidar... nem de se deixar ser cuidado. Entre perguntas e provocações, entre o medo do amor e a esperança do abrigo, os dois descobriram que talvez a verdadeira fuga da solidão não estivesse no mundo lá fora, mas nos olhos de quem vê a alma e ainda assim decide ficar.

E assim, entre prisões internas e promessas eternas, nasceu uma história onde dois corações, marcados por feridas, aprenderam que não há maior liberdade do que encontrar repouso um no outro.

E viveram... como sabem viver os que ainda acreditam no amor que se escreve devagar.

Inserida por italo0140

⁠O sabiá

Um sabiá canta no meu quintal.
Toda manhã ao pé da minha janela,
Um canto melancólico, ele parece contar
Uma história triste, porém singela.

Às vezes penso, que o sabiá que canta o dia inteiro
No meu pé de laranjeira é um lobo solitário,
Que vive entre as estações
E canta pra sobreviver, não porque é necessário.

Eu o vejo pela vidraça da Janela,
Por vezes embaçada de neve ou de poeira.
O sabiá, assim como eu,
Escolheu a solidão como companheira.

O sabiá sabe, assim como eu sei
Que o que era sublime e tão bonito
Ao mudar de estação se perde tudo
Seu canto fica mudo...Tudo cai no infinito.

Inserida por EvandoCarmo

⁠A verdade sobre a vida e a existência não precisa ser decorada com promessas de transcendência ou adornada por conceitos de pecado, redenção e salvação. É um alívio quase indescritível, um regozijo íntimo, perceber que podemos viver fora dessa discussão — desse embate interminável sobre inferno e paraíso, sobre continuação ou fim.
Se o homem morre e tudo se acaba, não há culpa a carregar, nem redenção a esperar. A vida, como já afirmou Pessoa, é apenas a vida. As coisas são o que são, e não precisam se estender para além de si mesmas para serem válidas ou reais. É doloroso, confesso, ver tanta gente boa presa nesse engano, acreditando que a existência só se completa se for continuada noutro plano. Não percebem que a busca pela eternidade os arranca do agora, do que realmente existe.
E, no entanto, essa necessidade de crer no eterno, de imaginar que a vida continua depois da morte, é profundamente humana. Talvez seja mesmo inevitável. A ideia de finitude parece insuportável para muitos. Mas, paradoxalmente, o reconhecimento dessa finitude pode ser uma forma de eternidade em si. Se tudo se encerra aqui, o agora se torna absoluto — e, nesse sentido, infinito. Não há mais o peso de uma vida além desta; só resta o fluxo contínuo do que somos.
É nesse entendimento que encontro paz. A vida é suficiente em sua simplicidade. Não precisa transcender para se justificar. A eternidade que tanto buscamos pode ser encontrada no momento presente, nesse "agora" que se alonga indefinidamente enquanto vivemos. Tudo está aqui, neste instante, e isso basta.
Assim como Pessoa escreve, com sua visão desarmante e lúcida: não precisamos de outros mundos para validar este. A existência não requer continuação ou transcendência para ser plena. O desafio é aceitar essa simplicidade — e, talvez, essa aceitação seja a liberdade suprema.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Pedras de Silêncio

Quantas pedras no caminho,
silêncio de granito a bloquear os passos,
abismos do não dito,
vácuo entre as palavras,
o incômodo que reverbera na ausência,
pausa que pesa mais que o grito.
São pedras que travam a jornada,
despertam o torpor,
adormecem a razão e o afeto,
e nesse deserto sem verbo,
brotam vermes na casa, na alma,
no corpo, na mente, na relação,
consumindo o que não foi pronunciado.
Quando a comunicação se cala,
o verbo, exilado,
deixa órfãos os sentidos,
e o silêncio se torna cárcere,
sepultura do diálogo.
Mas quem haverá de quebrar as pedras?
Que mão será martelo
e trará do eco do silêncio
uma palavra nova, inteira,
capaz de reconstruir o espaço vazio,
onde a pausa se transforma
em ponte,
e o verbo renasce,
vivo e perfeito?

Inserida por EvandoCarmo

⁠Nicotina

Poesia crônica, cigarro cubano
Prosa de Neruda, lascívia de Caetano
Um canto, lugar único no mundo
Um tenor no máximo da sua entonação
Um acorde perfeito, música de Wagner
Encantamento de Isolda e Tristão
Sonoridade efêmera que apetece
Destoa, enlouquece alma em combustão
Meu espírito demente sem ação.
Um perfume cítrico e agreste
Nicotina que impregna o coração.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Quando a injustiça emana justamente da instituição que carrega o peso de garantir a justiça, o coração do advogado se parte. É um paradoxo doloroso: lutar em nome do Direito e, ao mesmo tempo, testemunhar sua negação. Em momentos assim, parece que a balança da justiça se inclina ao avesso, oferecendo amparo àqueles que ferem e desamparando os que juraram proteger.

Para o policial militar, que carrega nos ombros o fardo da ordem pública, a sensação de abandono pelo próprio sistema é uma ferida que o Direito deveria sanar, mas frequentemente ignora. Quando a lei, que deveria ser imparcial e firme, parece pender para o lado de quem desrespeita suas regras, o sentimento de impotência é inevitável.

E o advogado, que deveria ser a ponte entre o indivíduo e a justiça, encontra-se questionando seu propósito. Como acreditar no Direito quando ele falha justamente para aqueles que o defendem com a própria vida? No entanto, é nessas horas que a verdadeira essência do advogado é testada. Ele deve se lembrar de que, por mais que o sistema seja falho, sua luta não é vã.

O Direito não deve servir apenas ao papel. Deve existir, sobretudo, na prática, para todos — sem distinção. Ainda que a estrada seja árdua, é a persistência em buscar a justiça que mantém a esperança viva. Afinal, a injustiça que hoje sangra o policial militar deve ser combatida com a força de quem ainda acredita no ideal de um mundo mais justo.

Inserida por italo0140

⁠Ser o que sou

Sou o universo em tons diversos, em mil cores,
no balé eterno das estrelas finitas.
Sou o todo de ontem e a soma do agora,
o peso e o voo, o fardo e a febre,
medo e desengano entrelaçados.

Sou luz que arde, sombra que dança,
ferida que abre, navalha que estanca.
Sou você, sou o outro,
estou por dentro, estou por fora.
No espelho me vejo — sou cais e mar,
o que resta e o que há de faltar.

Sou abismo, sou pranto, sou riso de insânia,
sombra que resiste à indomável aurora.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Ela é a dama da noite, envolta em mistério e perfume intenso. Surge como uma aparição etérea quando a lua repousa sobre a cidade adormecida. Seu brilho não precisa de testemunhas, pois há algo divino na liberdade de desabrochar apenas para a escuridão. Tal como a flor que floresce uma única vez ao ano, ela não tem pressa — sabe que a intensidade é mais bela quando breve.

Curte a noite como quem dança com o tempo, sem medo de que o amanhã a encontre. Sua presença é um convite à ousadia, um instante que não se aprisiona. Tem o perfume das aventuras mais secretas e o coração marcado por uma certeza inabalável: viver intensamente vale mais do que durar eternamente.

E quando a aurora desenha seu contorno no céu, como a flor que se despede com a chegada da manhã, ela recolhe seu encanto. Não por fraqueza, mas por sabedoria — a beleza rara reside justamente no instante em que desabrocha. Ela sabe: ser inesquecível não é resistir ao tempo, mas marcá-lo com um aroma que ninguém jamais esquecerá.

Inserida por italo0140

Canto e Abismo

Me sinto perdido,
arrebatado,
quando escuto tua voz.
O som que de tua boca sai
me guia—
e sempre me lança ao abismo.
Espanto e desespero me perseguem.
O violino,
o mais metafísico dos instrumentos,
ressoa sobre uma base de piano.
Teu canto lírico, suspenso no ar,
é fôlego e esperança.
Caminho sob a sombra
de um passado que não esqueço.
Morro, adormeço,
mas não sonho.
Vivo a realidade cruel do abandono.
Ah, que cão sou eu,
esquecido na noite chuvosa!
Meu destino é árido,
minha cova, rasa.
Não há salvação para quem ama,
nem para quem perdeu
a hora da partida
e o encanto da chegada.
Ah,
minha triste figura,
minha desventura,
minha sorte desalmada.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Era uma vez um homem que amava uma mulher... e o sorriso dela era um mistério ao qual ele desejava dedicar toda a sua vida desvendando. Cada curva daquele riso iluminava sua alma, como se o universo o convocasse a eternamente buscar essa resposta doce e infinita.

Mas o tempo, com seus desentendimentos e desencontros, os separou. Ainda assim, ele manteve sua promessa, gravada nas linhas do seu peito. Possuiu outros corpos, é verdade — breves respiros de uma ausência que nunca se curava — mas jamais os amou. Seu coração, teimoso e fiel, permanecia ancorado naquele amor primeiro, que nem a distância dos anos conseguia apagar. Amar aquela mulher não era uma escolha, mas um destino que o tempo não soube desviar.

Inserida por italo0140

⁠Na vida, tudo demais quer existir,
mas é preciso saber reverter,
transformar, como arte de ofício,
e buscar o que liberta, que alivia.
Pessoas de vida, pessoas de morte,
uns merecem pérolas, outros não,
como diz o provérbio:
não jogue pérolas aos porcos.
Mas há quem, em sua total apatia,
não mereça poemas, nem flores,
tão imunes ao amor, tão cegos nos desamores,
que não aplaudem, não batem palmas.
Essas pessoas não devem ser tratadas bem,
mas ainda assim, tratamo-las com gentileza,
porque nossa conduta não é deste mundo,
falamos do belo, mostramos o que é puro,
mesmo que o mundo fique mudo.
A minha maldição é ensinar poesia aos brutos,
filosofia aos estúpidos, amor aos indultos.
Amor em forma de indulto, talvez,
não sei, só sei que o gesto de amar
se faz com quem sabe receber.
E quem não sabe, recebe o silêncio.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Tudo é Hábito

Tudo é hábito, costume que gera vício,
e o que se faz demais nos faz refém.
O vinho aquece, adoça a alma,
mas em excesso, curva o homem,
faz da taça uma jaula invisível.
O amor é luz quando livre,
mas quando prende, queima, fere,
e o ciúme, sombra de seu brilho,
se arrasta lento, como fera à espreita,
pronto para devorar.
O amante apaixonado, se não contido,
pode se tornar destino e maldição.
Já não ama, exige,
já não sonha, vigia,
transforma o desejo em sentença.
A busca pelo saber ilumina,
mas quem vai fundo demais
pode perder o chão,
trocar a dúvida pelo vazio,
e o mistério pela descrença.
Até a fé, se imposta,
deixa de ser fonte e vira peso.
Crer demais sufoca,
crer de menos nos faz naufragar.
E a criação, que deveria ser alívio,
se torna cárcere do próprio pensamento,
se não houver pausa, respiro,
se não houver o equilíbrio
entre a chama e a brisa.
O paladar se perde na fartura,
e o desejo se esvai no excesso.
Tudo demais vira veneno,
e o que era doce, sereno,
transforma-se em sal no próprio ventre.

Inserida por EvandoCarmo

⁠Há sentimentos que desafiam o tempo, sobrevivem ao vento impiedoso dos anos e se escondem nas sombras do inconsciente, florescendo inesperadamente em um suspiro ou em uma lembrança fugaz. O amor que carrego por ela é assim: uma chama que arde, mesmo sem combustível aparente, alimentada por memórias que já não sei se são reais ou apenas fragmentos embaçados pela saudade.

Não sei mais por que a amo, mas a verdade é que essa pergunta já perdeu o sentido. Amo porque é inevitável, porque está tatuado na minha alma, como um eco que ressoa mesmo quando o mundo silencia. Ela vive em mim, entre as palavras que não foram ditas, entre os gestos interrompidos e as promessas que ficaram suspensas no ar.

Há dias em que esse amor me aquece, envolvendo-me com um calor suave, quase nostálgico. Mas há outros em que ele me corta, trazendo uma dor sutil e persistente — a dor da ausência, da impossibilidade, daquilo que o tempo levou, mas jamais apagou. A saudade é uma presença constante, um fio invisível que me puxa para o passado, mesmo quando tento avançar.

Quase vinte anos se passaram, mas o coração não entende de calendários. Ele apenas sente. E eu sinto — o amor, a dor, e a saudade entrelaçados em um nó que me mantém vivo, lembrando-me de que algumas histórias não precisam de um final, porque continuam a ser escritas dentro de nós.

Inserida por italo0140

⁠Nômades da Vida

Você me disse que somos nômades, almas errantes que se perderam em caminhos contrários. Cada passo que damos nos afasta ainda mais, tornando-nos lembranças dispersas no tempo, como folhas levadas pelo vento. As escolhas, implacáveis, nos arrancaram dos abraços possíveis, deixando apenas um rastro de memórias que insistem em sobreviver.

Não importam títulos, cidades ou conquistas. Nada disso pesa mais que a ausência que agora preenche os nossos dias. Você não se importa com vaidades; o que te toca é a verdade silenciosa dos sentimentos que a vida tentou sufocar. Entre nós, não há vitórias que compensem as perdas invisíveis.

Você confessou que ainda me ama — com a força de um tsunami avassalador. Mas o amor, sem presença, se torna um poema inacabado, uma melodia sem refrão. E assim, seguimos separados, com corações que ainda pulsam por uma história que jamais será escrita.

A vida nos transformou em estranhos que se conhecem profundamente. Eu não faço parte do seu dia, não ilumino suas manhãs nem aqueço suas noites solitárias. Somos apenas uma lembrança perfeita, uma possibilidade que nunca encontrou seu destino. Talvez sejamos isso: um amor eterno, mas condenado a existir apenas na saudade.

Inserida por italo0140

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