Texto Pontos Autor Luis Fernando Verissimo
Paraíso
Permita-me voltar ao lugar
onde se escala pelo ar
sem ruídos, sem plateia,
sentindo o perfume das azaleias.
Sacadas enormes, suspensas,
cheias de vazios brilhantes,
onde o tempo corre diferente
e as horas são meros instantes.
Ali se vive a felicidade.
Tudo branco, tudo igual.
Há troféus abundantes,
que ninguém quer levantar.
Não, não é o céu que se desenha,
nem o paraíso do desejo sonhado.
É um lugar de fantasias naturais,
hoje, atual - sem futuro, sem passado.
(Do livro Abstratos poéticos)
É preciso começar
pelo começo – dirão.
- Mas, onde é o começo?
Pela mente
é a razão.
Pelo coração
é a emoção.
E, se tudo o que começa,
tem fim,
não há pressa em começar.
Não, não começaria ainda
- talvez, um dia -
em plena primavera,
para começar pela flor.
Ou começaria em uma outra estação
pela raiz.
Não gosto de finais.
Não começarei agora
- não começarei -
Jamais.
Exilados os dias:
- Self da vida
sem lume.
Paisagem atroz,
cheiro de pólvora
mata o ar.
Mundo órfão.
Dormem as borboletas.
Pedras endurecem o tom
e as areias desmaiam o chão.
Gotículas de silêncio.
O vento
pouco tem para balançar.
Aroma de chuva ausente,
o vaso vazio,
sedento de sementes.
A música
Entra na alma
e deixa a mente em rebuliço.
Estressa e acalma,
decepciona e encanta.
Viver é tanto
e tão pouco!
É só uma canção,
mas arrasta o mar,
mareja os olhos
e provoca lembranças.
Saudosas danças
puxa lágrimas,
estende a mão
e já não alcança.
Há o horizonte
para ser refeito.
Tantas montanhas,
dunas,
montes...
Já nada preenche,
não refaz.
Eram tantas,
mas tornaram-se jamais.
É só uma canção
com falsetes,
versos líricos
e amores em vão,
que se vão
como dançar num pélago...
É solidão
e passa.
Escurece
e perde a graça.
É só uma canção
que já não se canta.
Delírio
O píer fica imóvel,
enquanto o navio se afasta.
Vou ficando cada vez mais sozinho,
- Eu e o livro -
que agora, há pouco,
lia, ouvindo o barulho das ondas.
À noitinha, a neblina virá,
como sempre vem,
e mudará meus pensamentos.
Lembrar-me-ei das nuvens brancas
que abrirão o dia, amanhã,
e terei vontade de escrever
um verso nelas.
Mas o giz não alcança
e, se alcançasse, seria da mesma cor:
- ninguém leria.
Ideias são, por vezes, delirantes.
Eu morro, como morre a sombra ao anoitecer.
- É o destino –
Depois,
desapareço na imensidão das águas,
cavalgando ondas da imaginação.
Distante
A gaivota pisoteia a areia
(Olhos flébeis)
Triste,
como os dias cinzentos,
na beira de um mar
que, distante,
ondeia sem rumo.
Há uma âncora enferrujando
os tempos
e o horizonte vai escurecendo.
O crepúsculo náutico
é tedioso.
A gaivota sumiu
-Mas há o barulho das ondas -
O mar parece adormecer.
Eu canto, solitário,
sem cantos de sereias,
enquanto meus olhos,
úmidos,
esperam o amanhã.
Moacir Luís Araldi
(Do livro Abstratos poéticos)
Temporal
O horizonte escureceu,
o vento rapidamente se levantou,
o sol partiu fugitivo.
A abelha abandou a flor.
Quase em desespero,
o pássaro iniciou
um voo longínquo.
E o vento
parece começar a despir tudo.
O tempo…
O temporal
tem força
e nunca é igual.
Tão bruto,
descomunal,
arranca placas,
espalha latas,
arremessa papéis.
Galopa medos,
anseios,
olhos cheios.
E, quando passa,
ainda fica para trás.
Pranto oculto
Por suas estrelas,
a noite é linda,
e a escuridão que
não se vê
é pranto oculto,
latejante,
vulto
que dói profundo.
Escala o mundo
… em vão.
É a estrela mais distante,
entalada na memória
e no semblante.
É como verso acabado
de amor sem amantes.
E a que brilha
é como a velha música
em notas da trilha,
algo grande que antes havia
e não há mais.
Por todas elas
a noite…
Às vezes escura,
às vezes bela.
É como a vida:
- Eterna espera.
Sentença
Sentenciei a noite,
apaguei as estrelas,
escureci a lua
e proibi lembranças.
O mundo virou trevas.
Dizer é mais forte,
sentir é menos,
muito menos.
Dizer enfurece alheios,
desperta dormidos
e azeda.
Sentir é solitário.
Silêncio não dá eco
e assim, calado,
quase dormente,
meu eu me invade,
docemente
adormeço
- Há tanta suavidade em não ser!
Lua
A lua se deita
na minha cama feita
e some, antes que amanheça.
Procuro-a na pureza dos bosques,
em réstias de luzes
e em folhas e selvas.
Avisto alguns bichos,
beirando as águas correntes,
em sonhos que a mata esconde.
Fixo o olhar sobre o rio
e a vejo ao fundo
toda nua,
toda lua.
Eternidades
Quase toda noite é escura,
mas há exceções.
nenhuma certeza é absoluta,
há variantes na imaginação.
Nem todo breu é sem brilho,
são diferentes as visões.
Quase todas as sentenças são definitivas,
mas há exceções:
Nada prende a inspiração
e, se há liberdade,
não existem, nem mesmo, prisões.
Almas não ficam sozinhas.
Existe a leveza do voo
e, se não bastasse,
são tantas as eternidades!
Não dá para ver a poesia como estática,
pacífica e calada.
Ela tem que derramar, tem que escorrer,
tem que ter versos que se entortem
para passar entre pedras, em fendas minúsculas.
Tem que ter a rebeldia objetiva de quem luta,
de quem protesta e sai à rua.
Poesia tem que ser expelida pela pele, em gotas suadas de inspiração,
tem que causar reações calorosas na mente.
Tem que limpar o corpo e a alma
e ,ainda assim, ser combativa.
Tem que nascer tomada de insatisfação.
Não será pacificadora se vier em paz.
Só sonha liberdade
quem preso está
e brada por socorro
na incerteza das caminhadas.
Os versos pulsam,
sacodem, dançam
e explodem de alegria.
Comemoram, aplaudem,
elogiam, criticam.
Lamentam,
afugentam angústias
e se calam.
Falam, escutam,
declamam, rimam.
Versos têm alma.
Verso é vida!
Canções intensas sem notas,
versos sem métrica,
amor sem medida.
Nem todas as belezas
as mãos alcançam.
- Há flores mortas –
E há também
obstáculos imperceptíveis.
Quando o amor toca a alma
nem o silêncio
(dos passarinhos)
cessa o voo.
Ele é música,
é poesia,
desconhece fronteiras,
alimenta o espírito
e aniquila barreiras.
Primeiro, a boca,
a fala, o encanto...
Depois, o beijo.
E depois,
bem depois:
- Os olhos:
espelhos frios,
fixos e sombrios.
Imagens fugazes,
detalhes sutis,
um olhar...
feliz.
Como
réstia de sol
e cheiro de flor.
Longe e visível,
léguas de um girassol
e o sol a acariciá-lo,
- suavemente!
Na memória,
voltam versos,
que o vento levou.
Era intenso o brilho,
mas a vida apagou.
Da boca do beijo
veio o silêncio
que...
Para sempre se calou.
Sou ativista do inativo
porque vibro com meus sonhos não vividos.
Emociono-me com o que não tenho sentido.
Lembro-me do que sempre foi esquecido.
Sou o belo que não se viu.
Juventude que do nada envelheceu,
vida de quem nunca viveu,
morte de quem sequer nasceu.
Não me conheço.
Sou o estranho meu,
fé e crença de ateu.
Prazer em não me conhecer!
- É só o que posso dizer.
Vontades
De onde virão essas vontades,
que, vez ou outra, nos invadem,
misteriosamente?
- Nesses instantes, o mundo muda.
Esses milagres,
(Meu Deus!)
nos fazem sensíveis
e frágeis.
Até o egoísmo voltar,
a insensibilidade voltar
e tudo virar realidade.
Voltamos a ser tudo,
menos gente.
Olhei demoradamente
para a foto da família.
Rostos lindos,
que meu coração vê.
Dedicatória
de algum ano
em que o sol se punha, rindo.
De lá para cá, eu a perdi,
juventude!
Agora, só a tenho retratada.
Mas eu ainda a encontro na memória...
Ficou longe
a cor da infância!
Silêncio é o que prende
a garganta.
Fecho os olhos.
Saudade!
As palavras vinham com asas.
Eu as ouvia, mas passavam.
Meu tempo de sorrir diminuiu
e elas começaram a retornar
sábias, precisas e experientes.
Nas pedras da caminhada
as ouço tão atuais,
definitivas e confortantes!
É de ti que me lembro,
quando os contos de terror
tornam-se reais:
- Pai.
Deus dos meus anseios,
meu anjo eterno!
Somos tão grandes quanto a verdade,
na mesma proporção,
em que somos tão pequenos.
A verdade é a chata da razão.
Viver é emoção.
sonhos é que fazem acontecer.
O resto é brutalidade.
O emotivo vive, sente e sonha.
O racional calcula o que não vive.
Velhos conflitos humanos:
- Eu sonho
e a verdade sonha comigo.
