Tem me Feito Tao bem
Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. Você fala qualquer coisa tipo bá, por exemplo, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar junto com os outros. Mas eu fico sempre do lado de fora. Aqui parada, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota - está me entendendo, garotão?
Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas.
A paixão quer sangue e corações arruinados
E saudade é só mágoa por ter sido feito tanto estrago
E essa escravidão e essa dor não quero mais
Quando acreditei que tudo era um fato consumado
Veio a foice e jogou-te longe
Longe do meu lado
Oportunidades na vida não surgem, simplesmente, feito mágica. Então para tê-las não é preciso ter sorte, é preciso criá-las!
Afinal de contas, eu tinha feito tudo que me havia proposto na vida. Dera os passos certos. Não dormia na rua. Claro, havia um bocado de gente boa dormindo nas ruas. Não eram idiotas, apenas não se encaixavam na maquinaria necessária no momento. E essas necessidades viviam mudando. Era uma luta desigual, e se a gente dormia na própria cama já era uma vitória contra as forças. Eu tivera sorte, mas alguns dos passos que dera não os dera inteiramente sem pensar. Em geral, porém, era um mundo horrível, e eu muitas vezes me sentia triste pelos outros. Bem, ao diabo com isso. Peguei a vodca e tomei um trago.
O pensar que não nos leva a lado nenhum leva-nos
a todo lado; todo o outro pensar é feito sobre
trilhos e, por muito longo que seja o percurso,
no fim ergue-se sempre (...) a rotunda de recolha.
No fim há sempre uma lanterna vermelha que diz:
Pare!
Você não sabe que revelação foi para mim ter um cão, ver e sentir a matéria de que é feito um cão. É a coisa mais doce que eu já vi, o cão é de uma paciência para com a natureza impotente dele e para com a natureza incompreensível dos outros... E com os pequenos meios que ele tem, com uma burrice cheia de doçura, ele arranja modo de compreender a gente de um modo direto. Sobretudo Dilermando era uma coisa minha que eu não tinha que repartir com ninguém.
Este grande preceito é frequentemente citado em Platão: Faz o teu feito e conhece-te a ti mesmo. Cada um desses dois membros engloba em geral todo o nosso dever, e igualmente engloba o seu companheiro. Quem tivesse de fazer o seu feito veria que a sua primeira lição é conhecer o que é e o que lhe é próprio. E quem se conhece já não toma como seu o feito alheio: ama-se e cultiva-se acima de qualquer outra coisa; rejeita as ocupações supérfluas e os pensamentos e projetos inúteis.
Este ao que suponho será um livro feito aparentemente por destroços de livro. Mas na verdade trata-se de retratar rápidos vislumbres meus e rápidos vislumbres de meu personagem Ângela. Eu poderia pegar cada vislumbre e dissertar durante páginas sobre ele. Mas acontece que no vislumbre é às vezes que está a essência da coisa. Cada anotação tanto no meu diário como no diário que eu fiz Ângela escrever, levo um pequeno susto. Cada anotação é escrita no presente. O instante já é feito de fragmentos. Não quero dar um falso futuro a cada vislumbre de um instante. Tudo se passa exatamente na hora em que está sendo escrito ou lido. Este trecho aqui foi na verdade escrito em relação à sua forma básica depois de ter relido o livro porque no decorrer dele eu não tinha bem clara a noção do caminho a tomar. No entanto, sem dar maiores razões lógicas, eu me aferrava exatamente em manter o aspecto fragmentário tanto em Ângela quanto em mim.
Minha vida é feita de fragmentos e assim acontece com Ângela. A minha própria vida tem enredo verdadeiro. Seria a história da casca de uma árvore e não da árvore. Um amontoado de fatos em que só a sensação é que explicaria. Vejo que, sem querer, o que escrevo e Ângela escreve são trechos por assim dizer soltos, embora dentro de um contexto de...
É assim que desta vez me ocorre o livro. E, como eu respeito o que vem de mim para mim, assim mesmo é que eu escrevo.
Por que foi feito com todo sentimento, o jantar preparado pela pessoa amada é sempre o melhor do mundo! (Mesmo que o arroz tenha empapado, que o frango tenha queimado e que a cozinha quase tenha ido pelos ares!)
Tudo o que se realiza em função de outra coisa é feito apenas de maneira parcial, e a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando elas foram produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores.
Já não faz diferença, sua indiferença pairando no ar
arranjo outro caminho pois junto e sozinho, assim não vou ficar!
Eu tô caindo fora e tô abrindo as portas do meu coração
O seu lugar tá vago, eu já tô liberado pra uma nova paixão!
Cansei das frases feitas...
Cansei da tua ausência...
E já não me respeita, foge e não aceita o amor que eu tenho pra te dar
E agora nem adianta, você me procurar
Agora quem não quer sou eu, amor!
A fila tem que andar!