Tag elis
FÔLEGO
--Você ferrou meu coração
Foi o que ele disse
--Não! Eu o salvei
De corpos vazios
Peito sem saudade
Noites sem sonhos
O salvei da mesmice
Dos dias comuns
Da vida sem tempero
O salvei de ter sempre os pés no chão
De ter todas as respostas
De não fazer do sim ou não a única opção
Salvei seu coração de sua própria razão.
LINHAS
Ontem, quando o sol terminava seu expediente, sentei em um banco de praça pra guardar na pele seus últimos raios. De frente pra mim havia uma senhora de cabelos cor de lã. Usava um vestido de tecido florido, um casaquinho preto e chinelinhos que só as avós usam.
Ela estava entretida fazendo um sapatinho de crochê, nem notou minha presença. Eu me perdi nas linhas do seu rosto tentando ler as histórias que o tempo escreveu. Noites mal dormidas, amores que se foram, marcas de sorrisos e o tanto de saudades guardadas naquelas covinhas.
Suas mãos já não tão ágeis continuavam a dar forma à linha, traçando caminhos, dando nós, modelando o fio. Acredito que provavelmente aquele sapatinho fosse pra presentear alguém que ainda viria ao mundo, uma pessoinha que como aquele fio ainda estava sendo modelada e um dia daria seu primeiro choro pra vida e quem sabe um dia, num futuro distante também sentaria ali naquela praça com um novelo de linha traçando seu caminho
Ou lendo as histórias nas linhas que o tempo escreveu no rosto de alguém.
CAFÉ, CHUVA, EDREDOM
Lá fora a tarde acinzentou
O dia perdeu as cores
O alegre sol se escondeu
A chuva parece tão triste
Até as gotas que escorrem na janela parece chorar
Aqui dentro uma xícara de café frio
Um edredom que já não aquece
Um livro infeliz na cabeceira
Parece que todos percebem
Seu lado vazio da cama.
INSONES
Em minhas madrugadas insones
Amarroto os lençóis
Desforro a cama
Mexo
Remexo
Apalpo
Procuro seu corpo na cama vazia
Sonho acordada
Adormeço ao raiar o dia
Quando você se vai.
TRILHA
Não quis ser estrada asfaltada
Desisti de ser trilho
Resolvi ser uma trilha
Sem saber aonde vai dar
Emaranhada
Sinuosa
Quero ser chão de terra
Barro seco
Que bebe cada gota de chuva
Se alarga
Se estreita
Se transforma
Desobriguei-me da obrigação de ser perfeita.
MINHA PENA
De minha pena já escorreram dores
Derramaram saudades
Pingaram sonhos que não brotaram
Minha pena dói
Sangra
Rasga o peito
Minha pena liberta minha alma borboleta.
PAPOS
Numa conversa animada sobre a natureza
Cada qual queria ser um bicho
Alguns violentos
Outros bem dóceis
Eu?
Eu só queria ser uma nuvem
Me deixar levar pelo vento
Ora ser tempestade
Em outro chuva bem fina
Ter a forma que eu quiser.
Elis Barroso
ENCAIXE
O encaixe perfeito do seu corpo
Deixaram marcas
Um vazio
Ás vezes sinto
Ás vezes minto
Em outras sou a própria saudade.
DENTRO DO VERSO
Eu quis uma frase bonita pra colocar em meus versos
Um cheiro de saudade
Uma pitada de desejo
Uma pele molhada
Um gosto de quero mais
Um querer dolorido daqueles que nunca terminam
Acho que eu quis dentro do verso colocar você
Só não soube entender.
Elis Barroso
DESPOJAR
Carrego tanto ontem
Que o hoje não cabe em mim
Vou lançando no caminho
Fatias que guardei
Músicas que pararam de me tocar
Beijos que perderam o gosto
Amores que não mais encantam
Um passado amassado que não me veste mais
Um fui que já não me calça
Um pretérito em que não mais me reconheço
Vou lançando no caminho
Aliviando a bagagem.
MEMÓRIAS
Tentei guardar na retina aquela cena
O brilho da lua nova fazendo seu caminho dourado nas águas da Guanabara
O brilho das luzes da cidade
A ponte em estilo europeu do século passado
A arquitetura Imperial
E o sorriso dos seus olhos
Quis guardar aquela cena
Algo tão grande não coube em mim
Coloquei então no poema
Foi melhor assim
O sorriso dos seus olhos jamais terá fim.
VÍRGULA
Eu preciso de uma vírgula
Pra não atropelar o tempo
Tomar fôlego
Pra pausar
Pousar
Eu preciso de uma vírgula
Que dívida minhas orações
Marque meus momentos
Torne leve minha história
Eu preciso de uma vírgula
Que ajude a mim mesma a ler quem sou.
MINHAS DECISÕES
Minhas decisões
Acertadas ou não
Sangraram
Rasgaram a carne
Quebraram a casca
Minhas decisões
Acertadas ou não
Fizeram-me sentir
A dor das metamorfoses
Sem elas eu não sentiria
O frescor do vento nas asas.
DONOS DA VERDADE
Procuro onde mora a normalidade
Quem dita as regras do feio ou esquisito
A quem foi dado o compasso, prumo, régua
Não acho
Se souber, me procure
Quem sabe assim eu me cure
Estarei por aí
Aqui, ali
Nesse mundo confuso
Quem sabe a louca sou eu
Ou você que me lê
Inspiro, respiro, piro
Vida de Navegante
A cabine é teu lugar sagrado
Terra firme já não é o seu lar
Pelo oceano estás apaixonado
Sentido só há no partir e retornar
Vida repleta de tanta aventura
Tiveste prazer com mulheres de todas as cores
Cada qual com sua história e cultura
Deixando em cada porto lágrimas e amores
Como a Estrela Polaris eu queria ser
Para você meu Capitão em mim se encontrar
Mas de ilusão não posso viver
Convicta sou de que serei mais uma a chorar.
Enquanto o navio não parte
Vamos brindar, dançar e sorrir
Atiçar essa chama que em meu peito arde
Armazenando memórias pra minha alma nutrir.
GAIOLAS
Abandonei as gaiolas
Para ganhar os ares
Enxergar novas paisagens
Sentir o vento
Larguei as gaiolas
E para surpresa minha
Escolhi o ninho.
DESATINO
Perdi-me da razão
Não mais lembro do seu rosto
Nem ouço sua voz
O que afirmam ser o certo
Acho errado!
O que ensinam ser errado
Já nem sei!
Perdi a razão!
Se achar não me devolva
Nem diga onde estou
Nessa grande maluquice
É provável que os loucos guardem o último resquício de sanidade.
RECOMEÇOS
Vou seguindo de recomeços
De todas as segundas
De tantos janeiros
Já não sei se sou pedaço
Nem sei se sou inteira
Vou seguindo desse jeito
Sou feita de recomeços.
CONCLUÍ
Olhando uma bela xícara que virou vaso de flor
Concluí:
Para nada existe fim
Só mudanças
Recomeços.
Aceito convite para assistir a lua e as estrelas da varanda
Para ouvir uma orquestra de grilos
Ou tomar um porre de risos até doer a barriga.
JANELINHAS
Na madrugada
Quando vejo janelinhas acesas
Acho que ali moram corações partidos
Insones
Penso nas histórias de amor que poderiam virar poesia.
PERDI UM POEMA
Perdi um poema no caminho
Talvez seja semente
Ou quem sabe vire pedra
Era um poema pequenininho
Cabe na palma da mão
Se achar leve contigo
Quem sabe um dia floresça
QUASE ESCREVI
Quase escrevi um poema
Tinha gosto de bolo de vó
Cheiro de café passado na hora
O poema que quase escrevi tinha o aconchego de abraço apertado em dia frio
De barulho de chuva na janela
Que pena!
Quase escrevi um poema.
Pontuações
Interrogações nem sempre tem respostas
Vírgulas escondem suspiros
Reticências guardam infinitos
As pontuações me ensinam:
Às vezes é preciso silêncio.