Rural
A RAZÃO DO MEU AFETO
Gosto de quintal,
do gosto da fruta tirada do pé.
Gosto de jardins,
de noites com cheiro de jasmim.
Gosto das lembranças
de domingos de horas sem fim.
Lembranças de um país rural, profundo, ancestral, que ainda vive em mim.
Valéria R. F. Leão
Todos os dias eu peço a Deus pela manhã,
Proteja e conserve os que plantam seus sonhos no chão,
Os que cultivam a terra com amor e bravura,
Abençoe meu Pai essa linda profissão, que alimenta o mundo através da agricultura.
—
A semana começou com muitas sementes nas mãos e pés descalços ao chão na casa do semeador. No instante ardor dos desafios do arado, os olhos e ouvidos estão postos a uma nova forma de lavrar. Nasceram ventos, palavras, silêncios. No coração, frutos e amadurecimentos; quem dirá agora o que plantaremos?
(TORVIC, a casa do semeador).
A proteção trabalhista e previdenciária para os trabalhadores do campo, no Brasil, foi aumentando na medida em que foi diminuindo o público do meio rural.
[...] no período em que predominava a população agrícola, era precária a legislação que a abrangia.
A solidariedade é considerada pela doutrina o principio constitucional mais importante da Seguridade Social, o que fica bastante evidente quando se trata de saúde e assistência social.
Nenhuma experiência indutiva é possível sem um conceito prévio que demonstre o caminho que deve ser seguido.
Ninguém coloca em dúvida o fato de que o segurado especial é, dentre todos os tipos de segurado, o que mais apresenta complexidade. Isso porque, desde a Constituição, lhe é conferido tratamento diferenciado.
Ainda observa-se, atualmente, que persistem e resistem preconceitos contra eles (trabalhadores rurais), de tal forma que a inserção no Plano de Benefícios é tida como uma benesse do sistema e não como um reconhecimento da condição de segurado-trabalhador e de contribuição para o país.
[...] infere-se que, quando se constrói uma legislação, em qualquer ramo, sempre se faz com base numa determinada realidade - e não pode ser diferente na Previdência Social. Nesse contexto, ao promover políticas de manutenção dos trabalhadores rurais no campo, o Estado brasileiro está garantindo a segurança alimentar de cada um dos brasileiros.
[...] depreende-se, pois, que a principal razão pela qual existe um sistema diferenciado de contribuição e de acesso aos benefícios dos segurados especiais é que o Estado brasileiro quer e precisa que os trabalhadores rurais - embora com dificuldades e sem renda suficiente - continuem produzindo alimentos.
Indubitavelmente, a inclusão dos trabalhadores rurais, embora tardia, busca recuperar uma dívida histórica, posto que a Previdência foi se aproximando da população rural na medida em que esta migrava para o meio urbano. As estatísticas confirmam que a evolução do êxodo rural teve, dentre outras causas, a de inexistir proteção previdenciária.
[...] não se trata de benefício sem contribuição; trata-se apenas de sistema contributivo diferenciado, moldado à realidade dos segurados especiais, ou seja, a contribuição incide sobre o que produzem e quando produzem.
Não se pode cogitar um sistema de Seguridade Social sem a força do princípio da solidariedade, pois teríamos apenas um sistema de capitalização ou poupança individual que não daria conta das demandas e necessidades sociais, não atingiria os valores estabelecidos pela Constituição Federal e não atenderia, certamente, a dignidade da pessoa humana.
Embora o enfoque maior, quando se trata da solidariedade, seja frequentemente dado aos benefícios, em igual medida deve se observá-la no custeio previdenciário. A definição do segurado-contribuinte deve levar em conta a capacidade de contribuição, não somente quanto à alíquota mas também em relação a todos os elementos do tributo, em especial a base de cálculo. Não é só na hora de receber benefícios que os segurados precisam ser tratados de forma diferenciada, mas também no que se refere à contribuição.
Não é possível analisar os benefícios rurais - e sua constitucionalidade - pela mesma lógica de relação contribuição-benefício historicamente utilizada para os trabalhadores urbanos. Outras são suas bases, desde o surgimento da primeira norma de proteção dos rurícolas.
Quanto mais se estuda o segurado especial, menos se consegue encontrar, na lei, amparo para tanta criatividade do INSS e da jurisprudência.
Ao passo em que a lei amplia o conceito de segurado especial, englobando o desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e permitindo a constituição de empresa no meio rural, paradoxalmente ainda proliferam decisões que se descaracteriza a condição de segurado especial daquele que possui um automóvel, ou sem definir qualquer critério, daquele que "poderia contribuir".
Em qual parte da legislação se enquadra a aparência física como elemento do conceito de segurado especial? E a propriedade de automóvel? Nesses questionamentos são citadas somente duas das abundantes condições excludentes criadas pela jurisprudência.
Defende-se que a regra não é aberta, que permita a cada um, em cada lugar, servidor ou juiz, dizer se o segurado especial cria cinco ou dez ovelhas, se colhe mais ou menos do que deveria, se uma moto é admissível ou não. A pseudoabertura da regra, somada à visão restritiva do segurado especial, tem gerado insegurança jurídica no meio rural.
