Rubem Alves Jardim
"A aventura da Alma Gótica – Parte VII de um dueto com o Músico Petrificado":
Destino: Apesar dele e a favor dele...
O violino em flor, enfim, volta ao seu dono,
Legítimo por direito, legítimo por saber conduzi-lo.
À Alma resta a espera pelo fim do outono,
O cair da última folha vermelha em brilho
Ao tilintar do vento, em canção de ninar aos ouvidos.
Alma saberá que o inverno
Resguardará sua terra, seu abrigo.
Até o momento em que o Músico Petrificado regressar,
Encerrar com tão longa espera,
Acordar com sua canção de primavera
Todos os campos de margaridas.
E assim, nascerão novas flores,
Em outras bocas de penhascos
Para que infindável
Adorne antigos e novos amores,
Resgate esperanças perdidas,
Cure sinceras amizades feridas.
Continue Músico Petrificado!
São muitos os que aguardam
Para ter uma canção preferida...
Muitas vezes nada mais sou
do que uma pequena nota solta,
duetanto com o vento,
tentando ser canção...
E muitas vezes nada fui,
a não ser um acorde sem afinação,
que você quase nem ouviu,
nem acolheu em seu coração...
O amor é um sentimento inefável que transborda da raiz e desabrocha como uma rosa sua essência. Assim, olhamos para a vida como um jardim que semeamos no tempo divino dado e estabelecido para todos. Compreender os desígnios de Deus e amar em qualquer circunstância é nosso aprendizado. Seguir semeando é nosso dever e evoluir no amor é nossa missão.
São tantas as esperanças que cada dia
brota em mim, que hoje já não sou mais
canteiro, minha alma é toda jardim.
Existem dois tipos de homens: os que dão flores à mulher e os que a fazem florescer como se fosse um jardim.
Gosto de ler orações. Orações e poemas são a mesma coisa: palavras que se pronunciam a partir do silêncio, pedindo que o silêncio nos fale. A se acreditar em Ricardo Reis, é no silêncio que existe no intervalo das palavras que se ouve a voz de “um Ser qualquer, alheio a nós“, que nos fala. O nome do Ser? Não importa. Todos os nomes são metáforas para o Grande Mistério inominável que nos envolve. Gosto de ler orações porque elas dizem as palavras que eu gostaria de ter dito mas não consegui. As orações põem música no meu silêncio.
Desejo pertence aos seres que se sentem privados, que não
encontram prazer naquilo que o espaço e o tempo presente lhes oferece.
Há propriedades que, para se fazerem sentir e valer dependem exclusivamente
de si mesmas, por exemplo, antes que os homens existissem já brilhavam as
estrelas, o sol aquecia, a chuva caia e as plantas e bichos enchiam o mundo.
Compreende-se que o que as pessoas têm normalmente em suas cabeças não seja
conhecimento, não seja ciência, mas pura ideologia, fumaças, secreções, reflexos de um
mundo absurdo.
E é aqui que aparece a religião, em parte para iluminar os cantos escuros do
conhecimento. Mas, pobre dela. . . Ela mesma não vê. Como pretende iluminar?
Ilumina com ilusões que consolam os fracos e legitimações que consolidam os fortes.
E, desta forma, as palavras que brotam do sofrimento se transformam,
elas mesmas, no bálsamo provisório para uma dor que ele é impotente para
curar. E é por isto que é ópio, "felicidade ilusória do povo", que deve
ser abolida como condição de sua verdadeira felicidade. Mas o
abandono das ilusões não se consegue por meio de uma atividade
intelectual. As pessoas não podem ser convencidas a abandonar suas
ideias religiosas. Ideias são ecos, fumaça, sintomas... Se elas têm tais ideias
é porque a sua situação as exige. É necessário, então, que sua situação seja
mudada, as fendas curadas, para
que as ilusões desapareçam.
Deus é este coração fictício que o desejo inventou, para
tornar o universo humano e amigo. E então a própria morte perdeu o seu caráter
ameaçador. As religiões são, assim, ilusões que tornam a vida mais suave. Narcóticos.
Como diria Marx: o ópio do povo.
Mas, não é verdade que toda sociedade tem uma classe dominante e uma classe
dominada? Uma classe que pode e outra que não pode? Uma classe forte e uma classe
fraca? Até mesmo as crianças e velhos sabem disto — especialmente as crianças e
velhos. E também os migrantes, e os camponeses assolados pela seca, e os doentes que
morrem sem atendimento médico. . . e assim por diante. E a conclusão que se segue,
necessariamente, é que os sonhos dos poderosos têm de ser diferentes dos sonhos
dos oprimidos. E também suas religiões. ..
Meus sonhos? Sonho em ter tempo para curtir as montanhas e cachoeiras das Minas Gerais. Sonho em ter tempo para vagabundear. Sonho em ter tempo para brincar com minhas netas. Sonho em escrever uns livros que estão na minha cabeça e que não consigo escrever por falta de tempo.
A Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte. Ela nos aterroriza por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não
sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma com a outra, e desta conversa surge a Beleza... Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois...”.
(Do universo à jabuticaba)
A moda é o sucesso. Um famoso conferencista anuncia com letras enormes: “O seu lugar é o pódio”. Imaginemos que assim seja. Jogos Olímpicos. Corrida de 100 metros rasos. Aí ele diz para todos: “O seu lugar é o pódio!”. Os corredores disparam. Só um deles arrebenta a fita. Nas Olimpíadas, são pouquíssimos os que vão para o pódio. Isso vale para a vida inteira. Então, alguma coisa está errada.
O mais provável é que o dito conferencista esteja mentindo para manter-se no pódio à custa da credulidade das pessoas. Quem acredita que o seu lugar é o pódio está sempre estressado, competindo, tentando passar na frente. Quem não tem pretensões ao pódio vive uma vida mais alegre. Não é preciso chegar na frente.
Mas há uma seita que anuncia como palavra de Deus: “Você está destinado ao sucesso!”. Não sei onde descobriram isto. Pelo menos o Deus cristão não promete sucesso para ninguém.
(“Ostra feliz não faz pérola”)
Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro...
(Em "Estórias de quem gosta de ensinar: o fim dos vestibulares". Campinas/SP: Papirus Editora, 2000, p. 166. – Fonte: Templo Cultural Delfos)
"Penso que borboletas, seres alados, diáfanos e coloridos, devem ser emissários dos deuses, anjos que anunciam coisas do amor. Imaginei então que aquela borboleta era um anjo disfarçado que os deuses me enviavam com uma promessa de felicidade”.
-(em "Na companhia de Rubem Alves: livro de anotações para mulheres". Editora Best Seller ltda, 2010.)