Realmente Nao sou Perfeita nem Dona da Verdade
As vezes eu me olho no espelho
Sinto medo, medo de mim
Eu não me conheço
Sou esquisito
Sou humano
Uso óculos, como, bebo, fumo e defeco
Mijo
Olho-me no espelho
E esse da-me de volta quem saiu
Eu riu, alto, assustado e engraçado.
Duas longas coisas saindo do corpo: são os braços
Buracos, pelos, peles, nariz ponteagudo
Duas orelhas presas na minha cabeça
Olho os dedos, meus olhos, me assusta.
Falo, sinto emoções e tomo cerveja
Rídícula coisa, ali em pé em frente ao espelho
Eu me vejo de fora
Faço uma abstração mental do que eu nunca vi
Que sou humano, e me vejo. É esquisito.
É realmente esquisito. Procuro-me no espelho
Enão me acho. Só vejo aquilo ali.
Parado. Um monte de carnes equilibradas
por ossos duros que me mantem em pé. Ali
no espelho. Eu sei que não sou aquilo,
e o que sou, o espelho não pode
me mostrar... AINDA... eu não brilho...
ainda...
fornecido por D. Maria Eugenia Seixas 08/90
Eu não sou daqui
Qualquer pessoa que comece a escrever poesia irá, cedo ou tarde, usar como tema a sensação de ser um estrangeiro. Em seus versos, dirá que não pensa como os outros, que tem a impressão de ter vindo de outro planeta, que não se reconhece entre seus pares. Quem faz música também acaba falando sobre isso, mais dia, menos dia. É um assunto que cativa, já que todos nós, em um determinado momento da vida (geralmente na adolescência) nos achamos, mesmo, muito diferente dos outros.
O psicanalista Contardo Calligaris, em sua recente palestra em Porto Alegre, no Fronteiras do Pensamento, disse que, quando garoto, tinha certeza de que os marcianos viriam buscá-lo em seu quarto, já que se sentia mais sintonizado com eles do que com sua própria família. Não é exatamente uma novidade: o “eu não sou daqui” já foi frase recorrente na nossa cabeça. E sejamos sinceros: alguns seguem pensando assim até o fim dos dias.
Contardo explica que, na puberdade, temos necessidade de fugir das nossas origens para que possamos criar uma identidade própria. E que essa identidade nunca é lógica, ao contrário, é sempre embaralhada, por isso a importância de a gente, ao longo dos anos, aprender não só a viver bem, mas a contar bem a nossa história para os outros. Aliás, o título da palestra era: A Ficção Como Linha de Conduta Para Inventar a Vida.
Quando ele diz que somos todos ficcionistas, não está sugerindo que somos todos uns fingidos. O que eu compreendo disso é que, ao nascer, recebemos mais ou menos o mesmo dote: uma família, algum amor e alguns ensinamentos. Para quem é um pouco preguiçoso ou carente de imaginação, isso basta como baliza. Irá se satisfazer com o que foi recebido e contar sempre a mesma história sobre si mesmo. Mas há os desassossegados de nascença: louvados sejam. Para esses, a vida é um livro em branco, uma oportunidade desafiadora de criar o seu próprio personagem e enriquecê-lo com experiências, desejos, erros, acertos, alegrias, tristezas. Qual é o maior presente que nossos pais podem nos dar, além de algum amor e algum ensinamento? É justamente essa fagulha acesa no olhar, esse espírito aberto, o empurrão para ir além do “prefácio” e buscar a construção de si próprio visitando outras galáxias – que nada mais são do que outras pessoas e vivências. É através dessa matéria-prima que iremos estabelecer o fio da nossa narrativa, é que permitiremos que os outros nos conheçam – e que a gente se autoconheça mais um pouco também, através do olhar de fora.
É uma vida inventada? No melhor sentido. É uma vida que se atreveu a ir além dos 10 mandamentos iniciais. É uma vida regida por outros tantos: não julgarás os diferentes de ti, não criticarás o próximo sem antes ouvir suas razões, não te contentarás com o que aprendestes em casa, não evitarás estradas só por não saber onde elas levam, não abdicarás de conhecer mais a ti mesmo, não censurarás aquilo que não compreendes, não te acorrentarás ao que te dá segurança, não te conformarás com tua ignorância, não temerás a amplificação do teu universo.
Em suma, o “eu não sou daqui” é a frase dos que não se atreveram a desbravar o mundo, preferiram se manter estrangeiros por orgulho e por medo. Só quando saímos do nosso esconderijo é que descobrimos que somos todos do mesmo lugar.
E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.
Se tudo isso existe, então sou eu. mas por que esse mal-estar? É porque não estou vivendo do único medo que se existe para cada um de se viver e nem sei qual é. Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza. O que há então? Só sei que não quero a impostura. Recuso-me. Eu me aprofundei mas não acredito em mim porque meu pensamento é inventado.
Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável.
Quando sou visto, tenho, de repente, consciência de mim enquanto escapo a mim mesmo, não enquanto sou o fundamento de meu próprio nada, mas enquanto tenho o meu fundamento fora de mim. Só sou para mim como pura devolução ao outro.
Eu sou um pouco paranoico, ou não, penso demais, estudo o comportamento das pessoas, e dependendo das minhas análises eu mudo de opinião e escolho outras atitudes. Talvez seja o medo de errar, de colocar a carroça na frente dos bois, querer me jogar no incerto e correr o risco de me arrepender depois. Mas o que posso fazer?! Eu sou assim.
Sou desastrada, não tenho o corpo perfeito, gosto rápido das pessoas, meu cabelo é bagunçado, mas tento ser forte.
Eu gosto dos extremos. Sou exagerada, tipo 8 ou 80. Não é algo que eu escolhi ser, apenas sou. E isso é ruim, porque uma palavra boba pode facilmente me magoar profundamente. Por outro lado, isso pode ser muito bom, já que um ato inesperado me faz ter um momento intenso de felicidade. Sou difícil de lidar, eu sei, mas quando alguém me ama, me ama demais também. É aí que vejo que o exagero não é uma característica só minha.
Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.
Não me importo que me julguem pela aparência, afinal sou eu quem escrevo minhas páginas e meus capítulos, e a vida é cheia de mistérios a serem solucionados e segredos a serem desvendados, portanto, enquanto você perde seu tempo me julgando eu vou vivendo, solucionando e desvendando os mistérios e segredos que a vida me dá... e o mais importante... por isso tudo vivo feliz!
Um dia eu sou tudo, no outro você não lembra de mim. Enquanto pra mim, um dia você é tudo e no outro, é tudo e mais um pouco.
Ora, não sou linda. Mas quando estou cheia de esperança, então de minha pessoa se irradia algo que talvez se possa chamar de beleza.
Confissões de um menor abandonado
Eu sei que sou culpado, não tive a capacidade de assumir a administração da minha vida, não fui capaz de controlar as emoções infantis nem consegui equilibrar-me sobre os obstáculos que herdei da sociedade. Até que me esforcei! Olhei para a vida de meus pais, porém, os desentendimentos do casamento falido nublaram os tais exemplos de que ouvi falar, só falar.
Não tive o privilégio de me aquecer no meu próprio lar, porque lhe faltou a chama do amor, sustentando-nos unidos. Cada qual saiu para o seu lado. Na confusão da vida me perdi.
Candidatei-me à escola. Juntei a identidade civil ao retrato desbotado, botei a melhor farda de guerreiro, entrei na fila. Humilhado por tantas exigências, implorando prazos, descontos e vaga, me sentei num banco escolar, jurei persistência, encarei o desafio.
- Joãozinho, você não sabe sentar-se?
- Joãozinho, seu material está incompleto.
- Joãozinho, seu trabalho de pesquisa está horrível.
- Joãozinho, seu uniforme está ridículo.
A barra foi pesando, fui sendo passado pra trás e vendo que escola é coisa de rico. Um dia, me arrependi, mas a professora se escandalizou das faltas (nem eram tantas!) e disse que meu nome já estava riscado, há muito tempo. O que fazer? Dei marcha à ré ali e, olhando a turma, com vergonha, fui saindo.
Moro nas marquises, debaixo da ponte, nas calçadas e não moro em lugar nenhum. Tenho avós, pais, irmãos e primos, mas não tenho família. Tenho idade de criança e desilusões de adulto. Minha aparência assusta as pessoas e nada posso fazer. A cada dia que passa, estou mais sujo, mais anêmico, mais fraco.
Sou um rosto perdido, perambulando, em solo brasileiro. Na verdade, nos chamam de menores, todavia, somos os maiores desgraçados.
Vendo balas num sinal de trânsito que muda de cor a cada minuto. Quando o sinal fica vermelho, os carros param, meu coração dispara. Para nós, menores abandonados, o vermelho do sinaleiro é a cor da esperança.
Extraído do meu livro Escola Comunitária-4ª.ed
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