Poetas Brasileiros
Balanço
A pobreza do eu
a opulência do mundo.
A opulência do eu
A pobreza do mundo.
A pobreza de tudo
a opulência de tudo.
A incerteza de tudo
na certeza de nada.
Ai, quem se opusera ao tempo,
se houvesse força bastante
para impedir a desgraça
que aumenta de instante a instante!
E a vida, em severos lances,
empobrece a quem trabalha
e enriquece os arrogantes
...mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insónia
vigiando as ações alheias
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência
já são réus- pois se atreveram
a falar em Liberdade
que ninguém sabe o que seja
Liberdade- essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda
Não deve sonhar o pobre
que o pobre não vale nada...
Se o sonho do pobre é crime,
quanto mais qualquer palavra
"E percebo os suspiros dos amores
quando por esses prados florescentes
se ergueram duros punhos agressores"
"mil intrigas, mil enredos
prendem culpados e justos;
já ninguém dorme tranquilo
que a noite é um mundo de sustos"
"Mas eu vagueio sozinha,
pela sombra do quintal,
e penso em meu triste corpo,
que não posso levantar"
É mais fácil pousar os ouvidos nas nuvens e sentir passar as estrelas do que prendê-lo à terra e alcançar o rumo dos teus passos .
Os Três Mal-Amados
Olho Teresa, vejo-a sentada aqui a meu lado. A poucos centímetros da mim. A poucos centímetros, muitos quilômetros. Por que essa impressão de que precisaria de quilômetros para medir a distância, o afastamento em que a vejo nesse momento?
Olho Teresa como se olhasse o retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro século. Ou como se olhasse um vulto em outro continente, através de um telescópio. Vejo-a como se cobrisse a poeira tenuíssima ou o ar quase azul que envolvem as pessoas afastadas de nós muitos anos e léguas.
Posso dizer dessa moça a meu lado que é a mesma Teresa que durante todo o dia de hoje, por efeito do gás do sonho, senti pegada a mim?
Esta é a mesma Teresa que na noite passada conheci em toda intimidade? Posso dizer que a vi, falhei-le, posso dizer que a tive em toda intimidade? Que intimidade existe maior que a do sonho? A desse sonho que ainda trago em mim como um objeto que me pesasse no bolso?
Ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando à minha cama. Ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e paredes que eu não compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa água que o sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido (penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o afugentou, porque os sonhos são como as aves, não apenas porque crescem e vivem no ar)
Teresa aqui está, ao alcance de minha mão, de minha conversa. Por que, entretanto, me sinto sem direitos fora daquele mar? Ignorante dos gestos, das palavras?
O sonho volta, me envolve novamente. A onda torna a bater em minha cadeira, ameaça chegar até a mesa. Penso que, no meio de toda essa gente de terra, gente que parece ter criado raízes, como um lavrador ou uma colina, sou o único a escutar esse mar. Talvez Teresa...
Talvez Teresa... sim, quem me dirá que esse oceano não nos é comum?
Posso esperar que esse oceano nos seja comum? Um sonho é uma criação minha, nascida de meu tempo adormecido, ou existe nele uma participação de fora, de todo o universo, de uma geografia, sua história, sua poesia?
O arbusto ou a pedra aparecida em qualquer sonho pode ficar indiferente à vida de que está participando? Pode ignorar o mundo que está ajudando a povoar? É possível que sintam essa participação, esses fantasmas, essa Teresa, por exemplo, agora distraída e distante? Há algum sinal que faça compreender termos sido, juntos, peixes de um mesmo mar?
Donde me veio a idéia de que Teresa talvez participe de um universo privado, fechado em minha lembrança, desse mundo que através de minha fraqueza eu me compreendi ser o único onde será possível cumprir os atos mais simples, como por exemplo caminhar, beber um copo de água, escrever meu nome, nada, nem mesmo Teresa.
O que é que há? Pois estou como que ouvindo acordes de piano alegre – será isto o símbolo de que a vida da moça iria ter um futuro esplendoroso? Estou contente com essa possibilidade e farei tudo para que esta se torne real.
Quero escrever noções sem o uso abusivo da palavra. Só me resta ficar nua: nada tenho mais a perder.
