Poesias pequenas de Fernando Pessoa

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A vida é cousa tão séria, os seus problemas são tão graves, que a ninguém assiste o direito de rir. Quem ri é estúpido — de momento, pelo menos. A alegria é a forma comunicativa da estupidez.

(Aforismos e afins)

Evil is everywhere on earth, and one of its forms is happiness.

O mal está por toda a Terra e uma das suas formas é a felicidade.

(Aforismos e afins)

Este é o dia. Esta é a hora, este o momento, isto é quem somos, e é tudo. Perene flui a interminável hora que nos confessa nulos. No mesmo hausto em que vivemos, morreremos. Colhe o dia, porque és ele.
(Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa in “Odes”)

Não sou nada,
Não posso ter nada,
Não quero ter nada,
À parte isso,
Tenho todos os sonhos do mundo.

Para quê olhar para os crepúsculos se tenho em mim milhares de
crepúsculos diversos - alguns dos quais que o não são - e se, além de
os olhar dentro de mim, eu próprio os sou, por dentro?

Sinto, por vezes, um temor espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, compreendendo quão pouco de mim é meu.


(aforismos e afins)

“Ah! dá nojo ver o mundo
Pensar tão pouco profundo”.

(escrito em 15.11.1908), In Poesia 1902-1917)

Não adianta tirar da mente o que não sai do coração.
Você apaga os momentos, mas as lembranças se mantêm
vivas dentro de você

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a marcará,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.

Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944.

Nota: Trecho do poema Tabacaria.

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Tenho tanto sentimento.

Temos, todos que vivemos, uma vida
que é vivida e outra vida que é pensada,
e a única vida que temos
é essa que é dividida
entre a verdadeira e a errada.

Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças.
(in "Liberdade")

“De tanto lidar com o sonhos,
eu mesmo me converti num sonho.
O sonho de mim mesmo”.
(Livro do desassossego - Bernardo Soares)

sonho


O sonho é ver formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

Qualquer música, guitarra.
Viola, harmônio, realejo.
Um canto que se desgarra.
Um sonho em que nada vejo.

A chuva desce a ladeira

A água da chuva desce a ladeira.
É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
A terra a ditosa.

Há muitos que contam a dor e o pranto
De o amor os não qu'rer...
Mas eu, que também não os tenho, o que canto
É outra coisa qualquer.

Lançou-me em pesar profundo
Lançou-me a mágoa seu véu:
Menos um ser n'este mundo
E mais um anjo no céu.

Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.

Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer.
Nem há desembarque onde se esqueça.

E nós não nos peruntávamos para que era aquilo, porque gozávamos o saber que aquilo não era para nada.

O meu ideal seria viver tudo em romance, repousando na vida - ler as minhas emoções, viver o meu desprezo delas.