Poemas de Clarice Lispector

Ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. Não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. Encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. Então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho da crônica Vida ao natural.

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Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.

Clarice Lispector
Clarice Lispector: Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

Nota: Entrevista de Clarice com Chico Buarque.

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Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. A Legião Estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

Sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1984.

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Perdoando Deus.

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O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.

Clarice Lispector
A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964.

Como se ela não tivesse suportado sentir o que sentira, desviou subitamente o rosto e olhou uma árvore. Seu coração não bateu no peito, o coração batia oco entre o estômago e os intestinos.

Clarice Lispector
Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco. 1998

Faz de conta que ela não estava chorando por dentro – pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Dies irae.

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Respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você. (...) Não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver.

Clarice Lispector
MONTERO, Teresa (org.). Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Nota: Trecho de carta escrita a Tania Kaufmann, em 6 de janeiro de 1948.

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Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. Um Sopro de Vida (Pulsações) . Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 3ª edição. 1978
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Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. (...) Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

"Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma?

Clarice Lispector
LISPECTOR, C. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco. 1998

Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente; também sou muito calmo e perdoo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre. Sou paciente mas profundamente colérico, como a maioria dos pacientes. As pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdoo de antemão. Gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo. Nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrado? (...) Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo. Se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz. Quanto à minha paz superficial, ela é uma alusão à verdadeira paz. Outra coisa que esqueci é que há outra alusão em mim – a do mundo grande e aberto. (...) Apesar de meu ar duro, sou cheio de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz nenhum sentido. É uma metamorfose em que perco tudo o que eu tinha, e o que eu tinha era eu – só tenho o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com os seus planetas e baratas.

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.