Poemas de Clarice Lispector

Estranhei tudo. E, por me estranhar, vi-me por um instante como sou. Gostei ou não? Simplesmente aceitei.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O grupo.

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Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Em busca do outro.

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Lutei toda a minha vida contra a tendência ao devaneio, sempre sem jamais deixar que ele me levasse até as últimas águas. Mas o esforço de nadar contra a doce corrente tira parte de minha força vital. E, se lutando contra o devaneio, ganho no domínio da ação, perco interiormente uma coisa muito suave de se ser e que nada substitui. Mas um dia ainda hei de ir, sem me importar para onde o ir me levará.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Ir contra uma maré.

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A outra mão dele, a livre, está ao alcance dela. Ela sabe, e não a toma. Quer a mão dele, sabe que quer, e não a toma. Tem exatamente o que precisa: pode ter.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Nota: Trecho do conto Vida ao natural.

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Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido longe, venho do inferno de amor mas agora estou livre de ti.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Meu problema é o medo de ficar louco. Tenho que me controlar. Existem leis que regem a comunicação. A impessoalidade é uma condição. A separatividade e a ignorância são o pecado num sentido geral. E a loucura é a tentação de ser totalmente o poder.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Devo dizer que ela era doida por soldado? Pois era. Quando via um, pensava com estremecimento de prazer: será que ele vai me matar?

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que a realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo?

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Água-marinha? meu primeiro namoradinho tinha olhos azuis de água-marinha. Mas eu não chegava perto dele: tinha medo. Porque água quieta é água funda e me dava calafrios.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

É que, quando amávamos, eu não sabia que o amor estava acontecendo muito mais exatamente quando não havia o que chamávamos de amor. O neutro do amor, era isso o que nós vivíamos e desprezávamos.

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

O que chamo de morte me atrai tanto que só posso chamar de valoroso o modo como, por solidariedade com os outros, eu ainda me agarro ao que chamo de vida. Seria profundamente amoral não esperar, como os outros esperam, pela hora, seria esperteza demais a minha de avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida do que os outros. Por isso, apesar da intensa curiosidade, espero.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Espera impaciente.

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Amor (...) é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor verdadeiro, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Atualidade do ovo e da galinha (II).

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É assim então o teu segredo. Teu segredo é tão parecido contigo que nada me revela além do que já sei. E sei tão pouco como se o teu enigma fosse eu. Assim como tu és o meu.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Teu segredo.

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O que estou sentindo agora é uma alegria. Através da barata viva estou entendendo que também eu sou o que é vivo. Ser vivo é um estágio muito alto, é alguma coisa que só agora alcancei. É um tal alto equilíbrio instável que sei que não vou poder ficar sabendo desse equilíbrio por muito tempo – a graça da paixão é curta.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Tulipa só é tulipa na Holanda. Uma única tulipa simplesmente não é. Precisa de campo aberto para ser.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Faça a descoberta de si mesma – e aos poucos você descobrirá que é mais seguro e compensador valorizar-se

Clarice Lispector
Correio feminino. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.

Oh Deus, e eu que faço concorrência a mim mesma. Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva. (...) É bom perfumar-se em segredo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Os perfumes da terra.

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Em vez de me obter com a fuga, vejo-me desamparada, solitária, jogada num cubículo sem dimensões, onde a luz e a sombra são fantasmas quietos. No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O mal é que a minha esperança ou é inexistente ou forte demais – esperança forte demais é “infantil”.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2020.

Nota: Trecho de carta a Fernanda Sabino, de 24 de janeiro de 1957.

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