Poemas de Clarice Lispector

Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.

Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco. 1998.

Nota: Trecho do conto Perdoando Deus.

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Levantei-me. O tiro de misericórdia. Porque estou cansada de me defender. Sou inocente. Até ingênua porque me entrego sem garantias.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Mas estou já cansada de minhas hesitações, que já me trouxeram bastante aborrecimento. Tenho sempre que me lembrar que tudo que consegui na vida foi à custa de ousadias, embora pequenas. Quando a gente cai nessa atmosfera de indecisão, se sente perdida.

Clarice Lispector
Minhas queridas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

Nota: Trecho de carta para Tania Kaufmann, escrita em 22 de outubro de 1948.

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Às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica A perigosa aventura de escrever.

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Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. (...) Eu não tenho o poder. Tenho a prece.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

A vida, meu amor, é uma grande sedução onde tudo o que existe se seduz. Aquele quarto que estava deserto e por isso primariamente vivo. Eu chegara ao nada, e o nada era vivo e úmido.

Clarice Lispector
A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. (...) Pois não posso mais carregar as dores do mundo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Ao correr da máquina.

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Tenho me convivido muito ultimamente e descobri com surpresa que sou suportável às vezes até agradável de ser. Bem. Nem sempre.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Exercício.

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A verdade não me faz sentido! É por isso que eu a temia e a temo. Desamparada, eu te entrego tudo – para que faças disso uma coisa alegre. Por te falar eu te assustarei e te perderei? mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade mas estou presa dentro de mim.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Então sonhei um sonho tão bom: sonhei assim: na vida nós somos artistas de uma peça de teatro absurdo escrita por um Deus absurdo. Nós somos todos os participantes desse teatro: na verdade nunca morremos quando acontece a morte. Só morremos como artistas. Isso seria a eternidade?

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

[O propósito do teatro é] fazer o gesto recuperar o seu sentido, a palavra o seu tom insubstituível, permitir que o silêncio, como na boa música, seja também ouvido, e que o cenário não se limite ao decorativo e nem mesmo à moldura apenas – mas que todos esses elementos, aproximados de sua pureza teatral específica, formem a estrutura indivisível de um drama.

Clarice Lispector
Todas as cartas. Rio de Janeiro: Rocco, 2019.

Nota: Trecho de carta a Lúcio Cardoso, escrita em 13 de agosto de 1947.

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Mas estou cansada, apesar de minha alegria de hoje, alegria que não se sabe de onde vem, como a da manhãzinha de verão. Estou cansada, agora agudamente! Vamos chorar juntos, baixinho. Por ter sofrido e continuar tão docemente. A dor cansada numa lágrima simplificada. Mas agora já é desejo de poesia, isso eu confesso, Deus. Durmamos de mãos dadas. O mundo rola e em alguma parte há coisas que não conheço. Durmamos sobre Deus e o mistério, nave quieta e frágil flutuando sobre o mar, eis o sono.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve; só se olha para o mundo alheio por distração, por interesse, por qualquer outro sentimento que sobrenada e que não é o vital; o ‘mal de muitos’ é consolo, mas não é solução.

Clarice Lispector
A bela e a fera. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho do conto Gertrudes pede um conselho.

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Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Sou um dos fracos? fraca que foi tomada por ritmo incessante e doido? se eu fosse sólida e forte nem ao menos teria ouvido o ritmo? Não encontro resposta: sou. É isto apenas o que me vem da vida. Mas sou o quê? a resposta é apenas: sou o quê. embora às vezes grite: não quero mais ser eu!! mas eu me grudo a mim e inextricavelmente forma-se uma tessitura de vida.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.

Eu não sei colocar pontos finais, eu não sei acabar com algo, eu não sei excluir alguém da minha vida.

Clarice Lispector

Nota: Autoria não confirmada.

E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos.

Clarice Lispector
Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.