Poesia de Desabafo de Vinicius de Morais

Cerca de 108761 frases e pensamentos: Poesia de Desabafo de Vinicius de Morais

Ainda que mal

Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

Os médicos estão fazendo a autópsia
Dos desiludidos que se mataram
Que grande coração eles possuiam
Viscéras imensas, tripas sentimentais
E um estômago cheio de poesia.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. Brejo das Almas, 1934

Nota: trecho do poema "Necrológio dos Desiludidos do Amor" livro "Brejo das Almas"

...Mais

Partir!
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
A gare a que se volta é outra.
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.

Álvaro de Campos
PESSOA, F. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática. 1944 (imp. 1993). p. 307

Nota: Trecho do poema "Là-bas, Je Ne Sais Où..." de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa

...Mais

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.

Luís de Camões

Nota: Trecho do poema "Esparsa ao desconcerto do mundo", de Luís de Camões.

Livros e flores

Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?

Machado de Assis
Falenas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1870.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos
Pessoa, F. Poemas Escolhidos de Álvaro de Campos. Lisboa: Assírio & Alvim. 2013

Nota: Trecho do poema "Tabacaria"

...Mais

Círculo Vicioso

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
– "Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

– "Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna á gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

– "Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

– "Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?"

Machado de Assis
Ocidentais (1901).

Convite Triste

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.

Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.

Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.

Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.

Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.

(Em: Brejo das Almas)

Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luís de Camões
Sonetos

Nota: Trecho de soneto de Luís de Camões

...Mais

PARTIDO

Agrupamento para defesa abstrata de princípios e elevação positiva de alguns cidadãos.

Carlos Drummond de Andrade
O Avesso das Coisas: Aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

Tristeza

Eu perdi minha vida e o alento,
E os amigos, e a intrepidez,
E até mesmo aquela altivez
Que me fez crer no meu talento.

Vi na Verdade, certa vez,
A amiga do meu pensamento;
Mas, ao senti-la, num momento
O seu encanto se desfez.

Entretanto, ela é eterna, e aqueles
Que a desprezaram - pobres deles! -
Ignoraram tudo de talvez.

Por ela Deus se manifesta.
O único bem que ainda me resta
É ter chorado uma ou outra vez.

Poemas da amiga
VII

Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.

Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum.

Estamos no interior duma asa
Que fechou.

De Poemas da Amiga

Mário de Andrade
ANDRADE, M., Poesias Completas, Vol I, Nova Fronteira

No alto

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.

Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.

Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,

Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.

Machado de Assis
Ocidentais (1880).

Fábula: O Leão e o Rato

Certo dia, estava um Leão a dormir a sesta quando um ratinho começou a correr por cima dele. O Leão acordou, pôs-lhe a pata em cima, abriu a bocarra e preparou-se para o engolir.

- Perdoa-me! - gritou o ratinho - Perdoa-me desta vez e eu nunca o esquecerei. Quem sabe se um dia não precisarás de mim?

O Leão ficou tão divertido com esta ideia que levantou a pata e o deixou partir.

Dias depois o Leão caiu numa armadilha. Como os caçadores o queriam oferecer vivo ao Rei, amarraram-no a uma árvore e partiram à procura de um meio para o transportarem.

Nisto, apareceu o ratinho. Vendo a triste situação em que o Leão se encontrava, roeu as cordas que o prendiam.

E foi assim que um ratinho pequenino salvou o Rei dos Animais.

MORAL DA HISTÓRIA:

A história nos ensina que não devemos subestimar os outros e que devemos tratar todas as pessoas com gentileza e respeito, independentemente do seu tamanho, aparência ou poder.

A história mostra que atos de bondade e ajuda mútua são importantes para criar laços de amizade e solidariedade entre as pessoas, e não porque esperamos receber algo em troca.

Nirvana

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

Poema da purificação

Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.

Fábula: O Lobo e o Cordeiro

Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.

- Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.

- Senhor - respondeu o cordeiro - não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.

- Você agita a água - continuou o lobo ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.

- Não pode - respondeu o cordeiro - no ano passado eu ainda não tinha nascido.O lobo pensou um pouco e disse:

- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.

- Eu não tenho irmão - disse o cordeiro - sou filho único.

- Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.

MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor

Relíquia íntima

Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.

E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.

Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:

Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.

Machado de Assis
Obra Completa, vol. III. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.

Queriam-me casado, cotidiano, fútil e tributável?
Queriam-me o contrário disso, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, faria a vontade de todo mundo.
Assim, como sou, tenham paciência!

Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar duma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escurez.

Mário de Andrade

Nota: citado em "Como escrevo?" de José Domingos de Brito, Novatec Editora, página 185.

✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.

Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.

Entrar no canal do Whatsapp