Poesia Amor Clarice Lispector
– Não se precipite ao caos, não ache que o mundo é do tamanho da sua compreensão (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector).
Ela veio atrás de água, da água que Deus não manda lá pro sertão, pois é justamente a água, a mesma desejada e perversa água, que lhe rouba a vida. Isso é injusto, é desumano... (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector)
Escrevia para afugentar as amarguras, para exorcizar velhos fantasmas. As letras vigoravam além de toda manifestação compreensível das palavras. Tornavam-se a única sobriedade remanescente da sua introspecção doentia. (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector)
Buscando consumir parte da ociosidade, e procurando ocupar o imenso vazio no qual se afundou inevitavelmente, nutriu também uma mania obsessiva pela literatura. (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector)
Existia nela uma razão infinitamente maior do que o reles desejo de ser apreciada. Não escrevia por ideologia, nem para ser julgada pelos punitivos olhares dos críticos literários. Não fazia cobiçando as variadas tentações da fama, nem por algum tipo de vaidade enrustida. Escrevia por urgência, por uma necessidade quase que vital de manter-se lúcida. (Do Livro – O Segredo de Clarice Lispector)
Qualquer que tivesse sido o crime dele [Mineirinho], uma bala bastava. O resto era vontade de matar, era prepotência.
Nunca a vida foi tão atual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos.
Vou te dizer o que eu nunca te disse antes, talvez seja isso o que está faltando: ter dito. Se eu não disse, não foi por avareza de dizer, nem por minha mudez de barata que tem mais olhos que boca. Se eu não disse é porque não sabia que sabia – mas agora sei. Vou te dizer que eu te amo. Sei que te disse isso antes, e que também era verdade quando te disse, mas é que só agora estou realmente dizendo.
É. Eu me acostumo mas não amanso. Por Deus! eu me dou melhor com os bichos do que com gente. (...) E quando acaricio a cabeça do meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.
Há pessoas que têm vergonha de viver: são os tímidos, entre os quais me incluo. Desculpem, por exemplo, estar tomando lugar no espaço. Desculpem eu ser eu. Quero ficar só! grita a alma do tímido, que só se liberta na solidão. Contraditoriamente quer o quente aconchego das pessoas.
O mundo parece chato mas eu sei que não é. Sabe por que parece chato? Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo, nunca está de lado. E sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo.
Eu fingi por orgulho que não doía, eu pensava que fingir força era o caminho nobre de um homem e o caminho da própria força. Eu pensava que a força é o material de que o mundo é feito, e era com o mesmo material que eu iria a ele.
Hoje, de repente, como num verdadeiro achado, minha tolerância para com os outros sobrou um pouco para mim também (por quanto tempo?). Aproveitei a crista da onda, para me pôr em dia com o perdão.
E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que já está começando a me doer como uma angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta.
E com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais.
Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.
Não posso escrever enquanto estou ansiosa ou espero soluções porque em tais períodos faço tudo para que as horas passem; e escrever é prolongar o tempo, é dividi-lo em partículas de segundos, dando a cada uma delas uma vida insubstituível.
Por que publicar o que não presta? Porque o que presta também não presta. Além do mais, o que não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno voo e cai sem graça no chão.
Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim: eu seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta: se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho.
Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.
