Poemas inteligentes

Se há dois testamentos, o antigo e o novo, conviria instituir
um terceiro, para acabar com as contradições entre eles.

( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)

Triste mastigação
As reflexões dos velhos são amargas como azeitonas.

(in: Sapato Florido, 1948.)

O lampião
A janelinha de acetilene do lampião da esquina tinha uma luz que não era a do dia nem a da noite... a mesma luz que banhava as pessoas, animais e coisas que a gente via em sonhos... aquela mesma luz que deveria enluarar, mais tarde, as janelas altas do outro mundo...

( in: Sapato Florido, 1948.)

“De noite todos os meus pensamentos são escuros
E todas as palavras têm a letra "u"
Rude
Virtude
Cruzes!”.

(in: Velório sem defunto, 1990.)

Arquitetura

A arquitetura diverte-se projetando construções
para esconder os homens uns dos outros.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

“O que mais me comove, em música,
são essas notas soltas — pobres notas únicas —
que do teclado arrancam o afinador de pianos”...

(Versos extraídos do livro “Mário Quintana — Prosa e Verso”, Editora Globo (9ª edição).)

sonho


O sonho é ver formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esperança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.

A pálida luz da manhã de Inverno,

A pálida luz da manhã de Inverno,
O cais e a razão
Não dão mais esperança, nem uma esperança sequer,
Ao meu coração.
O que tem que ser
Será, quer eu queira que seja ou que não.
No rumor do cais, no bulício do rio
Na rua a acordar
Não há mais sossego, nem um vazio sequer,
Para o meu esperar.
O que tem que não ser
Algures será, se o pensei; tudo mais é sonhar.

Fernando Pessoa
Livro Poesias Inéditas (1919-1930)

Lançou-me em pesar profundo
Lançou-me a mágoa seu véu:
Menos um ser n'este mundo
E mais um anjo no céu.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero saber de lirismo que não é libertação.

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.

Destino

Abra os seus olhos e a escolhar do Presente e a verdade do tempo, e o Destino e apenas segundos de um pensamento, até você criar ele, e abrir seu próprio destino...

Teu corpo é tudo que brilha,
Teu corpo é tudo que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...

Manuel Bandeira

Nota: Trecho do poema "Poemeto Erótico"

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

Data e Dedicatória (Mário Quintana)

Teus poemas, não os dates nunca... Um poema
Não pertence ao Tempo... Em seu país estranho,
Se existe hora, é sempre a hora estrema
Quando o anjo Azrael nos estende ao sedento
Lábio o cálice inextinguível...
Um poema é de sempre, Poeta:
O que tu fazes hoje é o mesmo poema
Que fizeste em menino,
É o mesmo que,
Depois que tu te fores,
Alguém lerá baixinho e comovidamente,
A vivê-lo de novo...
A esse alguém,
Que talvez ainda nem tenha nascido,
Dedica, pois, os teus poemas.
Não os dates, porém:
As almas não entendem disso...

Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro,
E com essas alegrias e esse prazer
Eu viria depois a amar-te. Quando,
Criança, eu, se brincava a ter marido,
Me faltava crescer e o não sentia,
O que me satisfazia eras já tu,
E eu soube-o só depois, quando te vi,
E tive para mim melhor sentido,
E o meu passado foi como uma estrada
Iluminada pela frente, quando
O carro com lanternas vira a curva
Do caminho e já a noite é toda humana.

Tens um segredo? Dize-mo, que eu sei tudo
De ti, quando m'o digas com a alma.
Em palavras estranhas que m'o fales,
Eu compreenderei só porque te amo.
Se o teu segredo é triste, eu saberei
Chorar contigo até que o esqueças todo.
Se o não podes dizer, dize que me amas,
E eu sentirei sem qu'rer o teu segredo.

Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já hoje, mas de longe,
Como as coisas se podem ver de longe,
E ser-se feliz só por se pensar
Em chegar onde ainda se não chega.

Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta!

Fernando Pessoa
Fausto – Tragédia Subjectiva. Lisboa: Presença, 1988.

Nota: Trechos do poema MARIA: Amo como o amor ama.

...Mais

Carta

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as noticias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são galopes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao desperta, revejo a um conto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho.
(Lições de coisas)

Pessoa muito respeitada, amigável, generosa
e fácil de lidar. Mas quando o assunto é o
seu dinheiro, seu tempo ou suas preocupações,
nada ou ninguém é mais importante. Isso
demonstra que deve aprender muito ainda
sobre o crescimento da alma. Mas
controlando esse egoísmo e usando mais
de diplomacia ao tratar com as pessoas,
conseguirá avançar muito no seu caminho.

O guardador de rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.