Poemas do Século XIX

Cerca de 1353 poemas do Século XIX

Mas, onde cessava ali a realidade e começava a aparência? Vinha de tratar com um infeliz ou um hipócrita?

Machado de Assis
Helena (1876).

Mas é tempo de tornar aquela tarde de novembro, uma tarde clara e fresca, sossegada como a nossa casa.

Machado de Assis
Dom Casmurro (1899).

Mas, se além do aroma, quiseres outra coisa, fica-te com o desejo, porque eu não guardei retratos, nem cartas, nem memórias; a mesma comoção esvaiu-se e só me ficaram as letras iniciais.

Machado de Assis
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

Longe de educar o gosto, o teatro serve apenas para desfantasiar o espírito, nos dias de maior aborrecimento.

Machado de Assis
Relíquias de Casa Velha. Rio de Janeiro: Garnier, 1906.

Eu sou o poeta do Corpo

Eu sou o poeta do Corpo
e sou o poeta da alma,
as delícias do céu
estão em mim
e os horrores do inferno
estão em mim
- o primeiro eu enxerto
e amplio ao meu redor,
o segundo eu traduzo
em nova língua.

Eu sou o poeta da mulher
tanto quanto o do homem
e digo que tanta grandeza existe
no ser mulher
quanta no ser homem,
e digo que não há nada maior
do que uma mãe de homens.

Canto o cântico da expansão e orgulho:
já temos tido o bastante
em esquivanças e súplicas,
eu mostro que tamanho
nada mais é do que desenvolvimento.

você já passou os outros,
já chegou a Presidente?
É pouco: até aí hão de chegar
e irão ainda mais longe.

Eu sou aquele que vai com a noite
tenra e crescente,
e invoco a terra e o mar
que a noite leva pela metade.
Aperte mais, noite de peito nu!
Aperte mais, noite nutriz magnética!
Noite dos ventos do sul,
noite das poucas estrelas grandes!
Noite silenciosa que me acena
- alucinada noite nua de verão!

Sorria, ó terra cheia de volúpia,
de hálito frio!
Terra das árvores líquidas e dormentes!
Terra em que o sol se põe longe,
terra dos montes cobertos de névoa!
Terra do vítreo gotejar da lua cheia
apenas tinta de azul!
Terra do brilho e sombrio encontro
nas enchentes do rio!
Terra do cinza límpido das nuvens,
por meu gosto mais claras e brilhantes!
Terra que faz a curva bem distante,
rica terra de macieiras em flor!
Sorria: o seu amante vem chegando!

Pródiga, amor você tem dado a mim:
o que eu dou a você, por tanto, é amor
- indizível e apaixonado amor!

Walt Whitman

Nota: Canto a Mim Mesmo

Quero dizer o que eu penso e sinto hoje, com a condição de que talvez amanhã eu vá contradizer tudo.

O ser humano cultuará algo, não tenha dúvidas sobre isso. Podemos pensar que nosso tributo é pago em segredo no recesso escuro de nossos corações, mas ele se revelará. Aquilo que domina nossas imaginações e nossos pensamentos determinará nossa vida e nosso caráter. Portanto, cabe a nós ter cuidado com o que adoramos, pois o que nós estamos venerando nós estamos nos tornando.

As pessoas podem duvidar do que você diz, mas acreditarão sempre no que você faz.

Oscar Wilde disse:
"O casamento é o fim do romance e o começo da história."

A vida vem com sonhos!
Nós devemos escolher
aqueles que mais se adaptam ao nosso querer.
Sonhos perfumados são sempre intensos!
E quando o tocamos,
Trazemos todos os aromas da vida.
E com eles construímos a maior sociedade do mundo.
Aquela que nos dará a nossa identidade.
Apoio e força para seguirmos adiante.
O casamento!
Esse é um sonho inesquecível.
O começo de uma história bordada de sonhos e esperanças!

Último Soneto

Já da noite o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito, embalde num macio encosto,
Tento o sono reter!… Já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece…
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,
Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!
Volve ao amante os olhos, por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

Do meu outono os desfolhos,
Os astros do teu verão,
A languidez de teus olhos
Inspiram minha canção...

E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!

Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Porque não consentes, num beijo de amor,
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar!

Fala-me, anjo de luz! És glorioso, à minha vista na janela à noite, como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos froixos olhos (...)
A noite vai bela, e a vista desmaia
Ao longe na praia, do mar!

A obsessão do sangue

Acordou, vendo sangue... Horrível! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer,
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! Certamente não podia ser!

Levantou-se. E, eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer
Fita rubra de sangue muito grosso,
A carne que ele havia de comer!

No inferno da visão alucinada,
Viu montanhas de sangue enchendo a estrada,
Viu vísceras vermelhas pelo chão...

E amou, com um berro bárbaro de gozo,
O monocromatismo monstruoso
Daquela universal vermelhidão!

Augusto dos Anjos
ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Ceticismo

Desci um dia ao tenebroso abismo,
Onde a Dúvida ergueu altar profano;
Cansado de lutar no mundo insano,
Fraco que sou, volvi ao ceticismo.

Da Igreja - A Grande Mãe - o exorcismo
Terrível me feriu, e então sereno,
De joelhos aos pés do Nazareno
Baixo rezei, em fundo misticismo:

- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa!
Se esta dúvida cruel que me magoa
Me torna ínfimo, desgraçado réu.

Ah, entre o medo que o meu Ser aterra,
Não sei se viva pra morrer na terra,
Não sei morra pra viver no Céu.

Augusto dos Anjos
ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Primavera

Primavera gentil dos meus amores,
- Arca cerúlea de ilusões etéreas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul, dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarão a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerúleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

Augusto dos Anjos
ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Eterna mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
E que essa mágoa infinda assim não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Augusto dos Anjos

Nota: Trecho de "Budismo Moderno": Link

Vozes de um túmulo

Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho
Destes meus olhos apagou!... Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!

Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!

Versos a um coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números
A tua conta não acaba mais!