Poemas sobre Guerra

Cerca de 5731 poemas sobre Guerra

Invocação
(a uma filha morta)


Ontem a minha dor foi tão grande
como um terramoto
que vertiginosamente correu
para dentro da loucura.
Foi da espessura da morte!
As árvores podem correr
para mim de braços abertos
as rosas do campo sorrir,
que os lírios choram por dentro de mim
às portas da sepultura
onde te foram a enterrar.
À tua chegada
transformaram-se os céus noturnos
em nítidos céus
e chama
e calor
e luz,
quando tu os abriste
com ígnea chave em tua mão
tão franzina.
Interrompeu-se o olhar
sobre a terra
que te cobriu.


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Rebenta a manhã como um punhal
de gritos
na caserna
O arame farpado
que serve de paredes frágeis a este quartel
improvisado
foi cortado durante a noite
Há marcas evidentes do inimigo
e da sua passagem traiçoeira
por aqui
Estremece o sangue nas veias
a raiva corta os pulsos
e o medo apodera-se de todos nós
Não há heróis,
existe apenas
a cruz de guerra entregue ao pai
ou ao filho que o pai não conheceu
e a memória sentida
escrita no mármore da sepultura


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

O comboio levou-me para o leste em direção à fronteira com a Zâmbia. Eram nove e quinze da manhã, daquele dia chuvoso de dezembro de 71. Dia 12. Exatamente como imaginava!
Apenas viajámos de dia. À noite, pernoitámos em Silva Porto. A partir daqui e até ao Luso, à frente da máquina que puxava as carruagens, ia outra a servir de rebenta minas.
E os meus poemas começaram a nascer… sobre o joelho, onde apoiava o papel, escrevia:

“Espera-me.
Até quando não sei dizer-te,
mas afianço-te
com fé
que voltarei!

Espera-me nas tuas manhãs vazias
nas minhas tardes longas
nas nossas noites frias
e não escondas de mim essa lágrima
teimosa
onde está escrito
“não te vejo nunca mais”

Não esqueças o que fomos ontem
se o amanhã não existir
ou não voltar,

recorda o hoje
permanentemente
mesmo que não haja cartas
que nos possam recordar.

Nova Lisboa, Angola, 12 de dezembro de 1971
- para uma comissão de 14 meses no Leste de Angola, C. Caç. 205 (Cacolo), integrada no Batalhão de Caçadores 2911 (Henrique de Carvalho)


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Todos recebiam cartas
e discos pedidos
ao domingo
no Rádio Clube de Huambo
a mais de mil e duzentos quilómetros…
era a emissora que mais se ouvia

Só ele,
porque exatamente ele era só
e de longe
(talvez de lugar nenhum),
o furriel Abreu Gomes
nem uma letra vertida em magra folha de papel

Vingava-se da solidão no cigarro
que um após outro fumava

Enrolava-os com perícia tal
no fino papel de mortalha,
dois a dois de cada vez,
como se ali depositasse os fios da vida
que queimava,
como se estivesse a fechar para sempre
as abas do seu caixão

Aquele livro de mortalhas
e a cinza do cigarro queimado
que lhe morria pendurado na boca,
tinha a brevidade da vida
que ali se vivia a cada hora que passava


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Olhei-me em cima da berliet
com o coração tolhido de medo

Aqui não há heróis…
até os mais audazes na vitória
sentem medo

As mãos vazias
seguram com firmeza
estranha
a espingarda G3
que me deram para matar,
a única companheira segura
de todos os dias e noites

As nuvens de sangue ao longo da picada
abreviam a morte


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Terra de medo
e de dor
e de sonho também…

Lá fora o vento que zumbe
e uiva
e fustiga ameaçador e célere passa…

o vento a quem tudo pergunto
e nada me diz

O vento que volve e revolve
e varre
as folhas secas das mangueiras
plantadas no terreiro
que serve ao quartel de parada

O vento que zumbe e uiva
tresloucado
no negrume da noite que dói e mata

O vento que fustiga e passa
as frágeis paredes da vida
dentro do arame farpado


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

À volta de mim, o terror e a morte…
olhares de medo
fixos na imensidão do vácuo
interrogam-se mudos
inquietos…

dolorosamente pensam na razão
de tal sofrer

Mas não choram porque o pranto
se esgotou há muito
neste inquieto viver

Ah! Se eu soubesse ao menos rezar…

Rezava por ti
ó homem verme, tirano e sádico
que por prazer destróis;

Rezava por ti
ó governante ganancioso e brutal
que o mais fraco aniquilas;

Rezava por ti
ó deus, que já nem sei se existes,
pela geração que criaste
e abandonaste



In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Desperto…
minhas mãos frias
crispam os dedos inertes
no gatilho da espingarda

Debaixo de mira
numa linha reta que dificilmente erro,
o alvo
Um corpo negro,
meio nu…

Apenas o cobrem os restos daquilo que foi
um camuflado zambiano
Veste no rosto,
encimado por um chapéu também camuflado,
a raiva

Para ele nós somos o invasor,
o inimigo a abater que importa liquidar
ainda que connosco tenha aprendido
rimas de civilização

Nós somos o invasor que (ele) quer
expulsar
destruir
aniquilar

E ele, para mim, o inimigo de ontem
será o amigo de amanhã
a quem hei-de abraçar



In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Há corpos espalhados pelo chão
à minha frente

Nos seus rostos lívidos
cor de cera
morreu a esperança com a chegada da morte
no frio gume da catana

Jazem à sombra das mangueiras…
a morte passou por ali

Corpos decepados
esventrados
violentados
num rio de sangue pelo chão…

Ali apenas as varejeiras têm vida e voz
no zunido e na cegueira de beber
Sugam famintas de sede
o sangue ainda quente dos cadáveres

Zunem de sofreguidão na disputa
do sangue vertido
dos corpos esquartejados
pelos golpes das catanas

Para lá da orla da mata ainda o eco
dos gritos de vitória e os risos satânicos
de alegria e morte no ar
numa mistura de feitiço e de liamba


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Perdi os poemas ébrios
de ritmo
feitos ao sol da manhã

Esse tantã longínquo que me acordava
manhã cedinho
antes de subir na minha bicicleta
reduzida ao mínimo para pedalar até ao liceu,

acordava-me como uma loa,
cântico virginal
puro…
ou como um ritmo escondido
no regaço da mais linda mulata
da sanzala

Um poema ébrio de ritmo
órfico
em dionisíaca celebração
um cântico mestiço
místico
pagão
negro soneto espúrio
de um povo híbrido de muitos deuses
e de mais irmãos ainda…

Hoje o meu poema já não é ébrio
de ritmo
nem o som do tantã tem o sol puro
erguido pela manhã
cedinho

O meu poema é de sangue
e dor
lavrado pelo frenesim dos tiros

O tantã que me acordava
manhã cedinho
e trazia no som o ritmo
dos beijos,
hoje
já não me acorda deste sono
que não durmo
sobressaltado

O tantã traz agora na sua voz longínqua
o som próximo
da metralha


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

No ar, o medo e o silêncio sepulcral
a invadir
os primeiros raios da manhã

Corações sobressaltados
em prece e oração…
muitos sem saberem sequer rezar

No trilho traiçoeiro
espreitava a morte a cada passo
que se desse em falso
na picada

Sem perder de vista o combatente
à nossa frente
perscrutávamos, no lusco fusco do alvorecer,
as sombras que se dissipavam
por entre as silhuetas das bissapas

Nas mãos doridas,
por matar,
o peso da G3 engatilhada
dos soldados

De repente o grito e a dor
pelo estrondo e pela morte trazida
no estilhado e no sopro da granada

As lágrimas morriam afogadas
pela raiva e ódio surdo
nos corpos amputados


In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

Entre os teus lábios
entreabertos
inchados pela morte
e gretados pelo calor que te calcinava
os ossos desfeitos
ainda antes de morreres,
passeava-se uma mosca varejeira
ufana de sua propriedade encontrada

No ar
adivinhava-se o som das palavras
que não chegaste a proferir…

Talvez uma oração…
ou uma prece ao teu deus de ti tão distraído
a quem imploraste a ajuda sem te socorrer

Ou à mulher distante
de quem não chegaste a conhecer
o filho que lhe deixaste no ventre



In “Há o Silêncio em Volta” (poética de guerra), edições Vieira da Silva do poeta Alvaro Giesta

Inserida por alvarogiesta

De Joelhos não tropeçamos.
Orando já estamos guerreando.
Só viveremos de Glória em Glória, se vivermos de batalha em batalha.
As maiores batalhas serão no secreto, os maiores aprendizados também.

Inserida por CintiaHelena

Advertência

Há poetas que só fazem versos de amor
Há poetas herméticos e concretistas
enquanto se fabricam
bombas atômicas e de hidrogênio
enquanto se preparam
exércitos para guerra
enquanto a fome estiola os povos...

Depois
eles farão versos de pavor e de remorso
e não escaparão ao castigo
porque a guerra e a fome
também os atingirão
e os poetas cairão no esquecimento…

Inserida por pensador

Deus não escreve livros,
escreve homens e Universos.
Homens escrevem versos
e constroem pontes e fazem guerras.

Inserida por anderaosnagib

Aqui, neste silêncio, aonde grita
o mal sobre a matéria, o mundo gera;
Aqui, não há sinais da primavera,
há Deus e a liberdade circunscrita.

Aqui, o mal se espalha, o bem se cerra,
as ruas, antes fartas, estão desertas;
aqui, todas as horas são incertas,
no mal que leva a paz e traz a guerra.

Inserida por AntonioPrates

⁠PRECONCEITO

Esse tema é complicado,
Só falando se dá jeito,
Conceito desfavorável
Que se tem a seu respeito.
Quando alguém lhe desmerece,
Mas nem mesmo lhe conhece,
É o mal do preconceito.

Tem gente que acredita
Numa tal religião.
Catolicista, budista?
O que vale é a adoração!
Quem é certo? Cristianismo?
Ou seria o Islamismo?
Todos povos são irmãos!

Quem seria a melhor raça?
A que vem de tal cidade?
Qual Estado? Qual país?
Quem tem superioridade?
Negra cor? Ou branca pele?
Bem melhor que se nivelem
E se tratem na igualdade!

Haveria menos guerra
Se o homem pensasse mais.
Não é tão difícil assim,
Vamos ver o mundo em paz?
Basta você respeitar.
Diferenças? Aceitar.
Todo mundo é capaz!

Inserida por RomuloBourbon

⁠Nossa vida se transcorre dentre as trincheiras de uma batalha incessante. Como nosso equilíbrio perante todos tenha que ser mantido, pelas leis que regem esta epopeia humana, onde ninguém é imortal, vencer sempre, será no mínimo irreal e desumano, a glória de uns representará, quase sempre, a derrota de outros, porém, mesmo que vez ou outra fique com a derrota, isto não será nenhuma tragédia a ser sentida como o fim de tudo, mas sim como um recomeço.
E é no ânimo desta nova oportunidade que a vida irá reflorescer, que aquele sorriso tênue que se esvaia, volta a tomar o lugar da tristeza, pois a felicidade só será completa quando a intermediamos com as infelicidades superadas, nos habilitando assim com o aprendizado adquirido, que ira nos acompanhar pela vida afora.
(teorilang)

Inserida por ivan_teorilang

⁠#O #TREM

Soavam 5 horas da manhã...
No ar um cheiro forte de café fresco...
Um pão banhado na manteiga...
Badalo de um sino...
Um dia um trem passou por aqui...

Levava e trazia as pessoas...
O túnel dava seu ar de mistério e medo...
Em bons tempos de criança...
Caminhando sobre os trilhos...

Tanta busca da felicidade...
Tanta gente simples...
Outras tantas humildes...
Muitas cheias de vaidade...
Hoje tudo só é saudade...

Carregou gente pobre...
Carregou gente com dinheiro...
Carregou imperador...
Escravos e fazendeiros...

Levou e trouxe amores...
Para a guerra partiu...
Muitos foram e não voltaram...
Muitos ninguém mais viu...

Gente feliz de verdade...
Coração banhado em bondade...
Lenços acenados...
Belos olhos marejados...
De corações apaixonados...

A viagem, se longa, não sei...
Mudar o rumo, talvez...
Será sempre um passeio viver...
Conduzir e ser conduzido...
Dar à vida...
Um sentido...
De poder ter existido...

De tudo que viver, uma coisa é certa:
Não se canse da viagem, prossiga
Um trem hoje parado...
Já passou por aqui...
Nunca desista...

Sandro Paschoal Nogueira

⁠O Soldado
Soldado em tempo de paz, inútil,
Ganha dinheiro por existir
E nada faz senão sorrir,
Pois da sua missão não sai produto.
Soldado em tempo de paz, sanguessuga,
Enquanto os outros estão a trabalhar
Ele passa o dia a brincar
Com arma na mão, a correr no campo.
Soldado em tempo de paz, invisível,
Não dormiu hoje, porque será?
Não aparece há um mês, onde estará?
Foi para o estrangeiro passear, só pode ser!
Soldado em tempo de paz, ignorante,
Passou o dia sem comer, só porque sim,
Desfaleceu quando corria ao calor, enfim,
Porque recebe tanto se tão pouco dá...
Explode bomba, o país treme,
O que será que aconteceu?
A cidade quebrou, a vida perdeu,
Fujo com medo, mas lá vem o soldado...
Soldado em tempo de guerra, lutou,
Tão bravo que é, no entanto morreu,
Enorme que foi, por ele aqui estou eu,
Tão pouco lhe deram, o pobre coitado.
Soldado em tempo de guerra, valente,
Aguentou sem comer, não viu a cama,
Corre ao sol, alguém o chama,
Salvou mais alguém, é um herói!
Ganhamos a guerra, voltou a paz,
Poucos soldados que eram, deveriam ser mais,
Tudo o que lhes ofereçam não é demais,
Enfrentaram a morte e a minha família viveu.
Soldado em tempo de paz, incómodo,
Atira-se para o chão quando estoura um balão,
Não se dá com ninguém, vive na solidão,
Mudo de lado na rua para não ter que o ver.
Soldado em tempo de paz, esquecido
Já tinha ele saudades de quando era inútil,
Passava o tempo a treinar, para um dia ser útil
E só sabia sorrir, junto aos camaradas agora caídos.
Soldado em tempo de paz, são tantos,
Acabem com eles, não servem para nada,
Passam os dias em pé na parada
E marcham para o treino, a brincar com a arma.
Soldado inútil, sanguessuga, ignorante...
Finge o soldado que nada está a ouvir
Para o seu país continuar a servir
E dar a vida pela sua pátria, como jurou fazer.

Inserida por nfj