Poemas de Bocage

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Noite tempestuosa

O céu das opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite feia,
Mugindo sobre as rochas, que salteia,
O mar em crespos montes levantado;

Desfeito em furações o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta areia;
O pássaro nocturno que vozeia
No agoireiro ciprestes além pousado;

Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, gratos à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridão, há mais tristeza.

Se amor vive além da morte.
Constância eterna hei-de ter;
Se amor dura só na vida,
Hei-de amar-te até morrer.

Morrer é pouco, é fácil; mas ter vida
Delirando de amor, sem fruto ardendo,
É padecer mil mortes, mil infernos.

Nascemos para amar; a Humanidade

Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.

Tu és doce atractivo, oh fermosura,

Que encanta, que seduz, que persuade.

Quantas vezes, Amor, me tens ferido!

Quantas vezes, Razão, me tens curado!

Quão fácil é de um estado a outro estado!

O mortal sem querer é conduzido!

Nos torpes laços de beleza impura

Jazem meu coração, meu pensamento...
Bocage

Vai sempre avante a paixão,
Buscando seu doce fim;
Os amantes são assim:
Todos fogem à razão.

Só tu, meu bem, me arrebatas
A vontade, o pensamento;
Vivo de ver-te e de amar-te,
E detesto o fingimento.

Quase tudo que é raro, estranho, ilustre, da vaidade procede.
Nas paixões a razão nos desampara.
A frouxidão no amor é uma ofensa.
Quem é muito amado, não é muito amante.

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não Caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia

Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia

Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!

Amor em sendo ditoso
Costuma ser imprudente,
E nos gestos de quem ama
Logo o vê quem o não sente.

"Já Bocage não sou!"

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

"Outro Aretino fui... A santidade
Manchei...Oh!, se me creste, gente impia,
Rasga meus versos, crê na Eternidade!"

Meu Ser Evaporei na Lida Insana

Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.

De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua origem dana.

Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.

Deus, oh Deus!… Quando a morte a luz me roube,
Ganhe num momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

Por entre a chuva de mortais peloiros
A nua fronte enriquecer de loiros
Eu procuro, eu desejo,
Para teus mimos desfrutar sem pejo,
Pois quem deste esplendor se não guarnece,
Não é digno de ti, não te merece.

Nascemos para amar; a Humanidade
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura.
Tu és doce atractivo, ó Formosura,
Que encanta, que seduz, que persuade.

Enleia-se por gosto a liberdade;
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura,
Chamam-lhe alguns então felicidade.

Qual se abisma nas lôbregas tristezas,
Qual em suaves júbilos discorre,
Com esperanças mil na ideia acesas.

Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.

A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;

Com extremo e fervor se recompensa.
Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;

Em sombras a razão se me condensa.
Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.

Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,

Que o sereno clarão da madrugada!
Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena

Em que esta alma infeliz jaz sepultada;
Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;

Vem, solta-me o grilhão da adversidade;
Dos céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade!

Apenas vi do dia a luz brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e enfim meu fado,
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da Pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.

Eu, que não satisfeito
De combater, de triunfar na Terra,
Convosco tenho feito
Aos próprios Céus inevitável guerra

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Infeliz! Que arrogância,
Que imprudência, que fado ou que desdita
Te guia à negra estância
Aonde o tempo com a Morte habita?

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Purificando co' um sorriso o dia,
Afáveis olhos para mim volvendo,
Me diz : «Não chores, ó mortal, não chores;»

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Eis os sorrisos que, a Tristeza amarga
De vós banira com decreto horrendo
Ei-los de novo sobre vós, ó minhas
Pálidas faces!

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