Poema o Amor segundo Carlos Drummund de Andrade

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A poesia é uma criação da cultura, mas esta deve permanecer invisível no poema.

O quarto em desordem.

Na curva perigosa dos cinquenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor

que não se sabe como é feita: amor,
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar

a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais defeso, corpo! corpo, corpo,

verdade tão final, sede tão vária,
e esse cavalo solto pela cama,
a passear o peito de quem ama.

ENTRE O SER E AS COISAS

Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

Às almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago brando
o que é de natureza corrosiva.

Nágua e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.

Se os homens soubessem como as mulheres passam o tempo quando estão sozinhas, nunca se casariam.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Se você está com olhos bem abertos, experimente fechá-los...
Agora, abra-os somente para o lado de dentro. Chegou a hora de visitar por uns instantes seu mundo interior.
Passeie calmamente aí por dentro de você, detendo-se longamente às boas imagens que você tem guardadas.
Não há qualquer problema em visitar o seu arquivo, ou o seu velho baú, desde que seja para buscar inspiração no passado, alimentar e dar força ao presente. Atenha-se ao que de mais precioso você viveu.
Alguém especial vem se formando e se moldando pelo tempo e pela história desse tempo.
Você é feliz pelo sonho de criança que você vem cultivando dia após dia, ano após ano.
Se quiser abrir os olhos, abra-os bem e procure revelar a criança que ainda brilha em você, agradeça. A vida continua. Hoje vai ser mais um dia na construção da sua história.
Está no ar a criança que você sempre preservará dentro de si.
Coração aberto, sorriso pronto, abraço fácil, beijo sincero.
Na rua, no trabalho, em casa, todo mundo vai notar que está diante de alguém muito especial.

O pássaro é livre
na prisão do ar.
O espírito é livre
na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçadas na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."

Carlos Drummond de Andrade

Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar
A água está podre.
Nem me ensaboar
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos

(A mão suja)

É sempre nos meus pulos o limite
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.

Carlos Drummond de Andrade

Nota: in Enterrados Vivos

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas

do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.

E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.

O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.

“O tempo é a minha matéria,
O tempo presente,
Os amores presentes,
a vida presente.”

Voto
O voto, arma do cidadão,
dispara contra ele.

(In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)

Amizade

O amigo que se torna inimigo fica incompreensível;
o inimigo que se torna amigo é um cofre aberto.

Um amigo íntimo – de si mesmo.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho
[...]
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte.

A Mesa (excerto)

E não gostavas de festa...
Ó velho, que festa grande
Hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
E o que gosta de beber,
Em torno da mesa larga,
Largavam as tristes dietas,
Esqueciam seus fricotes,
E tudo era farra honesta
Acabando em confidencia.

Ai, velho, ouviria coisas
De arrepiar teus noventa.

.......

Pois sim. Teu olho cansado,
Mas afeito a ler no campo
Uma lonjura de léguas
Entrava-nos alma adentro
E com pesar nos fitava
E com ira amaldiçoava
E com doçura perdoava
(Perdoar é rito dos pais,
Quando não seja de amantes)
"......."
Mais adiante vês aquele
Que de ti herdou a dura
Vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
Reproduzir sobre a terra
O que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer seu amor
seja uma prisão de dois,
Um contrato, entre bocejos
E quatro pés de chinelo.

.....

Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.
Ninguém dirá que ficou faltando
Algum dos teus. Por exemplo:
Ali ao canto da mesa,
Ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
Ficou apenas: a vida
( e nem era assim tão boa
E nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
Tenho todos os defeitos
Que não farejei em ti,
E nem os tenho que tinhas,
Quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
Com ser uma negativa
Maneira de te afirmar.

.....
Tão ralo prazer te dei,
Nenhum, talvez...
Ou senão, esperança de prazer,
É, pode ser que te desse
A neutra satisfação
De alguém sentir que seu filho,
De tão inútil, seria
Sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
Mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
O meu coração chateado.
Se me chateio? Demais.
Esse é meu mal. Não herdei
De ti essa balda.
.......

Dai, Senhor, o mais fino paladar
a quem tem por missão alimentar.

(In: Poesia Errante, 1988.)

Se há dois testamentos, o antigo e o novo, conviria instituir
um terceiro, para acabar com as contradições entre eles.

( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)

Arquitetura

A arquitetura diverte-se projetando construções
para esconder os homens uns dos outros.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

Carta

Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as noticias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são galopes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao desperta, revejo a um conto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho.
(Lições de coisas)

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