Olhar Vazio
No vazio cabe um monte de coisa, mas nenhuma se encaixa. Todas deslizam pelo rio de lágrimas que inundam todos os meus andares vazios. A hora que eu chorar, vai ser o choro mais triste do mundo.
Mas chega. Hoje decidi que estou prestes a assumir meu coração vazio. Não decidi isso movida por uma grande coragem ou por um momento de iluminação. Nada grandioso aconteceu. Apenas sinto que dei um pequeno, quase imperceptível, passo para uma vida mais madura. Eu simplesmente não suporto mais pintar o céu de cor-de-rosa para achar que vale a pena sair da cama.
E assim é o ser humano: tão vazio que se preenche com qualquer coisa, por mais insignificante que seja.
O vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu – a meu mistério.
Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite. Embora não aguente bem ouvir um assovio no escuro, e passos.
Quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.
É melhor eu não falar em felicidade ou infelicidade – provoca aquela saudade desmaiada e lilás, aquele perfume de violeta, as águas geladas da maré mansa em espumas pela areia. Eu não quero provocar porque dói.
(Mas quem sou eu para censurar os culpados? O pior é que preciso perdoá-los. É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não se ame o criminoso que nos mata. Mas não estou seguro de mim mesmo: preciso perguntar, embora não saiba a quem, se devo mesmo amar aquele que me trucida e perguntar quem de vós me trucida. E minha vida, mais forte do que eu, responde que quer porque quer vingança e responde que devo lutar como quem se afoga, mesmo que eu morra depois. Se assim é, que assim seja.)
Irei até onde o ar termina, irei até onde a grande ventania se solta uivando, irei até onde o vácuo faz uma curva, irei aonde meu fôlego me levar.
O ouvido é feminino, vazio que espera e acolhe, que permite ser penetrado. A fala é masculina, algo que cresce e penetra nos vazios da alma.
Algo de que eu tinha certeza (…), sabia no fundo de meu peito vazio - era que o amor pode dar às pessoas o poder de despedaçar você. Eu fora irremediavelmente despedaçada.
É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias. Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe… Como seria bom se as outras pessoas fossem vazias como o céu, e não tão cheias de palavras, de ordens, de certezas. Só podemos amar as pessoas que se parecem com o céu, onde podemos fazer voar nossas fantasias como se fossem pipas.
Almas em reencontro
Na imensidão do vazio da minha vida,
eu me procuro em alguma parte que não acho.
Eu vasculho nas minhas coisas em busca de algo que eu não sei.
Ando pelas ruas sem o “GPS” do meu coração,
afastando-me assim do medo de uma nova ilusão.
Mas me perco em estreitos becos da minha insanidade.
E a sua ausência de pessoa que eu não conheço, mas busco,
que não sei como se chama, mas que grito o nome vagamente…
Não tenho a menor idéia de como nos encontraremos,
mas sinto que há um fio, uma linha que hoje está cruzada,
que me levará até você em linha reta,
e quando nossos olhos se encontrarem,
quando as nossas buscas se reunirem,
talvez na praça perto de casa,
ou naquela viagem distante onde fugi de mim mesmo,
mostrarão o tamanho das nossas necessidades.
Nos entregaremos então,
na volúpia do desejo da alma,
que muito além do prazer da carne ansiosa,
da boca sedenta e sequiosa,
se entrega em doces devaneios,
sonhos de apaixonados em uma tarde qualquer,
de um ano qualquer,
em um ponto do mapa,
onde só os corações que se entregam ao amor sabem onde é.
Eu já sou parte de você,
ainda que você não saiba.
Almas prometidas, guardadas um para o outro.
Amor além do tempo, amor de reencontro.
No exato espaço de tempo que chamamos de futuro,
que pode ser extamente agora,
quando nos permitimos viver o amor mais de uma vez
É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias.
Para um roxo dia de sol de fevereiro
Este vazio de amor todos os dias: a cabeça pesada ao meio-dia, a boca amarga, um cheiro de sono e solidão nos cabelos, uma xícara de café bem forte espantando os arcanos da madrugada, e muitos cigarros, as roupas, o espelho, os colares, as pulseiras. Procuro e não acho. Mas saio para a rua todo de roxo, a barriga de fora.
O sol bate forte na cabeça. O sol bate forte e reflete na calçada e dissolve o corpo em gotas pegajosas escorrendo nojentas e brilhantes pelos braços e pelas pernas por baixo do roxo até cair sobre o asfalto formando pequenas poças que logo se evaporam subindo pelos raios do sol cor de cenoura de fevereiro para novamente descer do alto despertando o suor roxo adormecido no meu corpo.
E na esquina riem. Eu não ligo, mas riem e falam baixinho entre si, homens dispostos na calçada com as camisas abertas entre as verduras da tenda da esquina, os homens de pelos aparecendo pelas aberturas da camisa cochicham entre si e riem. Mas eu piso firme e ergo a cabeça e dentro do meu roxo caminho só-rindo entre as verduras e os cochichos, e ninguém entende: mas silenciam e principiam a rir baixo, apenas para eles, e não têm coragem de dizer nada. Eu passo por seu silêncio irônico e perplexo, a minha bolsa oscila, é como se o sol coroasse minha cabeça e ninguém soubesse ao certo se rir ou calar, de espanto, porque nunca naquela rua passou alguém coroado por um sol roxo de fevereiro.
Depois são os corredores e as escadas e o balcão claro do bar e os grupos de pessoas que não distingo umas das outras, mas vou sorrindo, sou um projétil orientado até certo ponto, depois dele, e é agora o depois dele vou furando o desconhecido, violentando o mistério, vou penetrando no incompreensível, e sorrio para o inesperado, o corpo ereto projetado, e alguém me faz uma saudação oriental na porta de entrada e eu sorrio ainda mais largo: é alguém semelhante a um cão são bernardo, falta apenas o barrilzinho de chocolate, desses abençoados que riem o tempo todo e o tempo todo cantam e dizem coisas e soltam notas musicais por entre os pelos espessos da barba e do cabelo grande.
E entro na sala e sinto que os olhares se debruçam sobre mim e cumprimento alguns e outros e não penso nada: gozo a glória deste momento e sei que brilho mesmo sem saber para onde vou. E tombo sobre a mesa e tento arranjar no rosto um ar compungido, qualquer coisa modesta e bucólica, à beira do perdão, um olhar no horizonte nas janelas do arquivo, para que me amem, para que se condoam, para que não se ofendam com meu sol de hoje.
Mas hoje. Hoje não. É impossível perdoar no meio destas máquinas histéricas e destas pessoas que tão pouco sabem de si destas calças desbotadas do feltro verde do jornal mural das vozes que passam misturando marchas de carnaval John Lennon e Carlos Gardel é impossível sofrer entre os telefones que gritam e o suor que escorre e as laudas numeradas e as pilhas de jornais e livros e a porta que de vez em quando abre libertando vanderléias comerciais e meninos de roupas coloridas e ar desvairado.
E hoje não. Que não me doa hoje o existir dos outros, que não me doa hoje pensar nessa coisa puída de todos os dias, que não me comovam os olhos alheios e a infinita pobreza dos gestos com que cada um tenta salvar o outro deste barco furado. Que eu mergulhe no roxo deste vazio de amor de hoje e sempre e suporte o sol das cinco horas posteriores, e posteriores, e posteriores ainda.
Soneto LXXVI
Por que está o meu verso tão vazio de rompantes novos?
Tão longe de variações ou de tempos diferentes?
Por que, com o tempo, não vislumbro eu
Novos métodos e variantes inéditas?
Por que escrevo eu ainda uno, sempre o mesmo
E mantenho a invenção em uma região conhecida,
Que cada palavra quase me conhece por nome,
Mostrando o seu nascimento e de onde proveio?
Ah, saiba, querido amor, eu escrevo sempre de ti,
E tu e o amor são ainda meu argumento;
Então todo o meu melhor é vestir de roupagem nova palavras velhas,
Gastando novamente o que gasto já foi;
Assim como o sol diariamente é novo e velho,
Assim também está o meu amor a dizer o que é dito.
A Um Coração
"Coração de Filigrana de Oiro"
Ai! Pobre coração! Assim vazio
E frio
Sem guardar a lembrança de um amor!
Nada em teu seio os dias hão deixado!…
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador? Não, frio coração! É que na terra
Ninguém te abriu…Nada teu seio encerra!
O vácuo apenas queres tu conter!
Não te faltam suspiros delirantes,
Nem lágrimas de afeto verdadeiro…
- É que nem mesmo o oceano inteiro
Poderia te encher!
Perdão pela falta de jeito. Mas, às vezes, perco o jeito com as coisas. O mundo me parece vazio e eu, decididamente, não gosto de vazios. O tempo nos atropela, a vida nos leva sem cerimônia, o trabalho nos cansa e a gente se pergunta, sem questionar: “Por quê?” E a resposta não chega. O motoboy não chega. O amor da sua vida não chega. A gente não se basta. A felicidade não bate à porta, não existe delivery para a sorte. E passamos a vida tentando, querendo, sonhando, esperando, num gerúndio sem fim, sem charme e sem nenhuma certeza no final. Ah, pára tudo! Se é pra viver, vamos viver direito. Com conteúdo. Troque o verbo, mude a frase, inverta a culpa. O sujeito da oração é você. A história é sua, mãos a obra! Melhore aquele capítulo, jogue fora o que não cabe mais, embole a tristeza, o medo, aceite seus erros, reescreva-se. Republique-se. Reinvente-se. E transforme-se na melhor edição feita de você. Então ame, apaixone-se, erre, erre quantas vezes forem necessárias... Sorria, brinque. Chore, beije, morra de amor, sinta, sonhe, cante, grite, viva... O fim nem sempre é o final, a vida nem sempre é real, a roda nem sempre é gigante, o passado nem sempre passou, o presente nem sempre ficou, o hoje nem sempre é agora. O tempo... o tempo não pára!
O grande vazio em mim será o meu lugar de existir; minha pobreza extrema será uma grande vontade. Tenho que me violentar até não ter nada, e precisar de tudo; quando eu precisar, então eu terei, porque sei que é de justiça dar mais a quem pede mais, minha exigência é o meu tamanho, meu vazio é a minha medida.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá lá fora
cai macio dentro de mim?