O Amor Esquece de Comecar Fabricio Carpinejar
Caso esteja se sentindo muito só, caso seu coração ainda seja puro, caso seus olhos ainda conservem o deslumbramento de uma criança, você descobrirá que as estrelas lhe sorriem e que você poderá ouvi-las como se fossem 500 milhões de sinos.
"Bom dia", disse a raposa.
- "Bom dia", o Pequeno Príncipe respondeu educadamente. "Quem é você? Você é tão bonita de se olhar."
- "Eu sou uma raposa", disse a raposa.
- "Venha brincar comigo", propôs o Pequeno Príncipe. "Eu estou tão triste."
- "Eu não posso brincar com você", a raposa disse. "Eu não estou cativada."
- "O que significa isso - cativar?"
- "É uma coisa que as pessoas freqüentemente negligenciam", disse a raposa. "Significa estabelecer laços." "Sim", disse a raposa. "Para mim você é apenas um menininho e eu não tenho necessidade de você. E você por sua vez, não tem nenhuma necessidade de mim. Para você eu não sou nada mais do que uma raposa, mas se você me cativar então nós precisaremos um do outro".
A raposa olhou fixamente para o Pequeno Príncipe durante muito tempo e disse:
- "Por favor cativa-me."
- "O que eu devo fazer para cativar você?", perguntou o Pequeno Príncipe.
- "Você deve ser muito paciente", disse a raposa. "Primeiro você vai sentar a uma pequena distância de mim e não vai dizer nada. Palavras são as fontes de desentendimento. Mas você se sentará um pouco mais perto de mim todo dia."
No dia seguinte o principezinho voltou.
- "Teria sido melhor voltares à mesma hora", disse a raposa. "Se tu vens por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens por exemplo a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos".
Então o Pequeno Príncipe cativou a raposa e depois chegou a hora da partida dele.
- "Oh!", disse a raposa. "Eu vou chorar".
- "A culpa é sua", disse o Pequeno Príncipe, "mas você mesma quis que eu a cativasse".
- "Adeus", disse o Pequeno Príncipe.
- "Adeus", disse a raposa. "E agora eu vou contar a você um segredo: nós só podemos ver perfeitamente com o coração; o que é essencial é invisível aos olhos. Os homens têm esquecido esta verdade. Mas você não deve esquecê-la. Você se torna eternamente responsável por aquilo que cativa."
Nota: Trecho do livro "O pequeno príncipe"
– Que é preciso fazer? Perguntou o pequeno príncipe.
– É preciso ser paciente – respondeu a raposa. – Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada, te sentarás mais perto...
Transforma-se o amador na coisa amada, por virtude do muito imaginar, não tem o algo mais que desejar, pois já tenho em mim a parte desejada.
“Eu” – pensou o pequeno príncipe, – “se tivesse cinqüenta e três minutos para gastar, iria caminhando calmamente em direção a uma fonte...”
SEGREDO ENTRE DEUS E O HOMEM
Fabricio Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi
Raramente você atravessará a encarnação sem experimentar amor, a amizade, a esperança e o ódio. Mas pode morrer sem nunca conhecer a misericórdia.
A misericórdia não é racional, extrapola a lógica e a balança dos pensamentos coloquiais entre o certo e o errado.
A misericórdia é oferecer chance para quem não merece, é alcançar o perdão para quem recusou a penitência, é emprestar coragem a um covarde, é carregar alguém nas costas do inferno ao paraíso.
Não ser capaz da misericórdia é humano. Não tem nada de errado. Pois Deus criou algo realmente incompreensível, inaceitável e perigoso dentro do coração.
Não confunda misericórdia com complacência. Não significa ceder, porém apoiar na mais completa adversidade.
Assim como é fácil a remissão após longo tempo ou no momento em que os acontecimentos esfriam. Misericórdia mesmo unicamente tem sentido quando o sangue está quente e a raiva recente de seus ressentimentos.
Misericórdia é um suspiro no interior de um soluço, é uma lágrima que molha as palavras da boca. Não tem como entender. Às vezes não há como aceitar. Estraga a sociedade e a convivência, desfaz a hierarquia dos pecados e o entendimento da redenção pelo esforço.
Misericórdia abole o julgamento, cria exceções insuportáveis, mima a maldade. É um apoio sumário, sem aguardar contrapartida e recompensas.
Só será feita por quem tem estômago forte, caráter transcendente e pulso firme. Os fracos não aguentam os revezes da culpa.
Misericórdia é quando um sobrevivente do holocausto desculpa um nazista, é quando uma mãe não se vinga do assassino de seu filho, é quando a vítima da violência se solidariza com as condições do agressor.
Misericórdia é quando você tem todos os motivos para perder a fé e, estranhamente, reforça os votos de crença na vida.
Carpinejar disse: “A mulher que fica quieta numa briga já está fazendo a mala”. É bem assim. Se tem uma coisa que mulher sabe é FALAR. Se ela começa a ficar quieta demais, MEU AMIGO, pode se preparar.
Os Três Mal-Amados
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruína do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridículo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia - talvez vá mesmo para a cama contigo.
Nos favores de dinheiro, aquele que devia lembrar-se, esquece-se; aquele que devia esquecer, lembra-se.