O Amor Esquece de Comecar Fabricio Carpinejar
JUSTIÇA CERTA
P/ Taty
Bater o martelo
faz doer a cabeça do prego
Na lábia legal constituída
por códigos de sabedoria
conciliação entre as partes
para a alegria do inteiro
Sem essa de vigiar e punir
Na tribuna do zelar e compreender
fazer direito
compreendendo o esquerdo do mundo
* Marcos Fabrício
AMIGO É MORADA
Amigo é a morada que nos abriga
Amigo é a mola quando estamos sem chão
Amigo é a janela para arejar nossa casa
Amigo sopra o olho para espantar o cisco que atrapalha a visão
Amigo anima festa quando estamos de luto
Amigo oferece ouvido de graça para ligações a cobrar
Amigo é o passarinho que lembra que a gente sabe voar
Amigo tem boca santa para proteger a nossa existência
Amigo é a surpresa mais esperada da vida
Amigo me esquenta com beijos e abraços
Amigo conta piada e põe a gente no meio dela pra história ficar mais engraçada
Amigo é o nosso grande testador
Amigo tem papo reto
Amigo é o nosso relações íntimas
Amigo divide o copo para os dois molharem a palavra
Amigo rasga o verbo se o ato é ruim
Amigo fala o que a gente precisa ouvir
Amigo deixa de passar a mão na cabeça para não levar embora o nosso juízo
Amigo conhece bem as nossas virtudes
Amigo recicla os nossos defeitos
Amigo é bom de conversa e de silêncio
Amigo dá muito mais toques do que explicações
Amigo conhece de dentro quem é você por dentro
ECLIPSE SAGITÁRIO
Onírico: eis minha força motriz
em cada palmo de crina
só em beleza me embalo
Cavalgo céu a dentro
e sendo arqueiro - de impulso adestrado -
atiço eclipse
sol y lua
em
Sagitário
CAPRICA
Capricórnio
De córnea hígida y
Pupilas dilatadas
Nos córneos
A bússola
Aponta sem perder
Foco
Hora
Eu e o abacaxi, não estamos vestindo nada bem. Nele, os espinhos incomodam por fora. Em mim, eles incomodam por dentro.
Alve Verde
Sou apaixanada pela a única coisa no mundo que não me trai, mais sim me atrae.
Pode me fazer chorar, xingar, brigar com aquela amiga especial, mais também vai me fazer sorrir, gritar, da aquele abraço tão inesperado e surpresa na mesma amiga que brigou.
Vamos nos entender sem dizer uma palavra,
é um amor que não se explica, que não tem prazo de validade.
Amor que corre na veia, que pulsa da ponta dos pés ate o coração, amor que o tempo não apaga, que a distância não diminui.
Ser alve verde é saber que existiram dias de glórias, e outros poucos de derrota. E ainda assim não nos calamos, não baixamos a cabeça, lagrimas poderam surgir mais o vento se encarregará de enxuga-las.
Por fim sentir esse amor tanto imenso, só me faz perceber que por maior que seja meu amor uma pessoa, o meu amor pelo Palmeiras sempre vai ser incomparável, incontestável, insubstituível, inenarrávelmente superior a tudo que existe.
PÃO DE ILUSÃO
"Dona Maria vai à mesma padaria há 43 anos e alguns dias. Essa data traz a agonia inventada pela espontaneidade da vetustez. Alguns móveis da padaria, ao longo da modernidade, foram trocados por mármore gelado e mogno lustroso. Os donos do estabelecimento ainda não foram trocados. O padeiro continua com um semblante frio - tanto quanto o mármore - e a balconista, com a sua pele lustrada pela temperatura dos pães, estende dedos grossos para devolver o troco. Em todos esses anos, os formais comprimentos nunca foram trocados por nenhuma amizade com túnica mais interna. Dona Maria é apenas mais uma velha assídua que sempre compra o mesmo bolo de trigo. Os que estão na padaria, também são apenas os mesmos, apenas são, sem muitas túnicas internas, são superficialmente apenas duas almas sem recheio que Dona Maria vê ao longo de seus 43 anos. Por casualidade, há muitos calendários, Dona Maria vê os mesmos rostos, os mesmos objetos, come as mesmas comidas, veste os mesmos vestidos que cheiram a naftalina. Diga-nos, Dona Maria, diga como era o sol naquela década. Diga-nos, diga com dignidade como as pessoas se trajavam, nos diga sobre os programas televisivos, diga-nos se os corpos eram em preto e branco, diga se havia medo de ter esperança. Conte-nos, conte sobre hoje, conte sobre excesso de cores. Conte-nos como contas as moedas do cofre que guardas em cima da geladeira, qual valor tem a mudança. Para Dona Maria, a dinâmica do tempo não lhe foi muito generosa. Dona Maria aguarda, no cume de sua demência, que nada possa mudar, pois envelhecer é um fenômeno agudo, que esculpe pés de galinha e rugas sem muita cortesia estética. E ela inventa todos os dias mais um dia de monotonia, para que não alcance o desespero de um dia ter de que se reinventar. Dona Maria sabe que a eternidade não se vende em nenhuma padaria, mas que a alegria da ilusão lhe traz a sensação de poder ter desenhar a vida que se quer levar."
AMAR - ATO I
"Desde que se tornou verdade, todo medo era apenas mentira, sem parcimônia de sentir a ausência do cais que me era, da imensidão de sorrisos igualmente divididos. Com aqueles braços - que atravessavam-me sutilmente os poros - tod'alma fluía, vestida de lençóis translúcidos, delicados, mas hígidos o suficiente a passar por qualquer espinho sem nem causar ferida, partos e partidas. Partilhas comigo a razão das mais belas canções e da cólera incurável, da falta do ar. Desde que se tornou verdade, tudo se torna...transforma no ato de amar".
CARECA DE SAUDADE
Há pouco esmero nesse texto. Há pouco ele cresceu. Crespos, lisos, ondulados: tantos são os caminhos para a saudade. Trançados em raiz, espetados, penteados em et ceteras. E, mesmo em caminhos calvos, é algo que cresce, aumenta, cai. Tal vez, saudade. Cabelo, talvez. Arrepia e embaraça. Saudade é capaz conceber sentimentos de arrepiar e embaraçar qualquer sensatez. Há quem peleje ao pentear os fios desse tempo com o credo latente de que a saudade irá passar. Esforços em vão. Cabelo se corta, saudade também. Saudade logo cresce. O cabelo? Também!
PÉTALA POR PÉTALA
"Aprendi a andar sobre à vida sem as mãos, sem nenhum apego ou reflexo de segurança mediante ao perigo. Em minha riqueza de aptidões, a que mais contemplam é a terrível maneira como os cadarços se comportam. Os que se importam: sintam-se importantes. Equilíbrios aos equilibristas. Pra eu que tanto me dou bem e mal - pétala por pétala - sob o papel de malabarista, resta rogar habilidade na dinâmica das instabilidades."
SAPATO, VESÍCULA E CAMINHO
"Eu não escondo desconforto, mas, algumas pedras, encontram abrigos privilegiados."
TRUCO
Troquei de roupa
Troquei os passos
Troquei figuras
Troquei os fatos
Troquei de olhos
Troquei de alma
Troquei de cores
Troquei de espelhos
Troquei de braços
Troquei palavras
Troquei de amores
Troquei de pecado
Troquei as bolas
Troquei
Truquei
Retruquei
Aos trocos e devoluções
Não me troco por nada
CIDADES ONÍRICAS
"Gosto de tudo o que sou, enquanto caminho para o sono, naquele instante de repouso em que sou apenas mais um tom de vulto. Sou bom em ouvir vento varrendo ruas, em pensar na turbulência dos acasos e em fugir de insônias autorais. Refaço as costuras dos panos que me embrulham, em pensamentos desajuizados, desenfreados. Quando, por fim, durmo, acordo em cidades oníricas e tomo café da manhã com a minha bendita inconsciência."
LER-ME É LEI
"Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui.
Cursivo,
Bem grafado,
Devidamente acentuado.
Todavia, gramaticalmente
Despenteado.
Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui
E agora, consegue?
Não conseguiu.
Tá amuado,
Sabe que até um desvairado vê,
E idem o pobre iletrado.
Deixe-me chegar mais perto...
Fique parado!
Não afrouxe as córneas,
Não pule palavras.
Minha couraça em páginas...
Leia lauda por lauda.
Ainda não consegues?
Fiquemos bem!
É tudo esboço,
Se tá turvo,
Não tá borrado.
Tobogãs venosos
Escorrem ´liquid paper´.
Omiti ou tá apagado.
Leia-me!
Leia-me, me lê.
Lê aqui...e aqui.
Agora, aqui.
Há muita luz em mim,
Não sou de fins,
Muito pouco de abismo.
Se não consegues me ler,
É miopa - ou astigmatismo."
TIMBRE DOS VENTOS
"Quando o vento der timbre às portas e janelas: é hora de acordar. Desperta-te mansinho, como cada fio de uma nuca que se insinua. Olhai as molduras que sol pendura em paredes cruas. Escute os meus uivos - qu'esses, aprendi com os ventos. Num abraço coube todo clarão do dia. É nas manhãs dos teus beijos qu'eu me rein(vento)."
ELAS POR ELAS
Das mulheres que se perdem
Em teus lençóis,
Eis, em teu colo,
A única que lhe faz
Cama, chão e torpor
A mulher em teu colo,
Pede com sede,
Cada janela dos teus olhos,
Elas são elos,
Mas, só uma,
Geme sem dor
A mulher em teu colo
Cruza ventos e suspiros
Para ter os teus ósculos;
Ela sabe a rua do ir e do voltar
É sujeito de seu próprio verbo,
Sujeitando-se ao delírio e
à doidice
De comprar horas
Pra te amar
