Nao tenho o Direito de Magoar Ninguem
JOGUETE
Fui-o.
Nas tuas mãos pouco macias
Perfumadas das bruxarias
E senti-o.
Foste lançando o feitiço
Como bruxa que lança em derriço
Incenso aos lanços nas brasas
Que fazem faíscas
Ariscas, com que arrasas
A vontade de dizer, não!
E sem mais contemplação
De outro piedoso pensar,
Louca mulher, sem paixão
Nem vontade de se amar.
(Carlos Vieira De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 01-06-2023)
DITADOS
E o ditado a dizer:
A cama que fizeres,
É aquela em que te vais deitar
E queira Deus que não vás penar...
Que sentença crua, de arrepiar!
Agora, digo eu, neste inocente pensar:
Mentira!
Fiz tantas camas na vida
Umas de pedras,
De pano e de ervas
E outras de sumaúma,
Mais macias que nenhuma.
Em todas descansei,
Amei
E gostei.
Só houve uma,
A de sumaúma,
Macia como nenhuma,
Onde não amei
E chorei.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 02-06-2023)
ESPERA DESESPERADA
Na velha gare esperei por ti;
Na esperança anunciada
De te ter como coisa amada
Naquilo que ao ganhar perdi.
Só depois é que vi
Que as estradas
E os carris das vidas
São feitos de tudos e nadas.
Nem sempre são retas desejadas
Para alcançar o sonho final,
Se não a mim e ao mundo
Vai um logro tão profundo,
Um medonho e abismal
Desígnio infernal
Nas encruzilhadas do mal.
Dessas, eu nunca me lembrei...
Por descuido me esqueci.
Agora, eu sei
Porque peno assim por ti.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 04-06-2023)
CEREJAS
Degustava eu um ramo delas,
Quase assim.
Uma mais vermelhas
Ainda de formas fedelhas
De polpa ruim.
Outras, matizadas de branco,
Amarelado,
E eu sou franco,
Deixei as amarelas de lado.
Algumas, de bordeaux vincado,
Mas só cor
Sem sabor
Adocicado.
Poucas mais encontrei
Doces
Ainda que maduras
Apesar de duras
Como o mel melado.
Ia a meter a última à boca
E parei.
Era mais redondinha que as outras
Mas muito vermelhinha
E tinha
Uma outra cerejinha
Pegada à sua barriguinha
Como uma mãe que acabou
De dar à luz,
E quer mostrar a filhinha
Que reluz.
Tive pena de as comer
E num rebate de consciência,
Com exemplar paciência,
Fui metê-las em terra fresquinha:
A cereja mãe e a filha,
À espera que um dia destes
Irão nascer mais cerejas
Assim,
Por mim.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 05-06-2023)
POESIA PRENHE
Muitos,
Que tudo fazem
E desfazem
Para emprenhar a doce
E tão amarga
Presa ou solta à ilharga
Senhora bela - A poesia.
Sem nome de pai,
De mãe ou de tia,
Pelo menos nada consta
No cartão de cidadania.
Basta-lhe ser poesia
Pura, rebelde e arisca,
Não deixar copular
Macho ou fêmea,
Ou qualquer outro artista
Que só lhe quer levar a palma.
Gosta de preliminares,
De beijos e doces olhares
Sussurros loucos ao ouvido,
E embriaguez na alma.
Adora longos coçares
E muito depois então
É que abre as pernas
Para ejaculares
E te dar um dia
Um filho da poesia.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 08-06-2023)
Quando a alma que nunca vimos, se torna objeto na nossa mente, é porque a sentimos e lutamos com ela de frente.
ALMA RELUZENTE
Pensava ser eu uma alma reluzente.
Como tudo é tão diferente do pensado,
Quando num ápice repente
Recebo, vindo voando, ó gente!
Num escangalhado parapente,
Um anjo do Altíssimo Céu navegado,
Que me diz:
- Rapaz infeliz, sem alma reluzente,
Nunca te eleves, tem calma!
Para teres lustrosa alma,
Primeiro terás de ser gente
De construção hercúlea diferente,
Onde, de facto, o sonho habita.
E só depois,
Muito exigente,
É que a tua alma acende e grita!
(Carlos De Castro, in há Um Livro Por Escrever, em 15-06-2023)
RISOS
Riam-se em doidice de tão loucos,
Em despregadas e reles bandeiras,
Com dentes podres pelas asneiras,
Os tais grotescos eunucos taroucos.
Eram desafinados e afinal tão roucos,
Mal orquestrados, uma pobreza, enfim,
Que mal eu os ouvi a rirem de mim,
Disse comigo: Façamos ouvidos moucos.
Eram seres de peçonha tinha maligna,
Doença que não poupa corpo nem alma
E só ataca multidões de gente indigna.
Um poeta, nunca morre sem a palma,
Nem se deixa matar por algum estigma,
Ele morre por si só, na mais serena calma.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 20-06-2023)
ESTRANHEZAS LUSO-BRASILEIRAS
Que estranho país é este,
Onde de fato nunca é facto,
Nos cus, tornados bundas
Nos paletós dos fatos nossos
Em bebedeiras de tremoços?
É um este sem vento oeste
Quando lá a desoras chega o trem,
E eu por cá à espera do comboio
Que nunca a horas certas vem.
Triste a minha melancolia
Quando eu na vossa Bahia
Imaginava em alegre sintonia,
Estar no Espinho meu em magia
Tomando banho na minha Baía.
Então, a gente galera assim fazia:
Vocês traziam os garfos e os pratos
E íamos acertando os palatos.
Nós, os copos e a pinga de Lisboa
Vocês, aquele petisco tropical,
Nós, as sardinhas metidas na broa
E vocês e nós, Brasil e Portugal,
Transando numa naice mesmo boa.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-06-2023)
O passado, é uma foto amarelecida pelo tempo.
O presente, é uma paisagem passageira.
O futuro, é uma carta por jogar.
PROGENITURA QUIÇÁ
Pai, é barco
É vela,
É uma caravela no mar
Manso
Ou bravo,
Lutando contra a maré
E disputando com a ralé.
É aquela flor chamada cravo
Que nunca renega a fé
Quando o barco ameaça partir-se
Nas ondas revoltas,
Tortas,
Da vida.
Então aí, a mãe ao sentir-se,
Toma conta do leme
E não treme
Nunca no torto
Até o barco amainar,
Serenar,
Em bom porto,
Ainda que isso lhe vá custar
Em contrapartida,
Alguns anos a menos da sua própria vida.
(Carlos De Castro, em Há Um Livro Por Escrever, em 15-07-2023)
RISO DA MANHÃ
Se começo a rir, logo pela manhã...
Algo, em mim, toca a rebate,
Ou rameira de vinho verde,
Mesmo sem sede,
Ou então, vai ser mosca que mate...
Desde aí, é que eu desatino,
Sem decoro,
Sem remição até em choro,
Como sentença punitiva
Mas nunca assertiva
Que me seduz em pensar,
A meditar,
Por que jeito e destino,
Quando se começa a rir pela manhã,
Ao toque de um sino,
Chorar-se-á,
Quase sempre pela noite,
Com açoite,
Como se eu fosse sempre menino.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 25-07-2023)
A FLOR AMARELA
Veio um passarinho
Feito abelha
E deixou cair uma semente
Nos interstícios das pedras negras
Da velhinha calçada...
Brotou aí uma pobre flor,
Sem calor,
Nem carinho,
Nem nada...
Tinha a cor amarela,
Tão singela
E pura
De quem nasce ao deus-dará,
Pobrezinho...
Nunca pediu água a ninguém...
Quando vinha a chuva tarde, porém,
Dava-lhe vigor,
Em rega de amor,
Numas gotas de magia
Que a enchiam de alegria.
Veio um sapato e calcou-a.
Por milagre ou sorte,
Ela venceu a morte
E no outro dia
Lá estava ela,
A florzinha amarela
Fresca e viçosa,
Como alface graciosa.
Em frente, nos jardins dos ricos,
As flores ricas morreram todas...
Por serem muito mimosas.
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 29-07-2023)
OS ABUTRES
Voluptuavam e voavam em rasantes de dia,
Como morcegos errantes na noite escura...
Pareciam falos sem testículos por companhia,
A poisarem no largo da minha freguesia,
Como aviões sem asas ou abreviatura.
Tinham enfiadas roupas de boa cagança.
Aquela tentação de pelo hábito conquistar
O que o monge não conseguiu na esperança
De querer despi-lo, para um bom defecar.
Purguem-se, dejetem rijo ou de soltura, vilanagem!
Ó abutres ceguinhos, cofres podres com dinheiro,
Prefiro uma tosca foto do demónio sem imagem,
Que sentir o execrável perfume do vosso cheiro!
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 30-07-2023)
OLHOS MORTOS
Quando te beijei naquela manhã,
Trazias nos olhos um regato de água,
Seco.
Estéril.
Forjado.
Senti em ti rios de desprezo
Subtis,
Hostis,
A correr sem destino,
Mal cheirosos,
Pelas margens do teu rosto,
Dos teus olhos covardes, mortos,
Por não olharem os meus.
Na sede que eu tinha da tua água,
Nem reparei que a tua estudada mágoa
Se misturava com o PH da tua acidez,
Sempre que queres magoar quem te fez.
Minha querida estátua que já és
Para mim tão absorta e estarrecida,
Nas tuas gélidas palavras sem sortida,
Um ser que não conheço nem de frente
Nem já de revés,
Eu que fui o obreiro da tua própria vida.
Um pai, já dizem não valer de nada
Agora neste mundo podre, sem guarida,
Houvera tempo de vida atrás voltada
Que nunca eu te geraria, nem cerzida.
(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 31-07-2023)
CORRE MEU VELHO
Anda, poeta velho!
Escarcavelado!
Escaravelho!
Pingarelho desarmado
De olhos cerados,
Magoados,
Galga, meu velho!
Secaram-te as lágrimas,
Brotaram-te as águas
No leito do teu rio,
Tão vazio
E tão cheio de mágoas.
Não durmas mais a sesta.
Caminha,
Noutro caminho
E foge de mansinho
Da prisão desse lar
Em que te querem encerrar,
Sem te ouvir
Se queres ficar ou desistir
De pensares,
De sonhares...
Foge!
Foge!
Corre, meu velho!
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 10-08-2023)
PRAIA DA NOSTALGIA
Só te vejo agora pelas tecnologias
Que me mostram marés cheias
E outras tantas coisas vazias
Num vazio tão triste de ideias.
Corpos pequeninos na praia distante,
Que já foi só nossa nas noites frias
De gente comigo, na areia escaldante.
Que saudades quando nela eu indo
Na cíclica maré da baixa-mar,
Tanta areia havia para levantar
Milhões de castelos para albergar
Os amantes dos amores proibidos.
Agora, após longos anos idos,
Ainda te amo, mas de forma estranha,
Praia de areia do mar dos meus sentidos,
Eras a menina dos olhos meus,
Quando a tua beleza era tão tamanha
Que até um dia foste pintada por Deus.
(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever)
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