Mensagens de Autores Famosos

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No alto

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.

Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.

Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,

Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.

Machado de Assis
Ocidentais (1880).

Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.

Machado de Assis
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).

O destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.

Machado de Assis
Dom Casmurro (1899).

Relíquia íntima

Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.

E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.

Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:

Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.

Machado de Assis
Obra Completa, vol. III. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.

O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade
"Obra poética", Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

Nota: Poema "O Mundo é Grande"

...Mais

Os homens distinguem-se pelo que fazem; as mulheres, pelo que levam os homens a fazer.

Carlos Drummond de Andrade
"O Avesso das Coisas: Aforismos". Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade
"Lição de Coisas: poesia". São Paulo: J. Olympio, 1965

Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons.

Carlos Drummond de Andrade

Nota: Trecho adaptado do livro "O Avesso das Coisas", de Carlos Drummond de Andrade.

O cofre do banco contém apenas dinheiro; frusta-se quem pensar que lá encontrará riqueza.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

O homem vangloria-se de ter imitado o voo das aves com uma complicação técnica que elas dispensam.

Carlos Drummond de Andrade
O avesso das coisas: aforismos. Rio de Janeiro: Record, 1990.

A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.

Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira.

Carlos Drummond de Andrade
"Passeios na ilha". Rio de Janeiro: Livraria J. Olympio Editora, 1975.

Os homens são como as moedas; devemos tomá-los pelo seu valor, seja qual for o seu cunho.

A educação para o sofrimento evitaria senti-lo com relação a casos que não o merecem.

Carlos Drummond de Andrade
O Avesso das Coisas: Aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

Necessitamos sempre de ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos torna sem ambição.

Cada nova geração de computadores desmoraliza as antecedentes e seus criadores.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. O Avesso das Coisas: Aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

As obras-primas devem ter sido geradas por acaso; a produção voluntária não vai além da mediocridade.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. O Avesso das Coisas: Aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

Convite Triste

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.

Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.

Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.

Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.

Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.

(Em: Brejo das Almas)

PARTIDO

Agrupamento para defesa abstrata de princípios e elevação positiva de alguns cidadãos.

Carlos Drummond de Andrade
O Avesso das Coisas: Aforismos. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990.

É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.

Carlos Drummond de Andrade
ANDRADE, C. D. Passeios na Ilha, 1952