Martha Medeiros Homem e que nem Biscoito
O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.
O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.
Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro. Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.
Martha Medeiros
Porque mesmo tendo meus momentos de azedume e melancolia, porque mesmo administrando inúmeros conflitos internos, sou feliz, CRETINAMENTE feliz. Que me perdoem tal mácula no currículo os que forem infelizes e indubitavelmente mais inteligentes.
Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. (...)
Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente quem passa os dias reclamando do seu azar ou da chuva incessante. (...)
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um feito muito maior que o simples fato de respirar.
Nota: Adaptação de trechos da crônica "A Morte Devagar", de Martha Medeiros. Muitas vezes é erroneamente atribuída a Pablo Neruda.
...Mais'[...] O fato é que queremos, todos, compreender. É irritante não entender o final de um filme, e mais ainda o final de um amor. Pior do que dever dinheiro é ficar devendo respostas para as questões que nos formulamos. Exigimos explicações de nós mesmos, na esperança de que isso nos acalme. Como se fosse possível apreender todo o mistério do mundo, como se houvesse palavras suficientes pra denominar todos os sentimentos que nos assaltam. [...]''
E não existem mesmo palavras suficientes para descrever tudo aquilo que sentimos, vemos e vivemos. As significações não aportam nem metade daquilo que se vive e se tenta demonstrar. Viver ultrapassa qualquer explicação, qualquer frase, qualquer texto. É coisa que só quem sente sabe o que é, mesmo que não saiba descrever.
O ARREPENDIMENTO
Tive um pequeno apartamento que vendi mobiliado, mas me aconselharam a retirar ao menos o lustre, já que era uma peça que parecia rara. Então lá fui eu retirar do teto um lustre enorme e empoeirado, e até hoje ele anda pra lá e pra cá no bagageiro do meu carro, pois não encontro tempo para ir a um antiquário. Cada vez que abro o porta-malas, onde costumo transportar as sacolas do supermercado, me deparo com o espaço ocupado pelo lustre e me pergunto: por que não o deixei para o novo morador? Ganância, senhores.
Essa é uma pequena história sobre arrependimento. Igual a essa, tenho dezenas, todas tão desimportantes quanto. Convites que não deveria ter aceitado, desabafos que eu não precisava ter feito, e-mails escritos depois de três cálices de vinho, esse tipo de coisa, bobeiras contumazes que não estragam nossa vida, apenas fazem com que a gente se envergonhe por uns dias e acabe aprendendo mais sobre si mesmo. Os poucos remorsos sérios têm a ver com relações afetivas e familiares (a velha culpa: onde eu estava que não vi isso, não percebi aquilo?), mas, ainda, tudo dentro da cota permitida de vacilos.
Arrependimentos nos amadurecem e nos ajudam na correção de rota. Só se tornam um problema quando a rota terminou, quando falta apenas meia-dúzia de curvas para a estrada chegar ao fim.
Ninguém simpatiza com a velhice avançada e motivos não faltam: doenças, falta de memória, perda da autossuficiência e outros enguiços comuns a quem rodou bastante. Ainda assim, doloroso mesmo é chegar tão longe e descobrir que entre os arrependimentos há um, ou dois, ou vários que não foram desimportantes, e sim cruciais.
Excetuando as pessoas que confiam na vida eterna, para todas as outras, que acreditam apenas na vida antes da morte, nada pode ser mais triste do que, no balanço final, descobrir que abriu mão de um amor por causa de conveniências, que não foi amigo dos filhos porque só pensava em si mesmo, que não realizou projetos pessoais por causa de preguiça, que nunca arriscou uma guinada por causa de medos que agora parecem sem sentido, que gastou seu tempo com gente idiota e hábitos herdados de uma sociedade fútil, que não se permitiu conviver com pessoas diferentes por preconceito. Esse é o arrependimento que não é uma bobeira contumaz, pois resulta numa secreta tragédia pessoal: o desperdício de uma vida que poderia ter sido mais bem preenchida, mais estimulante e com mais oportunidades de expansão.
Tem boa notícia no final do texto? Tem. É sobre aquela meia dúzia de curvas que restam. Pode parecer pouco, mas é o que se tem para hoje, e hoje é tudo o que importa.
Faça valer a sua passagem por aqui. Não sei se você percebeu, mas viver é nossa única opção real. Antes de nascermos, era o nada.
Na maturidade, não tem ninguém esperando no portão pra nos levar pra casa, mas tem uma caminhada excitante rumo a um prazer que só quem se arrisca, conhece. O prazer da independência. O prazer de ter a sua assinatura avalizando cada uma de suas conquistas.
Já quem se falsificou num adulto que parece que é, mas não é, desperdiçou a chance de ter uma vida autêntica porque se assustou com a poeira no horizonte, previu que seria uma luta perdida, que não daria conta. Mas daria. O gigante, em qualquer circunstância, somos nós.
Martha Medeiros
"Que honremos o fato de ter nascido, e que saibamos desde cedo que não basta rezar um Pai Nosso para quitar as falhas que cometemos diariamente. Essa é uma forma preguiçosa de ser bom. O sagrado está na nossa essência, e se manifesta em nossos atos de boa fé e generosidade, frutos de uma percepção profunda do universo, e não de ocasião. Se não estamos focados no bem, nossa aclamada religiosidade perde o sentido"
O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença. Quem odeia está mais envolvido do que supõe...
"Para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada."
Cada não que eu recebi na vida entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
Não os colecionei. Não foram sobrevalorizados. Esperei, sem pressa, a hora do sim.
Porque a cidade da gente é isso, um lar. Nem precisamos de chave, a porta está sempre encostada, esperando por nós.
Vampiros deixam você murchinha, chupam até a última gota. Um belo dia você descobre que nunca recebeu nada em troca, que foi sempre um ombro amigo, que sempre esteve à disposição, e sofreu tão solitariamente que hoje se encontra aí, mais carniça do que carne. E ocorre também entre amigos, entre colegas de trabalho, entre familiares, não só nas relações de amor.
Doe sangue para hospitais. Dê seu sangue por um projeto de vida, por um sonho. Mas não doe para aqueles que sempre, sempre, sempre vão lhe pedir mais e lhe retribuir jamais.
Queixos tremem de emoção
olhares embaçam de tão tristes
sorrisos iluminam um ambiente
vincos surgem com o sofrimento
peles acetinam ao serem tocadas
e olheiras revelam um impasse...
Através da face é possível ler todos os sentimentos.
...
Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro.
Não conheço strip-tease mais sedutor.
Tenho um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio. O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada se compara à dor de um destino alterado para sempre.
Palavras são apenas resumos dos nossos sentimentos profundos, sentimentos que para serem explanados precisam mais do que um sujeito, um verbo e um predicado. Precisam de toque, visão, audição. Amor virtual é legal, mas o teclado ainda não dá conta de certas sutilezas.
"Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam."
Os olhos da cara
Recentemente participei de um evento profissional só para o público feminino. Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá pelas tantas fui questionada sobre a minha, e como não me envergonho dela, respondi. Foi um momento inesquecível. A platéia inteira fez um “oooohh” de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: “oooooooooooooooohhhhhh”. Aí fiquei pensando: pô, estou nesse auditório há quase uma hora exibindo minha incrível e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa na mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?
Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado “juventude eterna”. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos. O.k., acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas. Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança. Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, Quando Paris Cintila. De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de sermos idosos sem envelhecer é não nos opormos a novos comportamentos, é termos disposição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar ter o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marylin Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.
Mudança, o que vem a ser tal coisa?
Minha mãe recentemente mudou-se do apartamento em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras que havia guardado, e mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um ótimo emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela caminha na beira da praia todas as manhãs. Rejuvenesceu.
Toda mudança cobra um alto preço emocional. Antes de tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.
Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco, porque não existe plástica que resgate seu brilho. O que dá brilho ao nosso olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.
E aí pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos! Ooooooohhhhh. Uma guria.
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