Machado e Juca Luiz Antonio Aguiar
A convivência com um franco-libertário será sempre um desafio e permanente aprendizado para os dois lados.
Não ando por sobre trilhos, que já me chegam prontos e me conduzem para um destino pré-definido. Vou sempre preferir trilhas que me cobram abrir picadas, escolher entre múltiplos destinos e lidar com descobertas que os trilhos não podem dar.
No que toca às pessoas que tenho em alta conta como honestas e verdadeiras, nada me deixa mais feliz atualmente do que ouvir delas que discordam de mim. Isso me revela que escaparam ao “triturador de cérebros”, e por enquanto ainda conseguem pensar com a própria cabeça.
Minha lógica vez por outra me ataca como a um inimigo. Cobra-me ceder espaço para o instintivo que nem tanto pensa, apenas age. E em alguns momentos o certo é dar-lhe essa voz para que não se aliem contra mim.
Meu papel não é ser o céu para onde voam os que me buscam: basta saber-me a pista de onde decolam. Tampouco a fonte da água que lhes aplaca a sede, mas apenas o leito do rio que a conduz até eles. Sou antes o farol na borrasca, não o Porto; o cinzel nas mãos do artista, não a Escultura; o milestone que os situa, não a Linha de Chegada.
Algumas pessoas que nos amam de verdade tendem a demonstrar seu amor pelo visão de suas crenças, esquecendo que o melhor presente será sempre o que o outro gostaria de ganhar, e não o que queremos oferecer. A consequência é que suas perspectivas internas acabem criando a falsa percepção de que alguns são responsáveis pela salvação de outros, quando a mais profunda expressão de amor é a do respeito a opção por diferentes caminhos, mesmo na ocorrência de um objetivo comum.
Como saber se estamos vencendo a guerra? Eu, pelo menos, o descubro ao acordar pela manhã envolvido na angústia de que não há nada mais a esperar e, em vez de mergulhar nos meus medos, percebo um ponto para muito além de mim – inacessível a olhares minúsculos e acovardados – me falando do quão insignificantes e efêmeros podem ser os eventos que eu acreditava no controle do presente para erguer muralhas intransponíveis a um futuro ainda possível.
Não basta o amor para nortear nossos rumos. A vida nos apresenta um cardápio repleto de opções, e a escolha correta cobra que se mostrem compatíveis entre si.
A revelação de nossa força é como aquela minúscula formiga que se vê perdida quando a pata gigantesca de um elefante se abate sobre ela, e se descobre protegida por diminutos e imperceptíveis grãos de areia que evitaram fosse esmagada. Conclui então que, na vastidão de um universo em que tudo é possível, o que menos importa é saber-lhe a forma e o tamanho, mas apenas que ele está lá!
Toda vez que colocamos nossas expectativas além do exequível, é certo que o resultado se traduzirá por frustração associada a culpa, perda de significado e sentimento de impotência, todos brotados de uma mesma raiz: a fantasia de poder moldar a realidade e dar a ela o formato dos nossos sonhos, ignorando pré-requisitos indispensáveis e a visão de futuro que poderia deixá-la minimamente factível.
Até mesmo para aqueles casos mais críticos existe uma vantagem quando nós mesmos lhes demos causa, seja por algum erro que inadvertidamente tenhamos cometido, ou por uma decisão equivocada que se tomou em algum momento. O melhor lado desse tipo de percalço é que o restabelecimento da normalidade acaba quase sempre dependendo apenas de nós.
Ao longo da vida fui aprendendo que o que me deixava mais forte, e cada vez mais confiante frente aos desafios que ainda estavam por vir, não eram as batalhas que vencia, mas enfrentar perdas cada vez menos significativas por me descobrir no final o grande vencedor da guerra contra mim mesmo!
O grande paradoxo do franco-libertário é o de se descobrir aprendendo mais e mais ao mesmo tempo em que se percebe menor, quanto mais avance em conhecimento.
Quando tenho a rotina invadida meucomportamento é igual ao de um gato:Se o percebo me rebelo, e se não, eu piro!
Tem coisas que nos colocam bem longe das igrejas e mais perto de nossas convicções mais autènticas. O espetáculo da “expulsão do demônio” por pastores é uma das razões que alguns julgam ser contra Deus, e eu acredito ser a forma de descobrir como ele é.
Ao contrário do que alguns possam pensar, não é contra as religiões que luto, mas contra quantos as usem para impor sua visão de mundo a outrem, subvertendo-lhes o direito às próprias escolhas. Religiões são benfazejas enquanto instrumentos de aprimoramento da alma humana, mas só se mostram legítimas quando ocorrem de dentro pra fora, nunca de fora pra dentro. Pregações e doutrinamento nunca serão uma condição necessária (e muito menos obrigatória) para se buscar a Deus, mas apenas tentativas arbitrárias de “padronizar” essa busca, que deveria ser íntima e silenciosa. Em se havendo um Deus que nos ampara, não dependerá de “arautos” para se revelar, atuando por si mesmo a exemplo da mudança operada em Saulo.
Quando num primeiro instante me sobrevém um sentimento de rejeição por parte de outrem, lembro em seguida que as pessoas não existem para suprir minhas expectativas, e que o foco delas apenas pode estar voltado para momentos de vida distintos. Ninguém nasce para ser metade da laranja, mas a laranja inteira.
