Machado e Juca Luiz Antonio Aguiar
Muitos não entendem porque tenho mais receio da velhice do que da morte: é que para a morte todos temos autonomia de vôo, mas para a velhice nem sempre.
Sentes necessidade de integrar um time? Que seja pelo menos o dos que lutam por justiça. Precisas que lhe mostrem um caminho? Que troques então o de um líder pelo de alguém que admiras por conta de uma trajetória admirável, sem ter querido impô-la a ti. Só te sentes com voz quando o fazes em coro ou em meio a torcidas? Pois prefere os espontâneos aos organizados, que se unem em batalhas apenas quando se fazem necessárias. Sentes necessidade de uma religião? Pois que te seja ditada pelas leis naturais da harmonia, e não pelos dogmas que te legaram sem que lhes entendas as razões. Sentes falta de um “ismo” a te guiar pela vida? Ouve aquele que te dita o coração, em vez de assumir o de alguém que não se baseou no teu modelo de mundo; e se não o trazes em ti, escolhe o universalismo. Careces colocar-te sob bandeiras, siglas, rótulos e etiquetas dos infindáveis fragmentos humanos? Pois que tua igreja seja tua decência, teu partido o dos espíritos fortes, e tua pátria a humanidade inteira. Melhor que não tenhas senhores nem muletas, pois só precisam deles quem não tem força o bastante para caminhar por seus próprios meios!
Entre refutar o que se desconhece e admitir o não experimentado reside a diferença entre a ignorância assumida e a inteligência possível.
A overdose mental a que sou submetido na maior parte do tempo, enquanto uma esmagadora maioria se recusa a pensar no óbvio, me leva a crer às vezes que o Criador escalou alguns “burros de carga” para levar nas costas a cangalha que os fracos de espírito não se dispõem a carregar.
Imaginem se o soberano máximo de uma nação precisasse executar, ele próprio, cada tarefa que compõe o elenco imenso de responsabilidades que lhe compete administrar. As igrejas, entretanto, continuam mostrando Deus como o sujeito que tanto lhes dá os presentes mais caros do reino quanto lhes varre o chão da cozinha. Por outro lado o cercam de anjos, arcanjos. querubins, serafins, santos, ungidos e “serviçais” de todos os tipos que aparentemente se comportam como servidores públicos, pois que usufruem do paraíso para não fazer absolutamente nada!
O Brasil não vai mudar enquanto não formos governados por brasileiros, antes de partidos políticos. Somente pela ascensão de quem se proponha a reunir pessoas sérias e competentes que se coloquem acima de legendas partidárias – que hoje não veem no país mais do que seu cofre particular – conseguiremos promover desenvolvimento econômico e social, assim como formas de nos libertarmos do estado de degradação moral em que estamos mergulhados.
O dia em que meu nome aparecer associado a qualquer sigla política, filosófica ou religiosa, sugiro dar prosseguimento à pesquisa até descobrir o dia da minha morte, pois que só assim não o teria desmentido de pronto. Minha única bandeira é a liberdade, e meu sentido nunca será o de integrar qualquer delas, mas me posicionar a uma distância que me permita mantê-las bem visíveis tanto para aplaudir as que encontraram seu rumo quanto para combater as que não têm nenhum, mas seguem iludindo seus convertidos de que estão trilhando o único.
A verdade se apresenta como um modelo retratado por diferentes artistas: por mais que as obras mostrem a mesma pessoa, cada pintor dará ao quadro seu toque pessoal e lhe emprestará estilo próprio, ao final do que se terá sempre múltiplas versões para uma mesma realidade; e mesmo que o tenham feito em um mesmo momento o que chega ao público nunca será igual, já que visto por diferentes ângulos conforme a posição dos retratistas. E ainda a quem depois aprecia a obra cabe interpretá-la à luz do seu próprio entendimento, abrindo um leque infinito de visões em que nenhuma expresse necessariamente a realidade do modelo. Apesar disso muita gente confunde com ela a sua versão pessoal, colocando-se pronto a destruir quem não concorde.
Por mais que se cultive a compaixão como direcionamento de vida, existe um tipo de pessoa que transforma em tragédia qualquer instinto de solidariedade, mesmo quando figura como o principal beneficiado dele, ao trata-lo como a chance que buscava para a aproximação que transformará as vidas de seus benfeitores num verdadeiro inferno. O que tais pessoas não percebem é que, em longo prazo, elas se tornam as maiores inimigas delas mesmas, pois que acabam fechando todas as rotas de escape que poderiam salvá-las de um abandono cada vez mais amplo e iminente, levando-as ao inevitável infortúnio que já se vislumbrava como tragédia anunciada.
Não é dinheiro nem celebridade que torna alguém notável. Sua não-conformidade interna é que o impele a romper a fronteira do medíocre.
Não é trocando um governo anárquico por outro autoritário que conseguimos resgatar o estado de direito. Historicamente as grandes rupturas com força para gerar transformações sociais definitivas ocorreram de baixo para cima, e não de cima para baixo, assim que se chegue ao ponto de saturação como reação espontânea aos abusos dos dois extremos. Esqueça-se, portanto, a ideia de que colocar no poder uma força contrária e igualmente sem freios para combater os excessos cometidos antes dela será solução para alguma coisa, pois tudo se resume a inverter tão somente a natureza do problema.
Já me perguntaram a razão de tantos pensamentos lançados sem destino certo. Respondo que não escolho fazê-lo, pois que brotam de mim como lavas de um vulcão a que não resta alternativa senão lança-las para fora. Assim como ao pensador, ao vulcão não importa que distância alcançam, e menos ainda o tipo de terra que cobrem. O que a ambos suscita é que a mesma lava que parece tão destrutiva no momento da erupção, ao longo de toda a eternidade continuará fertilizando o solo que a acolhe.
A tirania de direita jamais se mostrará como alternativa de combate à tirania de esquerda ou vice-versa, pois que ambas se mostram igualmente aviltantes e contrárias à dignidade humana, independente de qual seja alçada ao poder. Daí que a batalha do homem livre – que lhes oporá uma resistência ferrenha e incansável – será sempre a travada entre a liberdade e a opressão, entre seus valores e a concupiscência, e não entre os extremos que se enfrentam, já que estes passam, e o que permanece é sua consciência.
Definir-se como de esquerda ou de direita já representa, por si só, flutuar numa folha que carrega formigas à deriva, dependendo do lado que o vento sopra, jogando-as de um lado para outro ao sabor das correntes que ele cria e desfaz sucessivamente. A mesma direita que chega como solução é a que conduz militares à mais torpe e cruel das ditaduras, e a mesma esquerda que muitos veem como libertadora, via de regra termina numa cúpula do poder que subjuga uma legião de miseráveis submetidos à sua tirania. A única forma de estar à salvo é permanecendo fundeado pela âncora do bom-senso a uma distância segura das inconstantes e revoltosas correntes dos “ismos”. De sua bóia firmemente presa ao fundo é possível tanto impedir que alguns barcos naufraguem quanto não afundar com os que fingem não ver o furo no casco.
Por recusar-se a negar o que sabia ser verdade, Giordano Bruno morreu pela fogueira. Já Galileu Galilei, 16 anos mais tarde e pelo mesmo motivo, optou por retratar-se para não ter o mesmo destino. Ainda que minha rebeldia me aproxime mais da postura de Bruno que de Galileu, a inteligência me alerta que nenhum mártir até hoje pôde constatar por si mesmo que o idiota não era ele.
Qualquer pessoa que te inspira a ser melhor do que és é aquela que não deves poupar esforços para ter sempre por perto. Contudo, nas que percebes claros sinais para te tornarem pior do que já foste algum dia, o bom-senso manda que te mantenhas à mais segura distância que possas.
6. Você pode levar coisas admiráveis ao mundo com as ideias que desenvolve, e até fazer com que a humanidade inteira se beneficie delas. Mas no momento em que se junta a uma segunda pessoa e dá um nome ao projeto em que acreditam, pronto: está criado mais um “ismo” do qual milhares irão se apropriar e transformar em bandeira para perseguir e destruir a todos que não a vejam como a única que pode salvá-los.
Entre os sedentos por compreensão, entrega-lhes o que buscam. Entre os que se recusam a entender faz o mesmo, pois que do contrário jogarás pérolas a porcos. Sempre que te empenhas em ensinar um burro a pensar, o mais idiota dos dois não é ele.
A percepção da realidade não é uma escolha, mas um despertar espontâneo e automático como o que nos é oferecido todas as manhãs, após uma noite de repouso obrigatório: os olhos se abrem e somos avisados pelo cérebro de que acordamos. Porém, fica na decisão de cada um erguer-se ou aceitar o convite da preguiça para voltar a dormir por quanto tempo consiga. Mas a paciência da mente cósmica também é limitada: em dado momento terá que decidir entre levantar-se ou aceitar o coma de modo irreversível.
Houve uma época em que apegar-se a convicções imutáveis se mostrava como sinal de se ter a posse da Verdade. Em nossos dias, porém, apenas exibe seu defensor como afundado numa ignorância à prova da verdade em permanente construção que vai se revelando à medida que a humanidade avança, e onde o Conhecimento, a cada novo momento, atinge patamares nunca antes alcançados, só restando a alguns acabar pisoteados pelo futuro.
