Graça
O QUE FOI DITO BÊBADO FOI PENSADO SÓBRIO
Ah, quantos de nós temos coragem de traduzir em palavras as explosões de afeto, fúria ou ódio, claramente estampadas em nossos olhos. Quantos de nós se escondem atrás dos véus da conveniência, ardilosas maquiagens, máscaras de bem-se-relacionar no cotidiano, guardando tudo o que nos ameaça ou fragiliza no quarto escuro de emoções cansadas, amassadas e contraditórias.
Francamente. Quase não há espaço para o amor e a ternura se acomodarem junto ao medo, a insegurança e a frieza, pois o quarto é diminuto — do tamanho de uma solitária prisional. Nele se empilham sentimentos opostos, paradoxos da alma.
A dor e a ternura se acotovelam, exaustas. Durante os dias inteiros de nossa existência, esses, dentre tantos outros sentimentos aglomerados no escuro e sujo cubículo, se empurram, pisoteiam, à cata de algumas moléculas de oxigênio que tragam um pouco de paz e conforto aos nossos conturbados corações.
Às vezes nos drogamos. Diante da tevê, por exemplo, nos esvaziamos de quaisquer convicções e competências críticas. Amortecemos vontades, iniciativas, indagações. Matamos o líder que em nós se contorce, em prol de ovelhas passivas e tristes, que pastoreiam livremente em nosso embotado cérebro.
Despendemos imensurável tempo lendo revistas sobre celebridades, escutando maledicências da vizinha, lendo jornais sensacionalistas. Também nos dedicamos com ardor às redes sociais, construindo aí inúmeros perfis sedutores, que costumam sair bem na foto.
Incorporamos à nossa pele papéis desgastados de salvadores, vítimas, benfeitores ou revolucionários. Sempre visando causar impacto. Impressionar nossa atordoada rede de famintos seguidores. Zumbis do social media. Abdicamos conscientemente das noções de espaço, tempo e conveniência. Optamos por drogas leves ou pesadas. Alucinógenos da moda, distribuídos em festinhas, shows e noitadas.
O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio. A declaração de amor asfixiada na garganta. O deboche, a ironia e o cinismo encapsulados, obstruindo alguma artéria falida do nosso estressado corpo.
Falar o que se pensa de cara limpa, normalmente está fora de cogitação. Faz mal ao ego, às vaidades torpes, à assumida prevalência que ostentamos uns sobre os outros.
A vida é tanta e corre tão disseminada por nossa pele, veias e sentidos, despejando, imparcialmente, horrores e belezas únicas por nosso tortuoso destino.
Mal conseguimos divisar flores raras, pássaros belíssimos em extinção, paisagens mágicas, caminhos largos e ensolarados.
Paixões tidas como mortas ou desfalecidas reacendem com vigor, ameaçando nos queimar a língua e afoguear o rosto.
É preciso estar atento e forte para conversar com a vida, sem escondê-la das imensas demandas e os legítimos anseios que pulsam sem pudor da cabeça aos pés.
O que foi dito bêbado foi pensado sóbrio. Então, aguentemos a ressaca passar, neste momento ainda emaranhado em tantos sentimentos e emoções.
Espera-se de nós, mesmo que teimemos em fechar os olhos, janelas abertas, ventos refrescantes, sorrisos plenos de verdade.
Isso é o que importa para que a felicidade, hoje tão andarilha, encontre de novo morada e aconchego em nossa boca.
NINGUÉM CONSEGUE VIVER DE JANELAS FECHADAS
Imagine abrir sua janela ao acordar e, do mesmo modo que as lagartas magicamente se borboleteiam pelas paisagens da vida, encontrar uma fruta que se oferece a você. Clama por seu gesto de sorvê-la inteira. Entregando assim sua gratidão a um dos tantos presentes que a natureza diariamente lhe dá, sem exigir nada em troca.
Saber receber é uma arte. Abrir os braços, o sorriso, o corpo e o coração e dispor-se aceitar quem estende o afeto a você. Receber exige coragem. Integridade. Desejo. Iniciativa. Transparências do querer genuíno. Quantas vezes ansiamos por algo ou por alguém, mas amortecemos as vontades, anulando-as até, enquanto trancamos nossas demandas nas gavetas da privação.
Por absurdo que pareça é mais fácil morrermos de fome. Agarrarmo-nos a uma soberba imbecil, estruturada na deplorável e ilusória onipotência de sermos autossuficientes. Autotróficos como as plantas, que extraem do solo a nutrição de que necessitam.
Mais fácil esbofetearmos os ventos da amorosidade que nos acariciam os sentimentos. Cuspirmos na possibilidade de promovermos sinergias junto a alguém. Seja no trabalho, nos relacionamentos sociais, ou nos pares que pretendem abrir-se para os aconchegos da intimidade.
O medo de perder anuncia-se sob várias roupagens e disfarces – e é, além de costumeiro, renitente visitante da nossa existência. Enraizado nas couraças do espírito e aparentemente irrevogável.
Por que provarmos do mel, acendermos nossa gula se poderemos perdê-lo repentinamente? Melhor equivaler seu gosto ao do fel — recusando, então, o favo que nos provoca.
Você pode apossar-se da faca que reina afiadíssima em sua cozinha. Enterrá-la de vez no cérebro, sem qualquer anestesia. Expulsar do crânio sangrento e agonizante os neurônios que julga imprestáveis. Soldados do exílio voluntário. Apologistas das vantagens da solidão. Guardiões de silêncios nefastos, porque avessos às manifestações de carinho. Como, por exemplo, a dedicação às causas sociais deste mundo apodrecido que tanto nos constrange.
Coma a fruta, vai. Aceite a flor. Namore a borboleta que baila suas cores, bem diante dos seus olhos surpresos. Ela apresenta seu espetáculo, ondulando no ar da poesia, toda feliz e de graça.
Coma a fruta, vai. Aceite a ajuda de um parceiro de caminhada para chegar àquela cachoeira tão bela quanto escondida dos visitantes nas matas.
Prefere pêssegos, caquis, mangas — uma goiaba madura e vermelha? Jogue o orgulho no lixo. Você mora só, jura ser independente por todos os poros, mas não consegue dar o nó na gravata. Subir o zíper do vestido. Matar a barata enorme e cascuda que o encara feroz no teto da sala.
A vergonha de pedir ajuda é tão estúpida quanto a sua recusa em declarar amor a quem o rodeia. Fraqueza solicitar auxílio. Disso você não duvida. Outro gesto impensável é pedir perdão. Esta humilhação inadmissível não pode manchar seu currículo atitudinal.
E assim vamos sobrevivendo — ou melhor levitando, como autômatos neste planeta. Roubando romances jamais experimentados de páginas literárias já gastas. Angariando sonhados momentos, valendo-nos das muletas da imaginação que tingem de cores atraentes algumas cenas do filme a que resolveu assistir.
Quanta covardia. Esconder a premência do amor atrás das portas do cotidiano. Esmagar a linda borboleta com suas mãos cegas e insanas. Arrancar do galho a fruta mais desejada e atirá-la ao chão, triunfante, num arremedo de falido desdém.
Nem sempre percebemos o inverno que nos invade. Tiritamos de frio, porém permanecemos inconscientes. Expomo-nos a pneumonias na alma. Vestidos de acintosa nudez, trocamos nossos braços de abraçar pelo repúdio dos galhos secos e mortos.
Felizmente a vida se revela em ondas, ciclos, luzes distintas. Nada permanece igual. Nem mesmo a maldade, a tristeza ou a insensibilidade. Nem mesmo o medo agarrado a você como uma criança pequena e indefesa.
Pode ser que as janelas agora estejam fechadas. Mas estamos sujeitos a descuidos, distrações ou aos ímpetos de ventanias. É neste instante que as frutas se oferecem novamente. E mais uma vez você tem a chance de colhê-las.
Sai, corre logo. Afasta-te das ventanias cruéis que ameaçam revirar-te a vida e os sonhos pelo avesso. Aqueles pedaços de histórias rotas e cerzidas, atiradas no cesto de roupas de sorrir — e que já usaste tantas vezes em festas enxovalhadas. Foge das tempestades. Das estradas sem rumo. Das folhas ressequidas, espalhadas em terrenos áridos e desconexos.
Nota: Trecho de uma crônica de Graça Taguti.
No quesito declaração de amor a boca do ser humano tem sido mais rápida no expressar do que o coração no sentir.
Um sentimento nem sempre é para sempre, muitas vezes o que se torna duradouro é o hábito de sentí-lo e de doá-lo.
O excesso é excesso em qualquer circunstância, inclusive na educação e na gentileza, pois estas quando exageradas, dependendo da expectativa do outro, podem acabar se tornando uma chatice.
O ser humano com o emocional frágil tende a dramatiza tudo, e dramatiza de tal jeito que faz com que a sua postura no drama mais pareça sensibilidade humana do que carência pessoal.
O omisso ao nascer se acomoda tão confortavelmente na mudez que chega a lhe ser cansativo e aborreecedor o exercitar da sua voz no decorrer da vida, porém, este, quando lhe convém, levanta-se e berra achando que o mundo é uma ouvido de plantão pronto para considerar seus ruídos um argumento de relevância universal.
Só os lunáticos são capazes de ter certeza que a vida é a perfeita maravilha. Além deles é possível que alguns terráqueos, em abstinência da razão, tenha o mesmo pensamento.
Muitas vezes o alvo que desejamos atingir nas pessoas com o objetivo de cuidar e ajudar a expandir não é o coração e sim o intelecto, porém este só os espertos alcançam e usufruem, quase nunca as pessoas de bem e de boa intensão.
Escolhas e ações indevidas são como tijolos na construção das nossas próprias dores, assim como acertadas constroem as nossas satisfações interiores. Não é atribuição de Deus livrar-nos dos nossos sofrimentos, como também não cabe a Ele boicotar as nossas alegrias; precisamos viver tudo isso, quanto recursos para a nossa consagração e/ou transformação, quando somos içados para tal. Todas as consequencias, boas ou ruins, giram em torno de nós mesmo e do quanto de responsabilidade e comprometimento estão envolvidos e investidos no processo de aprendizado e aprimoramento da base da nossa existência, bem como da forma como aplicamos o saber adquirido neste processo quando verdadeiramente alcançado. Logo o nosso bem estar ou o nosso mal estar na existência estão diretamente ligados aos nossos méritos, que estão igualmente relacionados às nossas ações presentes, consciente ou inconsciente, ou às nossas ações pretéritas, porém estas, neste tempo, distantes da memória, e todo este processo é uma oportunidade que temos para alcançarmos o inevitável conhecimento tão aguardado pelo universo neste nosso estágio terreno.
Crio as minhas próprias frases não só por inspiração, mas também para exercitar meu pensamento de maneira a terceirizar o mínimo possível a minha existência e as minhas referências. Afinal sou um indivíduo e como tal entendo que não devo limitar-me à coletividade.
Não existe relação perfeita em nenhum ambiente da sociedade, o que existe é sintonia nas propostas das partes para a relação seja ela afetiva, familiar, material, social, profissional e etc que conduz a união a um patamar de aceitação e convivência com o outro de uma forma mais pacífica e leve, especialmente aos olhos externos. Porém para isso, não se iluda, dentro desta relação harmoniosa há muita renúncia, em contrapartida há mais conformismo menos malígno.
Não aceitarmos as mudanças de conceitos, posturas e comportamentos os quais somam de forma positiva na proposta de vida daqueles que convivem conosco é achar que estes tem obrigação eterna de nos fazer companhia na nossa permanente irredutibilidade.
Procuremos controlar o nosso ímpeto de exibir indiscriminada e publicamente tudo aquilo que nos toma de felicidade infindável, mas que, por natureza, não dá nenhuma garantia de que será eterno, pois ao término da falsa certeza de que a felicidade se perpetuará poderá haver um desconforto interior associado à sensação de termos sido um idiota diante da plateia.
Quando fazemos algo que consideramos sermos merecedores de um elogio e o mesmo não vem duas importantes razões podem ter levado as pessoas conhecedoras do fato, e que nos rodeiam, a não fazê-lo: ou o que fizemos no fundo é uma Merda, ou notoriamente uma Maravilha.
