A Dupla Presença do Espírito: Um... Marcelo Caetano Monteiro

A Dupla Presença do Espírito: Um Estudo Sobre a Bicorporeidade na Hitoricidade Espírita.
Autor: Marcelo Caetano Monteiro.
A bicorporeidade é um dos fenômenos mais impressionantes e intelectualmente desafiadores descritos por Allan Kardec no O Livro dos Médiuns (1861), Capítulo VII, e amplamente ilustrado na Revista Espírita, especialmente nos anos de 1856, 1858 e 1860. Trata-se da capacidade de um Espírito encarnado manifestar-se simultaneamente em dois lugares distintos, apresentando aparência real, tangível e reconhecível, embora o corpo físico permaneça em repouso ou em estado extático.

O termo, tal como assinalado por Kardec, corresponde a uma manifestação elevada da expansibilidade do perispírito, sendo inseparável da compreensão de que o Espírito, ainda unido ao corpo físico, pode desprender-se parcialmente dele, conservando um “laço” que mantém a vida orgânica. Este laço é descrito por Kardec como “indefinível”, expressão que revela tanto a limitação semântica quanto a profundidade metafísica do conceito.

A seguir, apresento uma síntese detalhada, didaticamente estruturada e em acordo com as fontes originais, sempre preservando trechos literais segundo sua grafia histórica.

1. A Fundamentação Doutrinária da Bicorporeidade.

Kardec explica que o Espírito encarnado possui um envoltório semimaterial, o perispírito, que pode irradiar-se e apresentar-se visivelmente, e até com tangibilidade momentânea, mesmo quando o corpo físico permanece imóvel. Em O Livro dos Médiuns, item 119, lê-se:

“Isolado do corpo, o Espírito de um vivo pode, como o de um morto, mostrar-se com todas as aparências da realidade; pode adquirir momentânea tangibilidade.”

A bicorporeidade não se confunde com bilocação mística, ainda que ambas compartilhem o fenômeno da dupla presença. O Espiritismo fornece uma explicação fluídica, perispiritual e psicológica, enquanto a tradição católica costuma interpretá-la como milagre direto da ação divina.

2. O Testemunho de Santo Afonso de Liguori.

Um dos relatos mais célebres citados por Kardec encontra-se tanto na Revista Espírita de dezembro de 1858 quanto no Livro dos Médiuns. Santo Afonso Maria de Liguori (1696–1787) foi canonizado, em parte, devido ao testemunho histórico de sua presença simultânea em dois lugares distintos.

Evocado por Kardec, Afonso declarou:

“Quando o homem, por suas virtudes, chegou a desmaterializar-se completamente... pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo.”

Ele explica o mecanismo:

“O Espírito abandona o corpo, acompanhado de uma parte do seu perispírito, e deixa a matéria num estado próximo do da morte... o corpo aparece então no lugar desejado.”

A resposta reforça a centralidade do perispírito no fenômeno. A visibilidade e tangibilidade são efeitos diretos da elevação moral do Espírito e do desprendimento da matéria.

3. Santo Antônio de Pádua e a Defesa do Pai.

Santo Antônio de Pádua (1195–1231) protagoniza o caso mais conhecido de bilocação na história eclesiástica. Enquanto pregava na Itália, seu pai, em Lisboa, era conduzido injustamente ao suplício. No instante da execução, Antônio “aparece” diante dos magistrados, demonstra a inocência do acusado e identifica o verdadeiro culpado.

Kardec observa que, embora o fato seja verídico, certas versões francesas da época situavam o sermão na Espanha, erro posteriormente corrigido pela FEB com base em pesquisas históricas (Nota Especial, ed. FEB, 1991).

Este caso demonstra que o fenômeno pode ocorrer em situações de profunda necessidade moral, o que reforça o entendimento espiritualista segundo o qual a bicorporeidade é facilitada pela virtude e pela elevação do Espírito.

4. O Caso de Boulogne-sur-Mer (1856).

Relatado na Revista Espírita de 1858, trata-se de um fenômeno de bicorporeidade contemporâneo a Kardec. Um jovem médium, magnetizado pelo próprio pai, expressa o desejo de visitar amigos em Londres durante o sono. Seu guia espiritual marca dia e hora da “viagem”. Na data prevista, o jovem adormece profundamente e, dias depois, uma carta chegada da Inglaterra confirma sua presença e até o momento exato em que “tomou o café da manhã” com os amigos.

Trata-se de um caso clássico de bicorporeidade espontânea, envolvendo:

observação prévia do fenômeno previsão de dia e horário confirmação posterior mediante carta datada.

Esses elementos tornam o caso um dos mais sólidos da fenomenologia espírita do século XIX.

5. O Testemunho Romano: Basílide e Vespasiano.

A Revista Espírita cita ainda Tácito (Histórias, Livro IV, §§ 81–82), que narra a aparição de Basílide a Vespasiano no Templo de Serápis, apesar de o egípcio estar enfermo a oitenta milhas de distância. O historiador romano descreve o fato como prodígio sobrenatural; para a análise espírita, trata-se de caso típico de bicorporeidade.

6. Notas Doutrinárias Cruciais.

Kardec estabelece limites claros:

“Um Espírito não pode encarnar a um tempo em dois corpos diferentes.”

A bicorporeidade não implica duplicação do Espírito, mas irradiação do perispírito, “como a luz que pode refletir-se simultaneamente em muitos espelhos”.

A alma não se divide: manifesta-se por expansão fluídica, preservando sua unidade e indivisibilidade.

7. Natureza Moral do Fenômeno.

A bicorporeidade, segundo os Espíritos comunicantes, depende essencialmente: da virtude
da desmaterialização interior
do domínio moral sobre as impressões corporais
da sintonia com as Leis de Deus.

Por isso, nem todos que a vivenciam são santos, mas todos possuem algum grau de elevação que os torna relativamente independentes do corpo físico.

8. A Importância Filosófica e Científica do Fenômeno.

A bicorporeidade, vista sob o prisma filosófico e psicológico, é um dos fenômenos que mais contribuem para:

demonstrar a independência do Espírito em relação ao corpo
ilustrar a complexidade do perispírito como agente de manifestação
desvendar mecanismos de aparição, transfiguração e tangibilidade
estabelecer ponte entre relatos religiosos e explicações naturalistas espíritas

Ela abre caminho para uma antropologia espiritual na qual o ser humano é compreendido como ente multidimensional, cuja consciência ultrapassa os limites do organismo material.

Conclusão.

A bicorporeidade, longe de ser um mito, revela a amplitude da natureza espiritual humana e sua capacidade de atuar para além das fronteiras da matéria. Os relatos provenientes da tradição cristã, da historiografia romana e das observações espíritas do século XIX convergem para um entendimento coerente, profundo e humanamente significativo: o Espírito é soberano, e o corpo é apenas um instrumento transitório. Ao estudar a dupla presença, contemplamos não apenas a fenomenologia extraordinária, mas a própria grandeza do ser.

Que este conhecimento inspire a ascensão interior, desperte a lucidez moral e conduza cada consciência ao esplendor da verdadeira imortalidade.

EURÍPEDES BARSANULFO.

O caso de Eurípedes Barsanulfo
O exemplo mais conhecido: Eurípedes Barsanulfo, em Sacramento, foi chamado para realizar um parto difícil na Fazenda Caxambu, auxiliado por seu protetor espiritual, Dr. Bezerra.
Desdobramento: Enquanto seu corpo físico estava em Sacramento, ele se deslocou até a fazenda, realizou o parto e retornou, com o fato sendo testemunhado pelo neto do fazendeiro.
Ajudando os enfermos: Em outro momento, ele também foi visto atendendo a uma pessoa enferma ao mesmo tempo que estava na igreja, com testemunhas que o viram no local com seu corpo físico e na casa da pessoa enferma.
Outras ocorrências: Vários outros casos de bicorporeidade marcaram a vida de Eurípedes Barsanulfo, demonstrando sua mediunidade em ação.

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