A Falta de Formação Doutrinária e a... Marcelo Caetano Monteiro
A Falta de Formação Doutrinária e a Crise da Consciência Espírita
Com base no capítulo de J. Herculano Pires no livro O Mistério do Bem e do Mal
“Precisamos definir a posição cultural espírita perante a nova cultura dos tempos novos.”
A advertência de J. Herculano Pires é mais do que um alerta. É uma convocação para o despertar da consciência espírita. Sem formação doutrinária, o movimento espírita perde unidade, clareza e identidade. Sem coesão e coerência, não subsiste. Foi para evitar esse colapso que os Espíritos Superiores confiaram a Kardec a tarefa monumental da Codificação. Ele a cumpriu praticamente sozinho porque somente ele possuía maturidade moral, preparo intelectual e método para realizá-la.
Depois de Kardec, apenas Léon Denis manteve o nível exigido pelo Espírito da Verdade. Sem convivência direta com o Codificador e sem formação acadêmica equivalente, Denis foi o discípulo que melhor compreendeu a metodologia espírita e distinguiu a Doutrina dos exageros espiritualistas que dominavam a Europa. Sua lucidez marcou a última fase de grandeza intelectual antes do declínio. Depois dele, instaurou-se a dispersão. A Revista Espírita degradou-se. A Sociedade Parisiense perdeu a direção. A filosofia e a ciência espíritas foram abandonadas. O aspecto religioso caiu em sentimentalismo improdutivo e fanatismo.
Quando a árvore do Evangelho foi transplantada para o Brasil, como disse Humberto de Campos, ela chegou com parasitas ideológicos que não removemos. Ao contrário, ampliamos. Assim surgiram desvios, improvisações, movimentos fluidistas e práticas que nada têm de espíritas. Tudo isso ocorreu pela falta de formação doutrinária. A consequência é evidente na confusão conceitual que permeia o movimento espírita brasileiro e internacional. Os poucos estudiosos que se dedicam à obra de Kardec lutam como náufragos, repetindo esforços e enfrentando resistências contínuas. Não há estudo sistemático. Não há disciplina metodológica. O que existe, lamentavelmente, é um fenômeno de fascinação coletiva que atinge setores representativos e que se opõem ao desenvolvimento da cultura espírita.
Enquanto não compreendermos que Espiritismo é cultura, não haverá unificação real. Apenas aproximações artificiais, aumento numérico de adeptos despreparados e surgimento de messianismos individuais ou grupais. É necessário compreender que cultura espírita não é erudição exterior ou acúmulo de livros, mas assimilação viva do conhecimento que se transforma em bom senso.
A pergunta natural é o que fazer diante disso. J. Herculano Pires propõe um caminho simples e profundo. É preciso alfabetizar espiritualmente e reiniciar o movimento pelas bases, criando o que chamou de Mobral do Espírito. A proposta inclui a formação de Escolas de Espiritismo com estrutura e método semelhante ao ambiente universitário. Não significa luxo acadêmico. Significa disciplina, pesquisa, diálogo crítico, humildade intelectual e colaboração entre estudantes e orientadores. Só assim o estudo espírita se torna metódico e livre ao mesmo tempo, como foi com Kardec.
Kardec aprendeu com os Espíritos Instrutores interrogando, comparando, analisando e discutindo. Sua obra resistiu à mistificação porque foi construída sobre método e razão. Precisamos agora retomar essa postura crítica, reencontrar o espírito de investigação que caracteriza a Codificação e abandonar a improvisação que impera em muitos centros. Há conferencistas que tratam temas complexos com superficialidade e oratória vazia. Isso enfraquece a Doutrina e a expõe ao ridículo diante de uma cultura contemporânea cada vez mais analítica.
Vivemos uma época em que a ciência aproxima-se das teses espíritas em campos variados. Entretanto, nossa falta de cultura doutrinária impede o diálogo com o mundo moderno. Temos o futuro nas mãos mas permanecemos presos a resíduos mitológicos e disputas estéreis. Para sair dessa posição, é indispensável aprender com Kardec. Aqueles que pretendem superá-lo demonstram desconhecer a profundidade de sua obra. É hora de definições. A Doutrina precisa assumir sua posição cultural perante os novos tempos e isso só será possível com organismos de estudo estruturados, capazes de formar consciências esclarecidas e aptas a sustentar a grande missão espiritual da humanidade.
Este texto é extraído e inspirado no capítulo de J. Herculano Pires inserido no livro O Mistério do Bem e do Mal.
