Meu cavalo e meu cachorro Meu cavalo e... RENATO JAGUARÃO
Meu cavalo e meu cachorro
Meu cavalo e meu cachorro
Não regalo, não troco e não vendo.
É bom ficar sabendo
Que não tem pila no mundo
Que compre o meu Clinudo,
Muito menos o meu Guaipeca.
Desconheço nessa vida
Quem me seja mais parceiro,
Mais fiel, mais companheiro
Na lida, na mangueira, no galpão,
Nas horas de solidão
E nas funções de campeiro.
E quando vamos ao bolicheiro,
Um espera pelo outro.
É assim desde potro,
E de cusco criado guacho,
Um roendo meu barbicacho,
Outro patinando lá na cocheira.
Mas eu me apeguei às porcarias
Que pra mim são como gente,
Mais serventia que muito vivente
Que anda a esmo pra nada.
Com eles eu dou risada,
Choro nos dias tristes,
Mas a felicidade existe
Quando vejo os dois na volta:
Um levando minhas botas,
O outro tirando o buçal.
Nem aparentam animal,
E com franqueza lhes digo:
Não há melhor amigo.
É verdade, não leve a mal.
O Guaipeca parece falar,
E o Clinudo só pra indicar:
Na sombra da figueira
Relincha com a forneira
Só pra vê-la gritar.
E pode até parecer
Que eu, por certo, tô louco,
Mas me importa muy pouco.
Só me ponho preocupado
Com esse mundo mal domado,
Por certo mal enfrendado,
Ou tardaram na puxada,
Erraram no bocal,
Nesse reparte desigual
Donde reina pila e ganância,
Que transforma grandes estâncias
Em pedaços de piquete.
Eu, no mais, só um jinete
Que gosta do meu Clinudo
E do Guaipeca orelhudo,
Já velho, quase sem dentes,
Que deixo jas pra semente,
Apenas a tradição:
Rancho, mangueira, galpão.
Nesse pedaço de campo,
Donde a luz dos pirilampos
Ainda à noite aparece
Pro índio fazer uma prece,
Que o pampa é chão sagrado
Pra aprender com o passado,
Que o pouco ainda é um regalo,
Que um cusco e um cavalo
Têm valor e têm estima.
Assim se declama e se afirma,
Nesses versos macanudos:
Não vendo o meu Guaipeca,
Muito menos meu Clinudo.
Renato Jaguarão