O ÚLTIMO APITO DA MARIA FUMAÇA Ao... Gerson A. Gastaldi...

O ÚLTIMO APITO DA MARIA FUMAÇA

Ao prismar do sol nos prados verdejantes, serpeando brilhos,
uma Maria-Fumaça reluzente vai aos brados pelos trilhos
singrando sua sombra no caminho dos meus sonhos;
entre múltiplas paisagens com cenários mutantes,
translúcidas gravuras de panoramas risonhos
relumem como espelhos rútilos, vibrantes...

no rosicler do espaço, plasmam na visão traços medonhos
desse trem fantasma brilhando em tons sutis, estranhos;
se locomovem furtivamente na penumbra da estrada,
é a serpente d’aço que passa silvando insolente,
e seu vulto rubro devassa a visão estampada
na sombria divagação do meu consciente...

entrelaçada às vívidas revelações na herança do passado,
são hoje rudes espectros, fragmentos do trem dilacerado
no tempo, expostos à memória das eternas miragens
projetadas no pensamento, afloram em reflexões
achadas na ferrovia desfigurada por imagens
toscas do triste trem, comboio de paixões...

deslumbrantes, a Maria-Fumaça decadente e a sua carcaça,
inundam meus olhos de lágrimas! Eis a máquina de raça,
do luxo imperial ao gaudio triunfal desta história florida,
só restaram alguns destroços da locomotiva bravia,
já relegada à morte, ferro-velho e sucata puída,
não mais resgata sua glória... tirana ironia!

Piuuú! Piuuú! O maquinista desperta do seu êxtase tristonho,
e não mais descortina os cenários vibrantes desse sonho;
a via deserta esvai-se sob as rodas do fantástico trem,
volatiza-se a máquina encantada com seus brilhos,
o afresco que desfigura sua louçã efígie retém
bem viva a víbora rastejando pelos trilhos...

Porém, a lendária Maria-Fumaça existe nesse confinamento
da trivial lembrança, ora museu de história e divertimento;
na sua transição de infâmia a cicuta da píton perversa
esparge ruína e escória, envilecendo de vergonha
a banida estrada de ferro, postergada e imersa
na ferrugem, refém de tão bestial peçonha...

Ela apagou nessa miragem a derradeira estação, irrealidade,
a última nuvem de fumaça projeta no ar a minha saudade,
no final da viagem desembarco sozinho e quebrantado;
na bagagem, trago um grito de pesar em meu peito,
ferido pela serpe do infortúnio e desconsolado,
ainda ouço o último apito desse trem eleito...

Não há mais o sol e nem a vibração da máquina que serpeia
na senda sem brilhos. Eis que a Maria-Fumaça já vagueia
moribunda pela estrada e até carrega minha comoção
ao encontro dos tormentos e devaneios bisonhos,
mas o silvo de horror que ressoa meu coração,
ainda abisma em meus turvados sonhos.

Do seu Livro "Cascata de Versos" - 2019