Soberba O pior dos pecados ou a maior... Marinho Guzman

Soberba

O pior dos pecados ou a maior das virtudes?
A soberba virou o jogo e hoje é tão bem-vista que é considerada uma característica dos vencedores.
A soberba é o pior dos pecados. Pelo menos para a igreja. Experimente, seja você religioso ou não, entrar em uma missa para observar o movimento. Verá que todos rezam de mãos postas, ajoelhados, cabeça baixa. Está na Bíblia: bem-aventurados os humildes.
Na tradição católica, o próprio inferno surgiu da soberba, com a queda do então anjo vaidoso Lúcifer. “A soberba é a crença de que se poderia estar no plano sem a presença divina”, explica Rodrigo Caldeira.
Mas se os humildes ganham o reino dos céus, aqui, na Terra, o mundo é dos soberbos.
Da igreja, vá a um estádio de futebol, e observe o atacante, o zagueiro: ombros para trás, cabeça erguida. Não é apenas uma questão de postura. No futebol, crer – e levar o adversário a acreditar também – que é o melhor assusta e inibe o inimigo. E na vida também.
A sociedade contemporânea é mais narcisista e individualista. Um certo grau de arrogância e soberba é premiado.
Há consenso sobre onde, no cérebro, mora o pecado: é no lobo frontal – mais precisamente, no córtex pré-frontal – que se concentra a atividade neural quando nos achamos melhores do que outros. É a região mais associada à formação da personalidade – e a soberba está intimamente ligada a isso. É a mesma área com defeito em psicopatas. Lesões nessa região do cérebro, assim como o uso frequente de drogas, podem prejudicar as estruturas capazes de controlar o impulso de se ver como a última bolacha do pacote.
Muitas pesquisas foram feitas a respeito das relações entre a produção de hormônios e a soberba e descobriu-se que em eventos positivos em que o mérito é do ser humano ocorreram aumentos consideráveis de testosterona, comprovando que o hormônio masculino é importante na formação dessa emoção.
Isso não significa, porém, que haja saída cirúrgica ou medicamentosa para extirpar o Napoleão Bonaparte dentro de você. O pecado da soberba ainda está mais ligado à formação do caráter – sim, àquilo com que seus pais deveriam ter se preocupado na hora de ensinar que todos somos iguais.
O caráter é justamente essa possibilidade de você considerar o outro, levar em conta necessidades alheias, ser mais altruísta, menos egoísta. Existe alguma explicação biológica? Claro, nada no ser humano é puramente psicológico, mas nada também é exclusivamente biológico.
Traço de líderes
O orgulho ilegítimo ou exagerado, também serve para equipar a mente para manter ou ampliar, a qualquer custo, o poder que conseguiu adquirir.
Esse sentimento motiva comportamentos que promovem a reputação de um dominador, como agressividade, hostilidade e tendência ao conflito físico.
A sensação de ser cheio de si se retroalimenta e, como poucas outras, nos faz sentir bem com nosso próprio ser. Por isso, é tão inebriante.
Insidiosa, a soberba se esgueira no cotidiano e ataca mesmo quem se esforça para não escorregar no pecado.
Quem se define como simples e altruísta acaba se enxergando no topo de um pódio ao contrário – o mais humilde dos humildes é melhor do que os que não são tão humildes, correto? A humildade extrema, fora do padrão, se colocando abaixo dos outros, e a soberba se colocando muito acima dos outros são faces da mesma moeda. Até na Igreja o excesso de humildade é visto com desconfiança.
A soberba premiada
Antes de respirar aliviado, atenção: deve haver um ditadorzinho dentro de você, e isso não é necessariamente ruim. Por não se permitir perder para o vizinho, o arrogante tende a aumentar seu desempenho em todas as atividades, o que pode servir de estímulo para fazer mais e melhor – afinal, não pode correr o risco de perder o motivo que originou sua soberba.
Um exemplo é o vendedor que recebe elogios frequentes sobre sua performance – o profissional tende a se esforçar ainda mais e aumentar a produtividade – um caso de “quanto eu mais treino, mais sorte tenho”. Ou seja, é o orgulho gerando ainda mais orgulho.
É a mesma alavanca que motiva grandes especialistas, participantes de shows de talentos, atletas rompendo barreiras até o limite. Tudo para ver o seu nome sob holofotes. Tudo para ser alguém na multidão. O culto ao sucesso a qualquer custo e às celebridades torna a soberba uma patologia social. Vivemos em uma sociedade narcísica, do espetáculo.
E não é errado sentir orgulho por seus feitos, porque há uma diferença entre o orgulhoso legítimo e o soberbo.
Quando o indivíduo está orgulhoso de si, mantém contato com a realidade e contextualiza esse orgulho dentro da percepção de que tem dificuldades, como todo mundo.
Já o soberbo só vê qualidades no que faz, perdendo o senso crítico sobre si mesmo.
O orgulho genuíno é inconstante, ou seja, não é sentido o tempo todo, nasce de fonte específica (diz respeito a um evento) e é controlável (não patológico).
A soberba é diferente: um sentimento constante, não ocorre a partir de nenhum evento específico – ele se acha o tal o tempo inteiro e não tem controle sobre essa superestimação de si mesmo. Não há soberba normal. A soberba já é um sentimento exagerado.
Quantas vezes você ouviu alguém afirmar que “Se você não se valorizar, quem vai”? A pessoa que não se acha ao menos um pouco melhor que os outros ou que se identifica como na média é frequentemente apontada como depressiva ou com baixa autoestima.
Quando um paciente se enxerga no mesmo nível dos outros, há quem logo receite um antidepressivo, medida que pode se tornar perigosa. Atenção, há ainda um alerta para o perigo de haver uma virada maníaca, quando o remédio provoca a inversão da característica a ser combatida – transformaria um depressivo até em um eufórico descontrolado.
Se a causa é tão complexa, o tratamento também. Acredita-se que o caminho a seguir seja uma vida mais ligada a Deus e à busca do perdão.
Já os neurocientistas não apontam para o mesmo lado, para eles, que apostam que a soberba tem mais elementos comportamentais que neurológicos, a salvação está em um tratamento psicológico.
Mas se hoje colocamos cada vez mais lenha na fogueira das vaidades, talvez buscar uma resolução eficaz para o caso seja impossível.
Já que parte da culpa pela soberba está na sociedade, parte no cérebro e parte na personalidade, estaríamos lidando com um pecado menos ou mais desculpável?
Talvez essa seja a pergunta errada. A questão é aprender o limite no qual o peito estufado deixa de fazer a diferença para evoluir e nos empurra para a queda.
Eu me amo
Dominador, agressivo, chefe à base da intimidação? Ou um líder nato? Confira qual o seu tipo de orgulho
Exemplos de soberbos:
Maria Antonieta
Quando viveu? 1755-1793
Por que foi soberba? Maria Antonieta fez a corte respeitá-la usando a personalidade forte. Inventou moda, mudando de cortes de cabelo, desafiou os costumes da monarquia em vários aspectos, inclusive escolhendo não dar à luz em público. Em plena Revolução Francesa, chamou a Áustria, seu país de origem, para defendê-la. Amava a própria aparência acima de tudo.
Como terminou? Guilhotinada em praça pública.
Napoleão Bonaparte
Quando viveu? 1769-1821
Por que foi soberbo? Aparece em todas as reproduções já feitas dele com os ombros para trás, leve sorriso e queixo erguido – a postura da soberba. Depois de algumas vitórias militares, Napoleão promoveu um golpe em 1799 para tomar o poder. Tornou-se imperador e começou uma expansão pela Europa com a desculpa de lutar contra todos os países que mantivessem relações comerciais com a Inglaterra.
Como terminou? Exilado em uma ilha.
Adolf Hitler
Quando viveu? 1889-1945
Por que foi soberbo? Depois de lutar na Primeira Guerra Mundial, associou-se ao que seria o Partido Nacional-Socialista Alemão. Quando foi indicado ao poder, instaurou uma ditadura e eliminou todos os seus inimigos. Estava tão convencido de que era a melhor resposta para reerguer a Alemanha pós-guerra que convenceu massas de que pertenciam a uma raça superior.
Como terminou? Com a guerra perdida, se matou.
John Lennon
Quando viveu? 1940-1980
Por que foi soberbo? Um exemplo de “soberbo do bem”, John Lennon criou, com Paul McCartney, a banda mais cultuada de todos os tempos. E teve de dar explicações por ter dito que era mais famoso que Jesus Cristo.
Depois que os Beatles acabaram, seu novo objetivo era mudar o mundo – até protestando nu em uma cama, com a mulher, Yoko Ono.
Como terminou? Levou tiros na saída do prédio em que morava.
Esse é um resumo elaborado por Marinho Guzman do excelente texto do jornalista Fêcris Vasconcellos que cita extensa bibliografia e pode ser visto integralmente em http://super.abril.com.br/comportamento/soberba