Eu escrevo como quem beija. Um beijo... Thaise Lemos Jupiter

Eu escrevo como quem beija.

Um beijo longo, demorado, carinhoso.

Um beijo desses de língua.

A língua se movimenta lentamente

e me permite um gosto

ao mesmo tempo do outro

e de mim mesma.

Do outro que me encontra

neste texto

e do que há em mim que permite o encontro.

Eu escrevo como quem vive.

Assim, simples,

fazendo um texto de vida,

na vida.

Às vezes, penso,

afinal, que texto é esse que eu produzo?

Que vida é essa agenciada

pelo sabor das palavras compartilhadas,

sussurradas, como um afago?

Quem é esse outro que me encontra

e quem sou esse eu mesma que se expressa,

que se entrega...

Nesse delicioso beijo de língua?

Nesse movimento que, afinal,

eu mesma provoco?

O gosto vem do meu movimento mesmo

associado ao movimento do outro.

Quando escrevo, eu me inscrevo.

Fica também o meu gosto

no gosto da língua do outro.

E isso me remete a não querer parar de escrever. Nunca.

(Maria Luiza Cardinale Baptista)