Fernando Pessoa Poema Hora Absurda
Mas eis a hora de partir: eu para morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo ninguém o sabe, exceto os deuses.
Era um sujeito realmente distraído: na hora de dormir, beijou o relógio, deu corda no gato e enxotou a mulher pela janela.
Dois homens não podem passar meia hora juntos sem que um conquiste uma evidente superioridade em relação ao outro.
Se na hora de uma necessidade os amigos são poucos? Ao contrário! Basta fazer uma amizade com alguém para que, logo que este se encontre numa dificuldade, pedir dinheiro emprestado.
Chega uma hora em que a mente alcança um plano mais alto de conhecimento mas nunca consegue demonstrar como chegou lá.
Só as crianças e os velhos conhecem a volúpia de viver dia-a-dia, hora a hora, e suas esperas e desejos nunca se estendem além de cinco minutos...
Meus filhos discordavam de mim toda hora, graças a Deus! Eu não punha objeções nenhumas a que fossem desobedientes. Os pais deviam lembrar-se de que, além de serem pais, são também o osso em que o cachorrinho pode afiar os dentes.
A dor é temporária. Ela pode durar um minuto, ou uma hora, ou um dia, ou um ano, mas finalmente ela acabará e alguma outra coisa tomará o seu lugar. Se eu paro, no entanto, ela dura para sempre.
Há uma alegria selvagem em estar vivo. Há uma embriaguez da existência. Cada hora é uma amante para o meu desejo infinito.
Se você tiver uma fazenda e, na hora da colheita, tiver que optar entre um administrador petista e uma nuvem de gafanhoto, fique com os gafanhotos.
Dois homens não podem ficar juntos durante meia hora sem que um adquira evidente superioridade sobre o outro.
O artista que troca uma hora de trabalho por uma hora de conversa com um amigo sabe que está a sacrificar uma realidade a algo que não existe.
Aquele que adia a hora de viver corretamente é como o camponês que espera o rio se esgotar antes que ele atravesse.
A Criança que Fui Chora na Estrada
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
Eu tenho medo da força absurda que eu sinto sem você, de como eu tenho muito mais certeza de mim sem você, de como eu posso ser até mais feliz sem você.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
