Fernando Pessoa Mudanca
Incrível como algumas coisas deixam marcas, e até parece que foram marcadas à ferro, porque você ainda as sente.
Estou apenas enterrando as impurezas e toxinas da minha vida e deixando brotar uma bela e frutífera árvore. E que seja doce.
Só que desta vez por mais nojeiras que imaginasse sobre meu corpo caído lá embaixo, não sei por que, a vontade de saltar continua. Mas eu resisto. Não que alguém fosse sentir muita falta minha ou se achar, sei lá, sacaneando com a minha morte. (…) Ninguém. Eu comecei a enumerar nos dedos quem poderia sentir a minha falta: sobraram dedos. Todos estes que estou olhando agora.
Pensando bem, acho que o problema está em você que vê todo o meu sacrifício pra estar contigo e mesmo assim vive fugindo de mim.
Há pessoas que nascem para serem sós a vida inteira. Eu, por exemplo. (...) Freqüentemente me assusto, pensando que a vida vai acabar sem que eu encontre um grande amor ou uma grande amizade, ou mesmo uma grande vocação que justifique esse isolamento.
Acho que quem está de fora não pode condenar, condenar simplesmente é desprezível — é preciso compreender.
Só que chega um ponto que a gente cansa, que não quer mais saber de aventuras ou de procuras, entende?
O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Está tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Tá limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar.