Eu Nao tenho Culpa de estar te Amando
Está instaurada a dúvida.
A metódica dúvida epistemológica.
Neste mundo a terra não está no centro
nenhum saber é saber completo.
Seja bem-vinda era da razão.
Não há que se temer a revisão.
Nada que se diga ou que foi dito
merece estatuto de dogma irrestrito.
Cuidado com a verdade
que se pretende
maior que a realidade,
pois, os fatos são os fatos
e fluem diante de nós
que estupefatos
assistimos ao espetáculo.
É a vaidade e não o prazer que nos interessa
Qual a finalidade da avareza e da ambição, da busca de riqueza, poder e preeminência? Será para suprir as necessidades da natureza? O salário do mais pobre trabalhador pode supri-las. Vemos que esse salário lhe permite ter comida e roupas, o conforto de uma casa e de uma família. Se examinássemos a sua economia com rigor, constataríamos que ele gasta grande parte do que ganha com conveniências que podem ser consideradas supérfluas. [...] Qual é, então, a causa da nossa aversão à sua situação, e por que os que foram educados nas camadas mais elevadas consideram pior que a morte serem reduzidos a viver, mesmo sem trabalhar, compartilhando com ele a mesma comida simples, a habitar o mesmo tecto modesto e a vestir-se com os mesmos trajes humildes? Por acaso imaginam que têm um estômago superior ou que dormem melhor num palácio do que numa cabana? [... ] De onde, portanto, nasce a emulação que permeia todas as diferentes classes de homens, e quais são as vantagens que pretendemos com esse grande propósito da vida humana a que chamamos melhorar nossa condição? Ser notado, ser ouvido, ser tratado com simpatia e afabilidade e ser visto com aprovação são todas as vantagens que se pode pretender obter com isso. É a vaidade, e não a tranquilidade ou o prazer, que nos interessa. Mas a vaidade sempre tem por base a convicção de sermos objecto de atenção e aprovação. O homem rico deleita-se com as suas riquezas por julgar que elas naturalmente lhe atraem a atenção do mundo e que os homens estão dispostos a acompanhá-lo em todas as agradáveis emoções que as vantagens da sua situação tão prontamente inspiram a ele. Quando tal pensamento lhe ocorre, o seu coração parece crescer e dilatar-se dentro do peito, e ele aprecia a sua riqueza mais por esse motivo do que por todas as outras vantagens que ela lhe traz.
(A Teoria dos Sentimentos Morais)
Será sempre amado e estará sempre enamorado do amor. Uma grande paixão é privilégio de quem não tem nada que fazer. É a única ocupação das classes ociosas de um país. Não tenha medo. Coisas deliciosas o aguardam. Isto é somente o começo.
Não temo ao fogo que me adverte com suas chamas, mas livrai-me da brasa moribunda que se esconde sobre as cinzas.
Todas as mães, sem exceção, deram à luz grandes homens. E se a vida as enganou em seguida, delas não foi a culpa.
Não é verdade que você começa a vida como uma criancinha crédula sob a proteção paterna? E então chega o dia da indiferença, em que o cara descobre que é um desgraçado, um miserável, fraco, cego e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico avança trêmulo por uma vida de pesadelo.
O Rio
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.
Muitos ortodoxos falam como se fosse obrigação dos céticos contraprovar dogmas consagrados, e não dos dogmáticos comprová-los. Isso é, claro, um equívoco. Se eu sugerisse que entre a Terra e Marte há um bule de chá chinês rodando em torno do Sol numa órbita elíptica, ninguém seria capaz de contraprovar minha afirmação, desde que eu tenha tido o cuidado de acrescentar que o bule é pequeno demais para ser revelado até pelos nossos telescópios mais potentes. Mas, se eu prosseguisse dizendo que, como minha afirmação não pode ser contraprovada, é uma presunção intolerável por parte da razão humana duvidar dela, imediatamente achariam que eu estava falando maluquices. Se, porém, a existência do bule tivesse sido declarada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todos os domingos e instilada na cabeça das crianças na escola, a hesitação em acreditar em sua existência se tornaria um traço de excentricidade e garantiria ao questionador o atendimento por psiquiatras numa era esclarecida ou por um inquisidor em eras anteriores.
Temos aversão não apenas por coisas que sabemos nos terem causado dano, mas também por aquelas que não sabemos que danos podem causar.
A luz acha que viaja mais rápido que tudo, mas está errada. Não importa quão rápido a luz viaje, ela descobre que a escuridão sempre chega antes e está a sua espera.
Não há nada mais relapso do que a memória. Atrevo-me mesmo a dizer que a memória é uma vigarista, uma emérita falsificadora de fatos e de figuras.
Mulherzinha
Ligo antes das cinco pra não parecer que ele é a última opção da minha agenda. Dou três opções de restaurante e ele escolhe logo a primeira. Combino de passar umas oito e meia, mando uma mensagem quando estiver na esquina. Aviso que vou atrasar dez minutos. Embico na garagem pra ele não tomar chuva. Pergunto se o ar condicionado está muito forte. Dirijo com uma mão no volante e outra na perna dele. Elogio que ele aparou um pouco a barba, coisa que ele adora pois fui a única a reparar. O manobrista do restaurante abre primeiro a porta dele. Se assusta que é um homem onde eu deveria estar sentada. Entrega o papel do estacionamento pra mim, contrariado, enquanto meu parceiro já está bem distante. Escolho fumante pra agradá-lo mas por sorte sou informada que essas mesas não existem mais. Digo a ele que tudo bem, podemos ficar no frio, na parte de fora. Ele diz que ELE não está a fim de sentir frio e topa não fumar. Eu chamo o garçom e digo que para mim carne e para ele salmão. Eu escolho a taça de vinho dele, eu não vou beber porque estou dirigindo. Eu pego na mão dele, depois da taça estar quase no final, e pergunto se ele não quer ver a linda vista da minha sacada. Ele sufoca um bocejo charmoso e diz que sim. O garçom entrega a conta pra ele, que aperta os olhos pra enxergar com a lente embaçada. Eu ofereço ajuda pra ver os números e numa agilidade impressionante enfio meu cartão ali dentro e faço a carteira de couro desaparecer da mesa. Incluindo o ticket do estacionamento. Ele está com frio e ofereço meu cachecol novo. Ele elogia o perfume e continua com frio. Entendo que são duas aberturas para o abraço. O carro chega e a porta dele já está aberta pelo manobrista, a minha eu mesmo abro com dificuldade porque os carros tiram a maior fina do meu corpinho congelado. Morro de vergonha que o carro está com cheiro ruim, pra variar, o manobrista sacaneou. Abro os vidros e não digo nada pra não ser rude. Coloco música baixinha pra gente falar baixinho. Paro na farmácia pra comprar camisinha mas dou a desculpa que é um antigripal qualquer. Ele faz que acredita e espera dentro do carro comportadinho e sorrindo. O cara do caixa quer me lançar um olhar mas na hora tem medo de me encarar. Acendo as velas novas que ganhei. Coloco minha estrela azul na tomada que dá o clima perfeito. O cd novo do Beck. Ele está nervoso, comentando sem parar das minhas fotos e livros e cortinas. Eu faço ele parar de falar finalmente. Depois de tudo, ofereço levá-lo e me faço de ofendida quando ele cogita um taxi. Ele pergunta se pode dormir comigo, eu apenas sorrio e apago a luz. Ele acende a luz e pergunta se pode ligar pra avisar uma pessoa. Ele liga pra mãe, que não gosta muito. Ele volta envergonhado pra cama. Mas eu, educada, finjo que já estou dormindo. No dia seguinte eu ligo pra dar bom dia. Ele me avisa que vai viajar no feriado. Eu pergunto com quem e ele diz que aí já estou querendo saber demais. Ele volta a ser homem. Eu desligo e, aliviada, choro como uma mulherzinha.
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