Desculpa estava de Cabeca Quente

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Fechei a porta, encostei a parte de cima da cabeça contra ela. Só nos filmes as pessoas fazem isso, nunca vi ninguém fazer de verdade. Comecei a fazer para ver se sentia o que as pessoas sentem nos filmes – pessoas sempre sentem coisas nos filmes, nos bares, nas esquinas, nas músicas, nas histórias. Nas vidas acho que também, só que não se dão conta. Depois percebi que aquela dor que sobe ali do olho esquerdo pela testa diminuía um pouco assim, então fui me virando até apertar o lado esquerdo da cabeça, justamente onde doía, contra a porta fechada. A dor doía menos assim, embora não fosse exatamente uma dor. Mais um peso, um calafrio. Uma memória, uma vergonha, uma culpa, um arrependimento em que não se pode dar jeito.

Não tenho que aturar tudo que me dizem de cabeça baixa e não preciso distribuir simpatia por ai. Não sou assim e nem pretendo ser.

As pessoas me olham dos pés a cabeça, observam meu jeito, meu comportamento, minhas roupas, meu cabelo, e já acham que me conhecem o bastante pra me julgar.

"Para os grandes, eu penso. E viro a cabeça pra pensar em outra coisa. É mais feliz gostar, amar é pra quem pode. Mas você ou a vida ou sei lá. Insiste. E então chega enorme. E só me resta rir que nem quando vejo um bebê muito pequeno e lindo. Você ri. Vai fazer o quê? É o milagre maravilhoso da vida e eu ficando brega e cheia de medo e cheia de vontade de te contar tantas coisas e nem sei se você gosta de ouvir meus atropelos. Muito amor. (...) Amar grande é gastar reservas e ainda assim ter coragem pra dar o que não se tem. Amar grande é ter vertigem no chão mas sentir um chamado pra voar. Amar grande é essa fome enjoada ou esse enjôo faminto. É o soco do bem na barriga. É mostrar os dentes pra se defender mas acaba em sorriso. É o sal que carrego no fundo falso da bolsa pra quando eu não aguentar a vida. É o açúcar que carrego junto. É tudo que pode sair do controle. É meu corpo caindo. É o desespero aconchegante.E as almofadas de várias cores pra me dizer que pode dar certo.

O orgulho dizia sim, mas a velha cabeça, que abanava silenciosamente, respondia tristemente não. Tinha horas de abatimento. Faltava-lhe Marius. Os velhos têm tanta necessidade de afeição como de sol. A afeição aquece.

Dessa vez não vou evitar dizer o que está na minha cabeça só porque eu sei que minha mente geminiana vai negar no dia seguinte.

De repente me passa pela cabeça que você pode estar detestando tudo isso e achando longo e choroso e confuso. Mas eu não quero ter vergonha de nada que eu seja capaz de sentir.

Tantas perguntas, tanto na minha cabeça. Tantas respostas que eu não consigo encontrar.

"No edifício do pensamento não encontrei nenhuma categoria na qual pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos"

Tudo o que nos fez feliz ou infeliz serve para montar o quebra-cabeça da nossa vida, um quebra-cabeça de cem mil peças.

No fundo - ou no limite - para ver bem uma foto mais vale erguer a cabeça ou fechar os olhos. "A condição prévia para a imagem é a visão", dizia Janouche a Kafka e Kafka sorria e respondia: "Fotografam-se coisas para expulsá-las do espírito. Minhas histórias são uma maneira de fechar os olhos". A Fotografia deve ser silenciosa (há fotos tonitruantes, não gosto delas): não se trata de uma questão de "discrição", mas de música. A subjetividade absoluta só é atingida em um estado, um esforço de silêncio (fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio). A foto me toca se a retiro do seu blábláblá costumeiro: "Tecnica", "Realidade", "Reportagem", "Arte" etc.: nada a dizer, fechar os olhos, deixar o detalhe remontar sozinho à consciência afetiva.

Às vezes a gente precisa sair e arejar a cabeça e lembrar quem a gente é. E onde a gente quer estar.

Todos podem ser bons em algo, só passam a ser ruins quando põem na cabeça que não são capazes.

O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

Maria Julia Paes de Silva
Livro: Qual o tempo do cuidado? Edições Loyola, 2004. P. 49

Nota: A autoria do pensamento tem vindo a ser erroneamente atribuída a Fernando Pessoa.

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Os Três Mal-Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto - Obra Completa

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto
Poesia completa. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2020.

A vida não se resolve com palavras.

Bola de futebol... é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mãos.

Seria sem sentido chorar, então chorei enquanto a chuva caía porque estava tão sozinho que o melhor a ser feito era qualquer coisa sem sentido.

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