Cronicas de Luiz Fernando Verissimo Pneu Furado

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Não queria, desde o começo eu não quis. Desde que senti que ia cair e me quebrar inteiro na queda para depois restar incompleto, destruído talvez, as mãos desertas, o corpo lasso. Fugi. Eu não buscaria porque conhecia a queda, porque já caíra muitas vezes, e em cada vez restara mais morto, mais indefinido – e seria preciso reestruturar verdades, seria preciso ir construindo tudo aos poucos, eu temia que meus instrumentos se revelassem precários, e que nada eu pudesse fazer além de ceder. Mas no meio da fuga, você aconteceu. Foi você, não eu, quem buscou.

Parei um pouco de escrever para olhar pela janela e principalmente para ver se eu conseguia deter o pensamento. Acho que consegui. Porque quando começo assim não consigo mais parar, e não quero ouvir eles dizendo que não tem remédio, que eu não tenho cura, que você não existe. Depois eu paro e fico olhando a porta por onde você não entra, o telefone por onde você não fala, e então penso que talvez eles tenham razão, que talvez você não venha mais, e com dificuldade consigo até pensar que talvez você não exista mesmo. Mas não é possível, eu sei que não é possível: se estou escrevendo para você é porque você existe.

Eu não podia apenas sorrir quando me lembrasse de você? Mas acontece tipo assim: lembro do seu rosto, do seu abraço, do seu cheiro, do seu olhar, do seu beijo e começo a sorrir, é assim mesmo, automático, como se tivesse uma parte do meu cérebro que me fizesse por um instante a pessoa mais feliz do mundo. Eu sei, é lindo. Mas logo em seguida, quando penso em quão longe você está sinto-me despedaçar por inteira. E dói. Uma dor cujo único remédio é a sua presença. Então sigo assim, penso em você, sorrio, sofro e rezo, peço pra Deus amenizar essa dor.

E se perguntassem o que vem a ser o certo, Gabriela olharia com a cabeça torta como a de um cachorro quando parece não compreender o que se passa. O olhar de repente vidrado de quem tem sede de entender as coisas que acontecem ao redor. Ela não sabia amar, talvez. Então mais um amor havia ido embora, mais um amor havia chegado ao fim. Nessa imensa individualidade onde ninguém podia entristecê-la sempre cresciam espinhos. Espinhos para machucar aqueles que a machucavam, então assim não a tocavam. Não tocava porque o medo da mágoa não deixava que lhe tocassem, ou então havia medo porque não haviam tocado fundo o suficiente para que o medo não existisse. Que triste então estava sendo, mas Gabriela parecia acostumada. Acostumada e fria porque depois de tantas lágrimas, ela finalmente parecia ter secado. A maquiagem borrada em volta dos olhos tinha sido limpa na noite anterior. Quando Antônio e ela se encontraram; ela parecia inteira. Inteira porque não tinha ficado nada dela para trás.

Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais não estar no que você vê. E tanto tempo terá passado, depois, que tudo se tornará cotidiano e a minha ausência não terá nenhuma importância. Serei apenas memória, alívio, enquanto agora sou uma planta carnívora exigindo a cada dia uma gota de sangue para manter-se viva. Você rasga devagar o seu pulso com as unhas para que eu possa beber. Mas um dia será demasiado esforço, excessiva dor, e você esquecerá como se esquece um compromisso sem muita importância. Uma fruta mordida apodrecendo em silêncio no quarto.

A perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo - porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é NEVER.

Escuta - Ele disse, bem perto do meu ouvido, a boca vermelha no rosto pálido quase encostada na minha pele. Tive uma vontade quase incontrolável de beijá-lo outra vez. Era meio compulsivo, aquilo. Ou magnético, sei lá. Fluidos, odores imperceptíveis, vibrações. Que coisa era aquela que, independente da razão, atraía ou repelia as pessoas? - A gente precisa conversar. Eu fiquei pensando naquilo que aconteceu. Do livro: Onde andará Dulce Veiga?

(...) Atrás da vidraça, olhando a chuva que, aos poucos, começa a passar.(...) “Tenho uma boa taça. Quero compartilhá-la com você”. Estende as mãos para a frente, como se fosse tocar o rosto de alguém. Mas você está sozinho, e isso não chega a doer, nem é triste. Então você abre a janela para o ar muito limpo, depois da chuva. Você respira fundo. Quase sorri, o ar tão leve: blue.

Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também.

Brigadeiro, Guaraná, as praias mais bonitas do mundo, Chinelos Hawaianas, Feijoada, Carnaval, as mulheres mais bonitas do mundo, melhor vôlei, melhor futebol, melhor tenista, Caipirinha, cacau show, Tapioca, a modelo mais cobiçada do planeta, a língua mais difícil do mundo, Leite condensado, a maior floresta do mundo, não existem ataques terroristas frequentemente, Vulcões, Terremotos, Maremotos. O maior índice de humoristas do mundo, a maior variedade de estilos musicais, pessoas com histórias para contar. Você tem certeza que não gosta do Brasil?

Todos os dias eu quase te ligo, eu quase consigo ser leve e te dizer: “Ei, não quer ir no parque? A temporada está acabando…” Eu quase consigo te tratar como nada. Mas aí quase desisto de tudo, quase ignoro tudo, quase consigo, sem nenhuma ansiedade, terminar o dia tendo a certeza de que é só mais um dia com um restinho de quase e que um restinho de quase, uma hora, se Deus quiser, vira nada. Mas não vira nada nunca.

Eu acho graça e penso em como você também acharia graça se soubesse como eles repetem que você não existe. Depois eu paro de achar graça e fico olhando a porta por onde não entra o telefone por onde você não fala e me lembro do pedaço apodrecido daquela maçã e então penso que talvez eles tenham razão, que talvez você não venha mais, e com dificuldade consigo até pensar que talvez você não exista mesmo. Mas não é possível, eu sei que não é possível: se estou escrevendo para você é porque você existe.

Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.

Tem dias em que tudo se encaixa, como no momento das peças finais dos quebra-cabeças, e tem aqueles em que tudo se desencaixa numa aflição tonta de não haver sentido nem paz, amor, futuro ou coisa alguma. Tem dias que nenhum beijo mata a fome enorme de outra coisa que seria mais (e sempre menos) que um beijo. Mas tem aqueles outros, quando um vento súbito e simples entrando pela janela aberta do carro para bater nos teus cabelos parece melhor que o mais demorado e sincero dos beijos. Precisamos dos beijos, precisamos dos ventos. Tem dias de abençoar, dias de amaldiçoar. E cada um é tantos dentro do um só que vê e adjetiva o de fora que escapa, tão completamente só no seu jeito intransferível de ver.

(…) todos os relógios estão parados, não sei se é ontem, se hoje ou amanhã, se é sempre, se nunca mais, estou solta aqui, completamente só, não há relógios e o tempo avança liberto, sem fronteiras nem limitações, uma bola de arame farpado, o sentimento vai se adensando em mim, transborda dos olhos, das mãos,( …) o tempo, o outono, a tarde, o mundo, a esfera, a espera em que estou para sempre presa.

Você não me entende porquê você nos divide em dois: eu e você. Não existe divisão. Eu não sou só eu. Eu sou também você e todos os outros, e todas as coisas que eu vejo. Você não me entende porque você nunca me olhou. Olhe firme no meu olho, me encara fundo. A gente só consegue conhecer alguém ou alguma coisa quando olha para ela bem de frente, cara a cara.

Talvez bastasse qualquer coisa como chegar muito perto de você, passar a mão no teu cabelo e te chamar de amigo. Ou sorrir, só sorrir. Qualquer coisa assim. Seria simples, eu sei. Seria fácil, mas eu tenho medo. Se eu pudesse cantar junto com você… Se eu pudesse sentir bonito… Quando você canta, fica tudo lindo e eu não tenho medo… Canta, canta mais. Não pare de cantar, baby. Quem sabe daqui a pouco eu consigo cantar junto também.

Será que vai ser sempre assim? Bater a cabeça, achar que algo vai dar certo e depois me surpreendo tanto, que não para de doer, e me pergunto se essa dor vai ser pra sempre, e é aí que lembro que passa, tudo passa, eu sei que passa, então tenta voltar a conseguir comer algo, e conversar com as pessoas sem aquele aperto no meu coração, pois é assim que vivi quando estive amando, com medo, triste, enfim... essa é a dor que um dia prova que eu senti tudo que alguém podia sentir, só que apenas em um coração, Então não sei se aguento, pois é apenas um coração.

Você me avisou que seria difícil, mesmo assim eu ainda continuo tentando. Meu desafio favorito passou a ser te decifrar. Seus gostos mais excêntricos, já não são tão esquisitos para mim. Seu mundo particular não me é mais estranho. E ainda me ouso tentar adentrar nele, mas as luzes estão apagadas, não consigo achar a porta. Só que não me dou por vencida, perseverança é meu forte. Mas você teme não enxergar que nesse nosso jogo eu quero ser o teu amor, ter o teu amor.

Apertou o livro entre dedos subitamente frios, depois colocou-o no colo para ajoelhar-se e estender as mãos em direção ao fogo. Eu parado na porta às quatro da manhã. Você indo embora. Eu me perdendo então desamparado entre cinzeiros cheios e garrafas vazias. Você indo embora. Eu indeciso entre beber um pouco mais ou procurar uma beata em plena devastação ou lavar copos bater sofás guardar discos mastigar algum verso adoçando o inevitável amargo despertar para depois deitar partir morrer dormir sonhar quem sabe. Você indo embora. Acordar na manhã seguinte com gosto de corrimão de escada na boca: mais frustração que ressaca, desgosto generalizado que aspirina alguma cura. Tocaria, o telefone? Você indo embora, fotograma repetido. Na montagem, intercalar. Você indo embora você indo embora.

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