Cronicas de Luiz Fernando Verissimo Pneu Furado
A vida não nos rouba a história com o passar dos anos. Apenas substitui componentes do roteiro respeitando a prerrogativa de nos mantermos protagonistas. O sentimento de perda só acontece quando nos recusamos a aceitar o capítulo novo na tentativa inútil de permanecer reprisando episódios de temporadas que já se esgotaram.
Basta dar uma passadinha nas redes sociais para constatar que o novo sentido de felicidade que se instalou é aquilo que os psicanalistas chamam de “Síndrome de Poliana”, onde o que importa é fazer o “jogo do contente” num contingente cada vez maior de eremitas modernos – isolados do mundo e impotentes para introduzir qualquer mudança em suas vidas – que sobrevivem publicando “selfies” felizes dos seus desejos frustrados, mas sem qualquer conexão com a realidade que enfrentam.
Os tiros que me chegam vindos do morro me remetem a questionar o porque de tanta violência. Ainda que não justifique, consigo entender que para o indivíduo condenado à perene pobreza não deve ser fácil aceitar que alguns tenham tudo, e outros tantos precisem passar uma vida inteira para ter pouco mais do que nada. Minha lógica me diz que é bem mais fácil entender miseráveis roubando de ricos do que milionários roubando o pouco que o pobre consegue apenas porque o muito que têm ainda não é o bastante para o tamanho de sua ganância.
Nada no mundo permanece inalterado. Voltar apenas dois dias no tempo já é o bastante para constatar que o que era “amanhã” anteontem, hoje já é ontem. Cuidado, pois, com cada passo dado no caminho, pois a soberba de agora poderá não ser mais que uma lembrança da glória do passado num futuro não muito distante.
Constatar um erro que cometemos é sempre desagradável. Deixar de aprender com ele para não precisar repeti-lo é incompreensível e pouco inteligente. Mas cometer o mesmo erro pela terceira vez não é apenas inadmissível: exige cuidadosa análise do histórico para concluir se é caso de doença ou de pura falta de caráter.
Eventualmente nossos pensamentos nos ditam preconceitos odiosos e incompatíveis com uma pessoa digna, pois nos chegam como percepções não submetidas à ética racional. Mas é quando os compartilhamos que nos deixamos contaminar pela pequenez de espirito, onde então o instinto primitivo e ainda controlável assume caráter de torpeza e nos transforma em algo tão abjeto quanto as consequências que gera.
Tanto quem concede o perdão quanto o perdoado firmam, no exato momento em que se expressam, um compromisso entre si: pelo perdoado, o de deixar no passado seus erros e partir para um novo começo; pelo que perdoa, o de valorizar a decisão como momento de mudança, não se dispondo a repeti-lo em outras ocasiões e se tornar conivente com o desvirtuamento de seu real propósito. Ao concedê-lo a Madalena, o próprio Cristo não afirmou que voltaria a faze-lo. Antes lhe disse: “Vai e não peques mais!”
A vida só faz sentido quando se mostra como um espiral, que eleva seu patamar a cada volta sem reincidir sobre a linha anterior. Toda vez que se apresentar como moto-perpétuo – que repete a mesma trajetória indefinidamente – está na hora de se romper com as estruturas que lhe dão sustentação.
É mais fácil esquecer e perdoar um desatino grave - mas pontual e episódico - do que os que se mostram recorrentes, numa alternância entre malfeitos e arrependimentos que minam tudo o que antes fazia valer o relacionamento. Enquanto os primeiros o tempo naturalmente se incumbe de apagar, seu transcurso nestes últimos só reforça a certeza de que a única forma de ter a paz de volta é o distanciamento do foco gerador de maneira inadiável, decisiva e irreversível. Como já alertava Oscar Wilde, são os pequenos atos de cada dia que fazem ou desfazem o caráter.
A forma de criar um escudo protetor contra as pessoas que nos constrangem o espírito é primeiro criar para nós mesmos as regras de convívio que estabelecemos com elas e em nenhuma circunstância abrir mão delas para que descubram que não podem atingir-nos com sua prepotência, tentativas de insurgência ou poder de intimidação. A segunda medida é definir canais de contato que nos permitam refletir sobre o que nos pedem, avaliar tudo o que possa induzir-nos a erro e escolher com toda cautela as decisões que se mostrarem mais confiáveis.
Não se chame de "crítica construtiva" uma opinião não solicitada que se apresente como condição para o resultado acontecer. Por definição, “crítica” é a análise de um feito com o intuito de contribuir com sua melhoria. Mas quando exercida sobre o momento da execução arrogando-se o direito de alterar a concepção de seu criador e subtrair-lhe a autonomia, deixa de ser contribuição e passa a ser censura.
Confiança é como gravidez: não existe “meia confiança”. Sempre que precisamos avaliar previamente um resultado a ser produzido por outrem, invariavelmente a confiança já não se faz presente. A culpa será do outro, certamente, quando seu histórico nos aponta para o motivo; mas quando não existe tal fato gerador, claro está que o problema se deve a nossa própria insegurança. Isso irá requerer uma auto-análise sobre a natureza do poder que desejamos exercer sobre o que nos cerca. E se houver uma intenção real de entendê-lo, pode ser que descubramos que tudo não passa de arrogância, necessidade de dominação ou, no mínimo, soberba disfarçada de “gestão participativa”.
Você não tem que disfarçar sentimentos legítimos em nome de uma suposta racionalidade, e muito menos deixar de demonstrá-lo em função de uma alegada “postura profissional” sempre que se sentir atropelado em seus princípios. O uso da inteligência emocional nos mostra que é necessário manter a natureza holística onde racional e emocional são partes integrantes e indissociáveis do que somos, de forma a que não precisemos anular sentimentos ou fingir que os deixamos do outro lado da porta. Argumentos que se prestam a atropelar qualquer um dos que integrem nosso esquema de crenças e valores se mostram indefensáveis, já que são direitos inalienáveis da pessoa humana e jamais poderão se constituir em objeto de negociação.
A fragmentação do planeta - onde sobra covardia e falta autoconsciência - se deve a uma maioria medrosa que nunca irá confrontar o que lhe foi ensinado com a verdade que pode descobrir dentro de si. Assim sempre será mais fácil colocar a culpa no outro que apontou o caminho errado do que assumir as próprias escolhas, principalmente quando falta coragem para enfrentar quem se oponha a elas.
As relações humanas são como edificações que dependem de alicerces confiáveis que lhes garantam a sustentação: por mais atraente a aparência externa, impossível mantê-las de pé sobre estruturas já condenadas, sendo o desabamento uma questão de tempo. Até palácios levantados sobre pilares mal construídos se transformam em pó quantas vezes se tente reerguê-los. Consolidem-se as fundações, e a construção se mostrará perene.
Ideologicamente não duvido de que passaríamos muito melhor sem as religiões. Nenhum de seus maiores líderes fundou igrejas. Mas também reconheço que, para muitos que não conseguem andar com as próprias pernas, as muletas ainda são importantes, ainda precisam que alguém lhes dite o que fazer, já que não conseguem pensar por si mesmos. E é no meio desse medo todo de enfrentar suas verdades que os "fazedores de cabeças" encontram espaço para se multiplicar e encher os bolsos em cima da miséria e da boa fé humanas.
Assusta-me mais o aético do que o antiético. Este último pelo menos conhece a linha divisória entre o certo e o errado, e isso se mostrará como o divisor de águas entre o agir e o não agir, já que está ciente das consequências. Já o aético seguirá cometendo atrocidades por não possuir o mecanismo que lhe permite entender a diferença entre um e outro,
Profissionais comprometidos com o que fazem até conseguem manter competência e motivação mesmo sob remuneração desproporcional aos resultados que produzem. Mas quando a questão financeira se estende mais do que o necessário, o mínimo que se espera é que a compensação venha através de sinais regulares do líder revelando estar atento às demais necessidades como valorização do empenho, crédito à competência atestada e demonstração de confiança ao conferir autonomia. É certo que os conscientes e responsáveis não irão “pisar na bola” por não terem tudo o que precisam mas, ainda que não o desejem, ao final de um tempo esticado em demasia estarão desgastados demais para explorar o potencial que possuem. Nada mais natural portanto que se direcionem, mais dia menos dia, para o que já há muito faziam por merecer.
Blefar para extrair vantagem, se não existe embasamento para o que se cobra, não passa de esperteza burra, com toda certeza. Mas quando, porém, o mérito se mostra presente e legitimado por competência, abrir mão da contrapartida apenas vermifica o ser humano por sujeitá-lo a condição que menospreza seu real valor, e revela estupidez pela renúncia a um direito inalienável de crescimento, sem o que nenhuma dignidade conseguirá subsistir.
Que bom quando o significado de “amigo” deixa de estar atrelado à quantidade de acessos que as redes sociais definem como indicador de sucesso. O pequeno círculo que permanece, resultante dessa filtragem, assume um valor incalculável e inversamente proporcional ao sentido de perda que acompanha os que avaliam a si mesmos pelo número de “curtidas”.
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