Cora Coralina Poema do Futuro
MEU VIOLÃO
Se meu violão falasse
Certamente diria
Em verso, em prosa em poesia
Coisas secretas de minha alma
Que nem cartola cantaria.
Sobre amores esperados
Nas esquinas da vida
Em noites vazias
De tantos desencontros
Em breves sussurros
Em tristes melodias.
Meu violão canta como eu
desafinado de melancolia
Sonhando o futuro glorioso
Esperançoso de paz e harmonia.
Meu violão, um amigo leal
O mais próximo do peito
Somos assim predestinados à solidão,
Vivemos esta grande ilusão
Que ninguém nos roubará este direito.
Assim como num romance
se faz necessário a troca de feto,
pois do contrário seria só
ilusão platônica; o mesmo se dá
com a amizade. Não existe afeto
nem consideração, sem a constante
preocupação e uma leal reciprocidade.
SOBRE A SAUDADE
Nem me fale da saudade
Que arrebenta com a gente
Neste tempo diferente
Que a ausência se firmou
Como alma penitente
Sempre ao lado do senhor.
A saudade roí sem pena
Fez morada aqui no peito
Nem por força vai embora
Já não tenho este direito
De viver as alegrias de outrora
Quando o mundo era perfeito.
Hoje só respiramos por sorte
Quando a dor não está presente
É a saudade dos amigos
Dos filhos-netos e de parente
Mas o que de fato doí é saber
E viver como indigente.
Desprezado sem um abraço
Já que somos feitos assim
De carne e osso, sangue e afeto
Precisamos de carinho, olho a olho
De um sorriso bem contente
De alguém que esteja perto.
Evan do Carmo
SÍNTESE
Partícula de pó do verso vida
Incongruência de tanta lida
Sujeito imperfeito
Do verbo sorri, hiato mudo
Da melodia tônica
Pedaço de caos
Na euforia atômica
Homem, substantivo
Ora masculino
Mulher, finitude do amor
Fio invisível da trama de Deus.
O que somos nós, no mundo físico,
O sexo, o desejo, o canto a voz
O impossível e o improvável?
Razão e lucidez de tanto querer,
Somos tudo o que permitimos ser .
AUTORRETORNO
Eis um póstumo chegando aos esgotos do paraíso para viver sua eternidade!
“Recevez en retour cet être qui est votre création.” – assim falei para um barbudo
sisudo sentado sobre uma nuvem de merdas…
Claro! Descarreguei minha raiva porque não queria estar ali
naquela situação idiotizada, diante duma besta que me pretendia julgar
pelos feitos – bons e maus – duma vida que só queria que fosse minha.
O canalha divinizado ouviu-me impassível como se Deus fora!
Olhou-me e descarregou uma gargalhada celestial – mas demoníaca!
Pasmo fiquei diante daquela insanidade divinal, de miserável sabedoria.
Afinal, quem pensara ele fosse para me dar – a mim – aquele tratamento!?
Porventura, não sabia aquele idiota – que tudo sabe! – ser-me um poeta!?
Imaginei-me estar diante do meu outro Demiurgo – tão criador!… tão criatura!…
E logo percebi que aquele demônio era pura e tão somente uma ilusão!
Merda suculenta nos esgotos das veias da Hybris de nossas criaturas.
Arco-íris
E assim se deu no nosso caso de amor
Como uma flor, que desabrochou
No meio do asfalto.
Minha vida, quadro cinza na parede
Retrato em branco e preto
Agora um arco-íris se pintou.
Ao seu lado tudo se transforma
Contornos viram formas
Desenhos de asa e flor.
Quando você me abraça tudo fica rosa
Não leio mais Rimbaud
Meu verso triste virou prosa.
Acordes dissonantes soam simples
Como as melodias do sertão.
E o amargo do café se adocica
Quando você fica, sem pressa e sem razão.
A vida com você é colorida e doce
Como um caramelo de paixão.
Eu quis beber não tinha leite
Eu quis comer, não tinha pão .
O meu pais está fadado
Está voltando a inflação
Se bastasse a pandemia
Ainda tem o apagão
O fogo acesso na Amazônia
Desperta gente pra solução
Nada pra beber,
Nada pra comer camarada...
Agora é moda citar a bíblia
Pra explicar contradição
Mateus 6:10, termo finito
Fim do conflito e desta confusão.
SOBRE A PAIXÃO
É possível que uma mente
iluminada pela inteligência
venha sucumbir à paixão?
Sim, até certo ponto
pois ninguém está totalmente imune
ao encanto da beleza e da inteligência superior.
Contudo, uma mente evoluída,
experimentada em vários campos da existência humana
tem a presciência de que a paixão é nociva
ao equilibro da alma.
Sendo assim, esta mente privilegiada
saberá administrar os efeitos da paixão,
que mesmo sendo pela beleza inteligente
pode ser instrumento de dor e sofrimento
a terceiros envolvidos.
Porém, a presunção humana pode nos induzir
ao erro, ao erro de nos achar superiores
Todavia, nesse campo, só a vivência pode nos socorrer.
Portanto se já dominamos a paixão carnal
especialmente no campo romântico
temos de fato franqueza no falar
e, em contrapartida, uma mente treinada
para vencer quantas paixões vierem nos atrair.
SE O MEU AMOR FOSSE CANÇÃO
Se o meu amor fosse canção
Seria música de Tom Jobim
De natureza, bela, de luz e de sol
Seria pra mim a nona perfeita
Divina, sem início nem fim.
Se o meu amor fosse canção
Seria ópera de Wagner
Romance de Isolda e Tristão
Eclipses de Caetano
“Qualquer Coisa” vã
Travessia de Milton
Sina de Djavan.
Se o meu amor fosse canção
Seria assim, cheia de defeitos
Melodia incompleta
Rascunho de poeta
Poema sem som.
Evan do Carmo
SOMOS ARTISTAS
Somos assim, seres estranhos
No meio do povo, mundo tacanho.
Não queremos de graça
O que temos por ganho
É mágica de amar.
Se a arte incomoda,
Dizem que é pobre
Oh, gente nobre, somos só artistas
A nossa conquista é o fato ser
Pessoas comuns, como todos vocês.
Importante é viver este sonho normal
De beber nosso vinho, de comer nosso sal
Entre tantos enganos, sabemos o caminho
Para onde andar, e o que queremos,
Se vivendo ou morrendo
Temos paz pra criar,
Uma ideia de mundo quase perfeito
Onde temos o direito de viver e sonhar.
ARCO-ÍRIS
E assim se deu, o nosso caso de amor
como uma flor que desabrocha no asfalto
agora um arco-íris se pintou
e assim se deu, o nosso caso de amor
a minha vida, quadro cinza na parede
agora um arco-íris se pintou
e assim se deu, o nosso caso de amor
ao seu lado, o meu mundo se transforma
contornos viram formas, desenhos de asa e flor
e assim se deu, o nosso caso de amor
nos seus braços tudo fica rosa
meu verso triste vira prosa
não leio mais Rimbaud
e assim se deu, o nosso caso de amor
quando você fica sem pressa sem razão
o amargo do café se adocica
como um caramelo de paixão.
GAROTA DE COPACABANA
Copacabana também tem uma garota
Que anda marota até a praia do Leblon
Em Ipanema todos ficam encantados
Com seu rebolado quando escutam aquele som
É a beleza que caminha lado a lado
Com a natureza, com o balanço do mar
Rio, que rio é esse, que rio de tudo quando
Cá estou, é o balanço da moça faceira
Bela feiticeira que me escravizou
Copacabana tem uma beleza etérea
Uma musa eterna para um compositor
Um poeta velho ou um poeta moço
Cantam este colosso que ninguém criou
Foi Copacabana cantada primeiro
Pelo estrangeiro que por lá chegou
Só Copacabana ainda é princesa
Luz que a natureza nunca apagou
Rio, que rio é esse, que rio de tudo quando
Cá estou, é o balanço da moça faceira
Bela feiticeira que me escravizou
Copacabana todo fim de ano
Vem o mundo inteiro para lhe adorar
Mas logo em janeiro ela é só minha
Quando posso ver gente a caminhar
Na calçada larga de uma rua santa
Só o que me encanta é o seu andar
Rio, que rio é esse, que rio de tudo quando
Cá estou, é o balanço da moça faceira
Bela feiticeira que me escravizou
AS FLORES DO MAL
De João Batista do Lago
Vago-me como “Coisa” plena
pelo labirindo que me cidadeia
meus passos são versos inacabados
há sempre uma pedra no meio do caminho:
tropeços disruptivos que me quedam
na dupla face das estradas
espelhos imbricados na
memória experencial dos meus tempos
Vago-me como “Mercadoria” plena
atuando no teatro citadino a
comédia trágica dos atos que não findam
um “Severino” ou um “Werther” autoassassinos
transeuntes de suas identidades
perdidas pelas ruas das cidades
onde me junto e me moro nos
antros cosmológicos de experiências e memórias
Vago-me como o “Amor” sempre punido
tonto e perdido no meio da sociedade
donde me alimento do escarro possível
onde “sujeitos” sem experiência e sem memória
negociam os amores vendidos na
fauna de “humanos” prostitutos
segredados nos prostíbulos das igrejas:
lavouras de todas as flores do mal
Eu e minh’alma
De João Batista do Lago
Aqui, diante um do outro,
eu e minh'alma nos olhamos
‒ com olhares narcísicos.
Acima de nós um espírito que nos contempla
admirado e intrigado e esperando o primeiro verbo…
Quem, diante de nós falará a palavra inicial – ou terminal! ‒
num afeto magistral de dois entes que se amam, mas se destroem ao mesmo tempo,
na nave que nos segreda a milionésima parte dos nossos átomos
que nos tornam unos e indiferenciados?
A fogueira do tempo queima-nos diante da divinal espiral
que nos empurra para cima
fazendo com que dancemos os enigmáticos sons
que nos saem dos mais profundos átomos
que nos enfeixam de vida e morte,
como se vida e morte existissem!
Eu diante da minh'alma sou eu e minh'alma.
Sou único…
sou uno!
Sou apenas alma.
Sou apena eu.
Somos o átomo universal na cadeia infinita do universo
que nos produz como carnes e verbos
oferecidos aos lobos que se nos desejam alimentar.
Ó grande espírito que nos espreita,
se nós – eu e minh'alma –
tivermos que furtar o fogo para ajudar a toda humanidade
a superar seus atributos infernais,
assim o faremos.
Em nós – eu e minh'alma –
não há sentimentos de pudicas verdades…
O universo é o espaço e o tempo
que precisamos para gerar nos ventres cosmológicos
os sãos sujeitos de nós mesmos:
a trindade agora é perfeita…
é única…
é una
– eu, minh'alma e tu, ó grande espírito!
Entendido pois está o mistério:
Somos tão somente o verbo atômico universal.
ABORTAMENTO
De João Batista do Lago
Quando eu morri, um deus qualquer me pariu!
Na casa onde parido fui havia duas dimensões:
primeira delas o ventre-rio solitário e escuro;
na segunda parição tive por casa o mundo,
e sem me cortarem o cordão umbilical
vadiei pelos aposentos ‒ já ali sujeito obscuro!
Na primeira casa naveguei todos os sonhos.
Na segunda casa fui jogado para “Outros” monstros:
qual casa, então, devera seguir!?
Hoje percebo a casa que me é original:
hei-me aqui parido como filho primogênito,
expurgado para sempre para a mundidade do mundo.
Nenhuma outra casa existira; fora tudo ilusão
Sou-me de mim a única casa repleta de eus
Todos os meus aposentos revelam-se: meu Corpo
NECROFILIA
De João Batista do Lago
E esta carne que se me apodrece
a alma, o espírito e os ossos,
que fará de mim?
‒ Me danará pó
na consciência de todos
os condenados de miserável sorte!?
‒ Terei então dado a resposta do que sou:
antropoema nascido da vagina do universo,
sacrário que me guardará no ventre
do meu eterno retorno do mesmo;
Serei, então, o épico do humano
na minha própria comsmogenia
enterrado no sarcófago
da minh’alma errante e vagabunda.
INFANTICÍDIO
De João Batista do Lago
Minha barriga está cheia!
Preciso urgentemente defecar
as tradições que degluti
e que me foram impostas
pelas tradições de todos poderes…
Estou empanzinado!
Necessito cagar velhos poemas
não posso deixá-los crescer:
se os parir como alimentos
serei algoz; cometerei infanticídio
QUERENDO PELA VIDA TE QUERER
De João Batista do Lago
No meu coração
Há um mundo de paixão
Guardado só pra você
Querendo pela vida te querer
Viajar contigo as emoções
Entre versos e canções
No meu coração
Há um campo vasto de ternuras
Sensato, sublime e puro
Capaz de suportar todas as dores
E assim alcançar teu porto seguro
Contigo viver instantes de amores
No meu coração
Há um jardim de flores
Pronto para o aconchego
Ao raiar de cada dia
Fazer do meu coração
Tua eterna moradia
MORTE LEVE, NÃO DOLOROSA
Assim dizia um poeta,
este poeta que não era triste
nem viva sorrindo à toa
o poeta não era de muitos amigos,
tampouco de muitos amores.
Contudo, ao atingir a maturidade,
quando se viu saciado de dias
falou em uma conversa com Deus,
Deus esse que ele pouco incomodava
com suas necessidades de homem mortal.
Então disse o poeta, sem nenhum traço de melancolia:
Eu, de fato posso concluir com bastante satisfação
que a vida me foi agradável, até muito mais além
daquilo que eu desejava. Usufruiu de quase tudo
aquilo que é possível ao homem desfrutar:
tive filhos e esposa-amante.
Fui contemplado com o dom maior
reservado aos deuses entre os homens,
música e construção, poesia e espiritualidade,
fui pai e avô, usei com equilíbrio
tudo que dá prazer a carne e ao espírito.
Tive tempo e coragem para declarar meu amor
a quem de fato o merecia. Fui bom amigo,
marido dedicado e leal.
Fiz música e poesia para todos,
nunca calei diante da injustiça
em bora a tenha cometido em algum momento
por confusão mental e falta de critério..
Sempre tive coragem moral para defender minhas convicções
para pedir perdão e conceder a quem de mim necessitou,
creio que agora estou concluso, no verso e na prosa.
Então que a morte seja breve, embora leve não possa ser,
mas para mim não será dolorosa.
Evan do Carmo 13\12\19
O QUE PODE UMA PAIXÃO
Disse certa vez um tolo,
um tolo bem conhecido entre os sábios
que estava enjoado da sua estupidez
assim como a abelha enjoa do mel.
Assim me sinto hoje em dia
depois de tantas tentativas em vão
para encontrar o sentido da vida
ou como dizem outros mais sábios, a felicidade
que para mim é a mesma coisa.
Contudo agora posso afirmar,
como só um tolo afirma
que a vida sem paixão não faz nenhum sentido.
A paixão, paixão parece algo proibido
quem diz estar apaixonado
geralmente fala pelo coração.
Então por que razão a paixão é tão essencial para nos manter vivos?
A paixão só é verdadeira e proveitosa quando liberta
se a paixão não pode ser vivida vira febre delirante
o homem que tenta esconder uma paixão não será feliz
nem será bem-sucedido em esconder
a paixão não pode ser guardada sem grandes prejuízos.
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