Contexto da Poesia Tecendo a Manha

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A árvore e a vara

Uma árvore que crescia lindamente, erguendo em direção ao céu sua copa de tenras folhas, reclamou da presença de uma vara de madeira velha e seca que estava ao seu lado.

- Vara, você está perto demais de mim. Não pode chegar mais para lá?
A vara fingiu nada ouvir e não deu resposta.
Em seguida, a árvore virou-se para a cerca de espinhos que a circundava.
- Cerca, você não pode ir para outro lugar? Você me irrita.
A cerca fingiu nada ouvir e não deu resposta.
- Linda árvore – disse um lagarto, levantando sua sábia cabecinha para olhar para a árvore – você não vê que a vara está mantendo você reta? Não percebe que a cerca está protegendo você contra as más companhias?

Encontros e desencontros do amor

Cada encontro está carregado de perda. Ou de perdas. Às vezes duas pessoas que se amam (amigos, casados, solteiros, amantes, namorados) se encontram e são felizes. Ao fim da felicidade, um deles chora. Ou fica triste. Ou baixa os olhos. Ou é invadido por uma inexplicável melancolia. É a perda que está escondida no deslumbramento de cada encontro.

O encontro humano é tão raro que, mesmo quando ocorre, vem carregado de todas as experiências de desencontros anteriores. Quando você está perto de alguém e não consegue expressar tudo o que está claro e simples na sua cabeça, você está tendo um desencontro. Aquela pessoa que lhe dá um extremo cansaço de explicar as coisas é alguém com quem você se desencontra. Aquela a quem você admira tanto, que lhe impede de falar, também é um agente de desencontro, por mais encontros que você tenha com as causas da sua admiração por ele.

A pessoa que só pensa naquilo em que vai falar e não naquilo que você está dizendo para ela é alguém com quem você se desencontra. Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido a seu lado, é alguém desencontrado de você. Cada desencontro é perda porque é a irrealização do que teria sido uma possibilidade de afeto. É a experiência de desencontros que ensina o valor dos raros encontros que a vida permite. A própria vida é uma espécie de ante-sala do grande encontro (com o todo? O nada?).

Por isso, talvez ele nada mais seja do que uma provocação de desencontros preparatórios da penetração na essência do ser. Mas, por isso ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. E no ato de sentir-se feliz associa-se a ideia do passageiro que é tudo, do amanhã cheio de interrogações, da exceção que aquilo significa. A partir daí, uma tristeza muito particular se instala.

A tristeza feliz. Tristeza feliz é a que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão raros. Encontros verdadeiros são os que se realizam de ser para ser e não de inteligência para inteligência ou de interesse para interesse. Os encontros verdadeiros prescindem de palavras, eles realizam em cada pessoa, a parte delas que se sublimou, ficou pura, melhor, louca, mas a parte que responde a carências e às certezas anteriores aos fatos.

É mais fácil, para quem tem um encontro verdadeiro, acabar triste pela certeza da fluidez da felicidade vivida do que sair cantando a alegria da felicidade vivida ou trocada. Quem se alegra demais se distancia da felicidade. Felicidade está mais próxima da paz que da alegria, do silêncio do que da festa. Felicidade está perto da tristeza, porque a certeza da perda se instala a cada vez que estamos felizes.

É esta certeza - a da perda - que provoca aquela lágrima ou aquela angústia que se instala após os verdadeiros encontros. Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um "e depois?" após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada. Disso só se salva quem se cura, ou seja, quem deixa de estar feliz para ser feliz, quem passa do estar para o ser.

Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto. Não se preocupe mais com ele e suas definições.
Cuide agora da forma. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho.
Cuide de você. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz (ou melhor, permita-lhe ser feliz com você...)

Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança.
De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim.
Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passa debaixo de sua janela.
Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de conto de fada.
Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.
Se você não tem namorado é porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e de repente parecer que faz sentido.

Artur da Távola

Nota: Trecho de um texto do autor, muitas vezes atribuído erroneamente a Carlos Drummond de Andrade.

Quem É Amigo?

Amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir ou se comportar no melhor de nós mesmos. É quem potencializa esse material. Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas pessoas, sim) mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós. Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor, um pouco de tudo isso. E sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos, é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais recompensadora. Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros, os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto. Um escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo.

Esse conceito de amizade, transcende aquele outro mais comum: a de que amigo é alguém com quem temos afinidade, alguma forma de amor não sexual, alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo. Claro que isso é também amizade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente de pessoas, conhecidas ou não, distantes ou próximas, que nos levam ao melhor de nós. E o que é o melhor de nós? É algo que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado. Mas temos. E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar esse melhor. Sentimo-nos, então, fundamente gratos e de certa maneira orgulhosos (no bom sentido da palavra) por poder exercitar o que temos de melhor. Este melhor de nós contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas ou não.

Amar, ao contrário do que se pensa, não perturba a visão que se tem do outro. Ao contrário, aguça-a, aprofunda-a, aprimora-a. Faz-nos ver melhor. Também assim é a amizade, forma de especial de amor, capaz de ampliar a lucidez e os modos generosos e compreensivos de ver, sentir, perceber o outro e sobretudo -se possível- potencializar os seus melhores ângulos e sentimentos.
Somos todos seres carentes de ser vistos e considerados pelo melhor de nós. A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência, a doença da auto-referência faz a maioria das pessoas transformar-se em vítimas do próprio olhar restritivo. E o olhar restritivo é sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas e partes que são nossas e não queremos ver. E quantas vezes isso acontece entre pessoas que se dizem amigas. Essas pessoas (que se dizem amigas), ignoram certas descobertas do velho Dr. Freud e através de chistes passam o tempo a gozar o “amigo”, alardeando intimidade (onde às vezes há inveja) como prova de amizade. O que não é. Mesmo quando é...

Se se quiser medir o tamanho de uma amizade, meça-se a capacidade de perceber, sentir e potencializar o melhor do outro, porque somente essa atitude fará dele uma pessoa cada vez melhor e por isso merecedora da amizade que se lhe dedica.

Ser Fluminense é entender esporte como bom gosto. É ser leal sem ser boboca e ser limpo sem ser ingênuo. Ser Fluminense é aplicar o senso estético à vida e misturar as cores de modo certo, dosar a largura do grená, a profundidade do verde com as planuras do branco.

Ser Fluminense é saber pensar ao lado de sentir e emocionar-se com dignidade e discrição. É guardar modéstia, a disfarçar decisão, vontade e determinação. É calar o orgulho sem o perder. É reconhecer a qualidade alheia, aprimorando-se até suplantá-la.

Ser Fluminense não é ser melhor mas ser certo. Não é vencer a qualquer preço mas vencer-se primeiro para ser vitorioso depois. É não perder a capacidade de admirar e de (se) colocar metas sempre mais altas, aprimorando-se na busca! E jamais perder a esperança até o minuto final.

Ser Fluminense é gostar de talento, honradez, equilíbrio, limpeza, poesia, trabalho, paz, construção, justiça, criatividade, coragem serena e serenidade decidida.

Ser Fluminense é rejeitar abuso, humilhação, manha, soslaio, sorrateiros, desleais, temerosos, pretensão, soberba, tocaia, solércia, arrogância, suborno ou hipocrisia. É pelejar, tentar, ousar, crescer, descobrir-se, viver, saber, vislumbrar, ter curiosidade e construir.

Ser Fluminense é unir caráter com decisão, sentimento com ação, razão com justiça, vontade com sonho, percepção com fé, agudeza com profundidade, alegria com ser, fazer com construir, esperar com obter. É ter os olhos limpos, sem despeito, e claro como a esperança.

Ser Fluminense, enfim, é descobrir o melhor de cada um, para reparti-lo com os demais e saber a cada dia, amanhecer melhor, feliz pelo milagre da vida como prodígio de compreensão e trabalho, para construir o mundo de todos e de cada um, mundo no qual tremulará a bandeira tricolor.

[O sentido da minha vida] é inventado a cada momento, mas é claro que eu necessito da poesia, eu necessito da arte, eu necessito de estar discutindo essas coisas, de estar pensando nessas coisas que dão transcendência à vida. Eu não tenho dúvida alguma de que a arte é necessária porque a vida não é suficiente, porque senão qual era a necessidade de inventar a arte? A necessidade é essa: as pessoas necessitam dela, por mais que aconteça coisa no mundo, a arte sobrevive, como uma forma de acordo com o momento, com a época, ela é uma coisa necessária, como a ciência é necessária, como a filosofia é necessária, como a religião é necessária, como a política é necessária.

Acordar

Acordar de manhã
Com a cama fria, vazia
O corpo quente de desejo
A alma lavada para enfrentar um novo dia
Acordar de manhã
Arrastar-se até o chuveiro
E só então despertar, com a água morna pelo corpo
Arrumar-se, da melhor forma possível,
Tomar o café às pressas para não perder a hora
E sair deixando no ar o perfume fresco...
Esse não é o acordar que eu desejo......
Essa é minha rotina.
O perfeito acordar seria
Aninhada em teus braços, nua
Quente, protegia, saciada
Ser convidada a despertar com afagos e beijos discretos
E uma ducha gostosa sem pressa
Como se fosse a primeira vez
E Fazer amor gostoso ali mesmo, no chuveiro
Para começar bem o dia
E gastar todas as energias
Para, enfim, dormir novamente ao anoitecer
E novamente acordar de manhã... ao seu lado.

Manhã

Fresca manhã da vida, recomeço
Doutros orvalhos onde o sol se molha.
Nova canção de amor e novo preço
Do ridente triunfo que nos olha.

Larga e límpida luz donde se vê
Tudo o que não dormiu e germinou;
Tudo o que até de noite luta e crê
Na força eterna que o semeou.

Um aceno de paz em cada flor;
Um convite de guerra em cada espinho;
E os louros do perfeito vencedor
À espera de quem passa no caminho.

Miguel Torga
TORGA, M., Libertação, 1944

Ah...
Hoje eu quebrei o meu despertador logo pela manhã
Tocou atrasado e eu quase perdi o horário da van
Agora você vê como são as coisas, Maria José
Se der

Se der
pra você me emprestar aquele seu vestido azul cor de mar
E se não servir vou tentar perder um quilo e meio até lá
Semana que vem é o tal casamento e eu não tenho o que usar
Se der

Ah...
E falando nisso homem bom hoje em dia tá ruim de arranjar
Aquele que eu tinha eu peguei com outra, mandei ele andar
Malandro e folgado comigo não dura mais nem um luar
Tá rindo, é?

Ah...
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pro santo não entediar
E vamos que vamos... e vamos que vamos

Ah...
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pra não entediar
E vamos que vamos... e vamos que vamos que dá

Ah...
Recebi um torpedo da telefonia no meu celular
prometendo desconto as três da manha se eu puder falar
Mas de madrugada quem vai me atender? Quem vai me ligar?
Eu hein?

Tchau!
Fique tranquila que o vestido eu cuido não deixo sujar
Quem sabe eu te ligue pra poder a tarifa a gente aproveitar
ou quem sabe eu arraje até alguém novo pra mim namorar
Ta rindo, é?

Ah...
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pro santo não entediar
E vamos que vamos... e vamos que vamos

Ah...
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pra não entediar
E vamos que vamos... e vamos que vamos que dá
E vamos que dá...
E vamos que dá...

Sons que confortam

Eram quatro horas da manhã quando seu pai sofreu um colapso cardíaco. Só estavam os três em casa: o pai, a mãe e ele, um garoto de doze anos. Chamaram o médico da família. E aguardaram. E aguardaram. E aguardaram. Até que o garoto escutou um barulho lá fora. É ele que conta, hoje, adulto: “Nunca na vida ouvira um som mais lindo, mais calmante, do que os pneus daquele carro amassando as folhas de outono empilhadas junto ao meio-fio.”
Inesquecível, para o menino, foi ouvir o som do carro do médico se aproximando, o homem que salvaria seu pai. Na mesma hora que li esse relato, imaginei um sem-número de sons que nos confortam. A começar pelo choro na sala de parto. Seu filho nasceu. E o mais aliviante para pais que possuem adolescentes baladeiros: o barulho da chave abrindo a fechadura da porta. Seu filho voltou.
E pode parecer mórbido para uns, masoquismo para outros, mas há quem mate a saudade assim: ouvindo pela enésima vez o recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu.
Deixando a categoria dos sons magnânimos para a dos sons cotidianos: a voz no alto-falante do aeroporto dizendo que a aeronave já se encontra em solo, e que o embarque será feito dentro de poucos minutos.
O sinal, dentro do teatro, avisando que as luzes serão apagadas e o espetáculo irá começar.
O telefone tocando exatamente no horário que se espera, conforme o combinado. Até a musiquinha que antecede a chamada a cobrar pode ser bem-vinda, se for grande a ansiedade para se falar com alguém distante.
O barulho da chuva forte no meio da madrugada, quando você está quentinho na sua cama.
Uma conversa em outro idioma na mesa ao lado da sua, provocando a falsa sensação de que você está viajando, de férias em algum lugar estrangeiro. E estando em algum lugar estrangeiro, ouvir o seu idioma natal sendo falado por alguém que passou, fazendo você lembrar que o mundo não é tão vasto assim.
O toque to interfone quando se aguarda ansiosamente a chegada do namorado. Ou mesmo a chegada da pizza.
O aviso sonoro de que entrou um torpedo no seu celular.
A sirene da fábrica anunciando o fim de mais um dia de trabalho.
O sinal da hora do recreio.
A música que você mais gosta tocando no rádio do carro. Aumente o volume.
O aplauso depois que você, nervoso, falou em público para dezenas de desconhecidos.
O primeiro eu te amo dito por quem você também começou a amar.
E, em tempos de irritantes vuvuzelas, o mais raro de todos: o silêncio absoluto.

Martha Medeiros

Nota: Crônica escrita na Revista O Globo em 27 de Junho de 2010

O medo
Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias.
Chegou em casa numa gaiola. Ao meio-dia, abri a porta da gaiola.
Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.(p. 111)


A desmemória / 3
Nas ilhas francesas do Caribe, os textos de história ensinam que Napoleão foi o mais admirável guerreiro do Ocidente. Naquelas ilhas, Napoleão restabeleceu a escravidão em 1802. A sangue e fogo obrigou os negros livres a voltarem a ser escravos nas plantações. Disso, os textos não dizem nada. Os negros são os netos de Napoleão, não as suas vítimas. (p. 114)

A desmemória/4
Chicago está cheia de fábricas. Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo. Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
— Deve ser por aqui — me dizem. Mas ninguém sabe. Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago. Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio é um dia como qualquer outro. Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade. E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que esta como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador. (p. 115)

Eduardo Galeano
O Livro dos Abraços

"Olhe o dia amanhecendo e você vai sentir que,
em quase tudo, há anjos tecendo o alvorecer.
Uns são raios de sol que vêm descendo,
para iluminar o que de bom a gente sonha fazer.
Outros são canções suaves que quando em silencio,
a gente ouve em toda fonte que jorra,
em cada onda que bate,
em cada sopro de vento,
em cada silvo selvagem,
em cada bicho que corre,
em cada flor ao nascer.
Eles são fontes de energia e proteção,
presentes em seus planos, desejos, vontades,
em tudo o que o amanhecer inspira.
Só que é preciso fechar os olhos para ver,
e ouvir o coração dizendo que a gente é como gota d"água,
nesse mar imenso do universo,
com o poder infinito de transformar
o que é invisível em cores do arco-íris.
Acredite.
Cada manhã dá luz a um novo dia,
mas é você quem faz nascer a alegria...
Você é minha alegria

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões
CAMÕES, L. Rimas. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1953.

Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade
"Lição de Coisas: poesia". São Paulo: J. Olympio, 1965

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana.
Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Fernando Pessoa
SOARES, B. Livro do Desassossego. Vol.II. Lisboa: Ática. 1982. 505p.

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.

Fernando Pessoa
Cancioneiro. L&PM Editores. 2007

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como essas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mario Quintana
Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.



Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.

Douglas Malloch

Nota: Tradução de trechos do poema "Be the best of whatever you are", de Douglas Malloch. Muitas vezes atribuído, de forma errônea, a Pablo de Neruda.

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A Dança/ Soneto XVII

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Pablo Neruda
NERUDA, P. Cem Sonetos de Amor. Porto Alegre: L&PM, 2006.