Coleção pessoal de tadeumemoria
BABY, YOU LOOK SO FINE
Sabe aqueles cinco minutos de ansiedade mórbida
De quando se espera a pessoa amada no primeiro encontro,
Aquilo é pressa de viver
E quando a neblina cai, o trem apita, alguém esbarra
E a cigana te cerca insistindo em ler a tua mão,
Sou analfabeto e bruto nesse tipo de emoção;
Nada quero do futuro, hoje mesmo eu morro de prazer,
Hoje mesmo terei o prazer de morrer de amor;
Ah seus olhos são verdes, que coisa linda!
As colinas descem ao meu umbigo e eu digo
Vermelho de paixão: não para agora, agora não;
O mundo pode ser tão belo, a vida pode ser tão boa...
O trem apita, alguém esbarra,
A cigana mente e continua a garoa...
Baby, baby... you look so fine, mas não demore tanto,
Não demore nunca mais, eu tenho taquicardia
Eu sou uma criança e a esperança desce o morro
O teu olhar é o meu socorro, disso eu não morro
Nem que meu coração bata mil vezes por minuto
E por mais que essa agonia, essa pressa de viver pareça absurdo
Eu cavalgo sobre o meu coração ao pulsar dessa taquicardia
E é isso que move os meus dedos em direção a poesia...
AO ALÉM
Meia noite e meia, de repente um arrepio
Não é febre, não é frio
Sei perfeitamente o que conduz a lua cheia
Essa abstração aos meus medos, alheia
É a intimidade entre mim e o além
Quem sabe os meus segredos
Sabe que um dia eu já morri também
Ah, eu amo vocês!
Vocês que já foram, mas vigiam os meus passos
E os passos que ouço, a cortina que balança...
Os sussurros no ouvido...
São todos os que me amam e se importam comigo
A adolescência estacionava o olhar entre as varandas da rede onde o mundo tomava dimensões que o tecido bordava, a quietude das coisas embalava uma canção de ninar naquela insanidade de brisa e grilos e os ruídos que a natureza produz; sonhava um mundo sob os cachos dos cabelos e o milagre das coisas boas viria na voz grave da mãe, que cantava uma oração misturada ao cheiro de café matinal. A aranha tecia sua teia para as noites longas a catar aliens e objetos não identificados que se prendiam a seus fios pegajosos; entre as frestas das telhas entrava um facho de luz que não doía nada, mas diziam mísseis apontados pra Washington e Moscow. Os meus cachos protegiam a testa, o medo que pudesse transparecer da guerra fria se perdia no meu jovem entendimento e na minha gentil ignorância; o meu olhar atravessava o tecido da rede, a aranha atravessava a noite, os misseis atravessavam os pesadelos tornando real a profecia do apocalipse; Londres, Nova Iorque e Paris vaporizavam os gases de ogivas letais; "não concluir meu último poema" era um grande arrependimento; Priscila jogando peteca na calçada era uma grande preocupação; não morreremos de infarto era uma constatação. Esta ansiedade estressante ditava o ritmo do cotidiano, mas tia Matilde, a professora de história ainda mencionava tratado de Tordesilhas, a colônia, o trabalho escravo e tudo o que nos fora usurpado pela coroa portuguesa. No final da tarde Priscila cantarolava Jerry Adriani, os pescadores bebericavam, entre uma, e outra história fantástica de pescarias inimagináveis; a aranha devorava suas presas, os armadores rangiam os meus medos embalados na rede, protegidos pelas varandas e as fantasias da minha adolescência
O ruim de fazer poema sobre mãe é que sempre tem-se a impressão de que falta algo a ser dito; mãe é uma coisa tão imensa, tão incabível que tenho a impressão de que temos que inventar outras palavras pra definir com exatidão. Acho que mãe é Deus perto da gente...
A LUZ DA MANHÃ SEGUINTE
Tanta coisa aconteceu,
Circunstâncias drásticas, adversas
Sinto-me assim um sobrevivente...
Mas este filme continua, um outro cenário...
Poeira e teias de aranhas,
Algo sinistro e envolvente
Algo que nunca passou pela minha cabeça...
Os zumbis, vampiros e os bruxos dançam sob os astros,
Bruxos, vampiros e zumbis bailam nojentos
Sobre o lodo de seus instintos...
Administro bem os meus temores,
Me desvencilho de grandes amores,
Me penitencio sob a lua cheia,
Cama e mesa ficam fartas a meia noite e meia...
A ternura dos meus olhos lacrimeja sangue
Por tempo e amores perdidos,
Mas tenho este privilégio, sou um sobrevivente...
Sem sonhos não se contempla a luz da manhã seguinte
E eu conheço os tons dourados desse alvorecer;
Os vampiros, bruxos e zumbis dançam sob as estrelas
Mas ofuscam-se com os primeiros raios do nascente
A dor é o primeiro passo para a felicidade,
A queda é o primeiro passo pro equilíbrio,
O frio é a ausência do calor
Vampiros, zumbis e bruxos dançam sob a tênue luz das estrelas
E a solidão é a ausência do amor
MORANGO
Eu ainda tinha um ideal
Mas esse capitalismo consumia os sonhos
E o que eu escrevia era romântico demais
Pra filosofias tão ocidentais;
Eu ainda não me estabelecera,
Aliás meu sonho era exatamente a instabilidade;
O azul anil desse vazio me acolhia
Como um astronauta perdido
Entre morcegos, meteoros e cometas...
A ilusão é o meu pilar,
A abstração é se realizar...
As tuas narinas me atraiam
E a tua língua parecia um morango
Dançando como uma oferenda
Ao som das tuas palavras;
Abstrato, eu te possuiria por todos os poros,
Astronauta eu te levaria a virgem
E virgem você me levaria a qualquer devaneio
Eu ainda tinha um ideal
Quando não tinha ideia do que era a castidade,
Como ela consome o que temos de casto,
Minha via láctea era teus seios
E hoje eu ceio os tão bem nos meus sonhos
Quando eu falo de abstração
Não é aquilo que eu falo aos teus ouvidos,
O que eu falo se derrama sólido entre sussurros
Embaçando a luz do abajur
Abstrato não é o que respinga no teu rosto
Que humilha, profana, mas apraz
Abstrato é o que trava na garganta
Ao perceber que perdemos a ingenuidade
Sem ingenuidade perdemos nossos sonhos
E sem sonhos castramos os ideais...
GRAVIDADE
Os pivetes mal fazem um avião
E já pensam que são astronautas
Se perdem na gravidade da lua
E acabam na poeira da rua...
ÓPERA
Eu não tenho nada e eles pensam que eu nada tenho
Mas tem um grilo que cricrila pela noite afora
Ele conversa sobre os medos da noite
E tem os gatos; e os gatos cantam
Como só os gatos sabem de ópera
E eu roubo-lhes as vidas
Já tenho sete, afora o infarto
Conversei com Deus nesse dia
Vi Maria na última travessia da Dutra
Eu não tenho nada e eles pensam que eu nada tenho
Mas o negro que vejo no antigo engenho
Tem cicatrizes nas costas,
Mas tem prosas bonitas de Angola
E derrama poesia quando fala de sinhá
E quando não fala de nada
Eu percebo o meu Brasil moreno
Tão rico, tão grande, tão pobre e pequeno
Que eu namoro as namoradas que não são minhas
E as minhas namoradas não namoram comigo
E eles pensam que eu não tenho nada e eu nada tenho
Porque o que eu tenho é sentar na calçada
E olhar a lua, as estrelas e o firmamento
E tudo isso já pertence a russos e americanos
Eu não tenho nada e eles pensam que eu nada tenho
Mas eu tenho a magia das palavras
Essa coisa que me instiga e me oferece a ilusão mambembe
De que eu de nada preciso
Que o resto é abstrato, o resto é engano...
MARROM
A aeronave me esperava imponente
Eu demente de medo
Se algo de ruim acontecer
Não conte meus segredos;
Um dia perceberão que sou o grande poeta desse país,
Comentarão AMORAMORA
Mas então brincarei com os anjos...
Depois de uma existência pobre
Diga a alguém que muito amei
E que meus sentimentos e ressentimentos são nobres
Que além disso, acreditar na humanidade
E a loucura me fez poeta....
Queria ter falado mais de amor, mas é tão difícil,
Os edifícios tolhem os horizontes,
Os nascentes e os ocasos,
Não comente sobre mal resolvidos casos
Eu te amo demais, eu amo todos vocês,
Perdoem o mal jeito e a minha insensatez
Eu devia ter sido mais forte, eu devia ter tido mais sorte
A aeronave me espera imponente,
Publiquem meus poemas decentes
Desfrutem escondidos dos poemas indecentes,
Mas não comentem este lado marrom
Façam-no acreditar que eu era bom
A minha grande frustração é o país sem leis
E a corrupção me faz desejar ter nascido francês
A aeronave me espera imponente...
ONTEM
Tudo era tão lindo,
Quando tudo era lindo,
Quando tudo era tudo
Que se resumia no indelével prazer
De achar que era tudo aquele querer
Era tudo que eu sonhava
Quando eu sonhava com tudo
De bom que eu pudesse ter
MENTIRA
A vida jamais será uma mentira,
Mas se a vida fosse uma mentira
Estaríamos na esquina
E como se você não soubesse
Eu te falaria dos meus desejos,
Você fingiria surpresa
E com as coisas bonitas que eu falasse
Você se encantaria
Mas a vida não é uma mentira
E a lua cheia que eu vejo ninguém mais compactua
E a rua que eu moro não tem esquinas
E as mentiras que eu escrevo não tem rimas
A vida é uma verdade sem sua presença
E as minhas mentiras são só minhas
Sempre quis a solidão da lua
Que a rua escura
E esta ternura débil e insana
É a mãe desse amor platônico;
Sempre quis olhar da janela
E ver a janela nos teus olhos
Enquanto tua respiração
Afugentasse as abelhas dos cálices das flores
A vida jamais será uma mentira
Esta mentira só existe nos meus sonhos